Publica��es compartilhadas mais de 4,4 mil vezes desde meados de julho de 2020 mostram as fotos de tr�s meninas juntamente com a afirma��o de que “essas s�o crian�as que engravidaram de mu�ulmanos”.
“Que o casamento infantil � comum entre os mu�ulmanos voc�s j� sabem. Mas j� viram como fica uma crian�a que engravida? Essas s�o crian�as que engravidaram de mu�ulmanos. Repulsivo. Eu sei que essa de azul tem 9 anos”, dizem as legendas das postagens, que circulam no Facebook (1, 2, 3), Twitter e Instagram (1) ao menos desde o �ltimo dia 16 de julho.
Estas quatro fotografias tamb�m foram encontradas em espanhol (1).
As duas imagens que mostram uma menina usando uma vestimenta azul, inclusive, circularam em outros idiomas, como ingl�s e espanhol.
Talassemia
Por meio de uma busca reversa das fotos da crian�a com uma vestimenta azul em motores como Google e Yandex, a equipe de verifica��o da AFP chegou ao site turco Dogrula que, em mar�o de 2019, desmentiu uma postagem similar de que a crian�a estava casada com um im�.
A menina em quest�o se chama Roya, vive no Afeganist�o, e tem uma doen�a chamada talassemia maior, de acordo com uma informa��o sobre o seu estado de sa�de, fornecida em 27 de janeiro de 2019 no site da organiza��o norte-americana Child Foundation, quando ela estava com oito anos.
A talassemia � uma doen�a heredit�ria que provoca, entre outros efeitos, uma diminui��o da hemoglobina e de gl�bulos vermelhos no sangue. Entre os sintomas da talassemia est� o incha�o abdominal, como � o caso de Roya.
� AFP, o conselheiro s�nior da Child Foundation Masoud Modarres desmentiu a gravidez de Roya: “Roya nunca esteve gr�vida”. A funda��o norte-americana ajuda crian�as com talassemia em Mazar-e-Sharif, no Afeganist�o, e ela recebeu tratamento no centro administrado por esta organiza��o, em um hospital nesta localidade afeg�.
A funda��o ajudou a fam�lia de Roya “com transfus�es de sangue em um hospital de Mazar-e-Sharif”, contou Modarres. “Como a sua fam�lia � muito pobre e n�o sabia muito sobre esta doen�a, s� levavam-na ao m�dico nos piores momentos. Aparentemente, n�o ministraram os rem�dios que deveriam dar a ela, fazendo com que o rim e o ba�o de Roya aumentassem de tamanho”, lembrou.
Devido � falta de recursos, a Child Foundation conseguiu � fam�lia da menina “um visto, um passaporte, auxiliamos em sua viagem � cidade de Mashad, no Ir�, onde um bom samaritano [encontrado tamb�m atrav�s da funda��o, segundo esta] pagou pela sua cirurgia”, afirmou Modarres. De acordo com o site da funda��o, a viagem ocorreu em 1º de fevereiro de 2019, a cirurgia foi um sucesso e Roya e sua fam�lia retornaram ao Afeganist�o.
O presidente da Associa��o Espanhola de Luta contra as Hemoglobinopatias e Talassemias, Antonio Cerrato, explicou � equipe de verifica��o da AFP que a talassemia “� uma anemia grave”. As pessoas que t�m essa condi��o - que s�o aquelas cujos pais s�o portadores da altera��o gen�tica - “requerem transfus�es de sangue desde que nascem para poder sobreviver”, al�m de um tratamento por via oral para eliminar o ferro pelas transfus�es.
Cerrato tamb�m indicou que “a �nica cura � um transplante de medula [�ssea], mas para um transplante de medula, precisa haver um doador 100% compat�vel”. Ele ainda explicou que “com o tratamento adequado, um paciente pode ter uma boa qualidade de vida e uma expectativa de vida normal”.
Problema card�aco
Uma busca reversa no Google pelas outras duas fotografias, nas quais pode-se ver crian�as sendo consultadas por adultos, levou ao banco de imagens Getty Images. Com data de 27 de maio de 2003, seu t�tulo �, em ingl�s: “Esposa do presidente franc�s Jacques Chirac, Bernadette, estabelece o ‘Hospital da m�e e da crian�a’, o primeiro hospital dedicado a m�es e filhos em Cabul, no Afeganist�o, em 27 de maio de 2003”.
A legenda, por sua vez, indica, tamb�m em ingl�s: “AFEGANIST�O - 27 de MAIO: Doutor Cheysson examinando uma crian�a no consult�rio m�dico da doutora Nilab. Esta crian�a � uma das que ser�o enviadas ao Hospital Paris Georges Pompidou para um melhor tratamento de seu caso, em Cabul, no Afeganist�o, em 27 de maio de 2003”. As imagens foram registradas por Raphael Gaillarde para a ag�ncia Gamma-Rapho via o Getty Images.
A visita da esposa do ent�o presidente franc�s foi, inclusive, reportada por ve�culos de comunica��o.
Nas fotografias � poss�vel identificar dois m�dicos: �ric Cheysson e Alain Deloche. Cheysson � um m�dico franc�s especializado em cirurgias tor�cicas e vasculares. Deloche � cirurgi�o card�aco e, junto com Cheysson, fundador da Cha�ne de l'Espoir (Cadeia da Esperan�a, em tradu��o do franc�s), uma associa��o humanit�ria que ajuda crian�as.
A Cha�ne de l'Espoir, inclusive, desmentiu as fotos viralizadas em sua conta no Twitter em janeiro de 2019: “Queremos esclarecer a veracidade destas fotos de 2003 que viraram pol�mica. Estas crian�as afeg�s sofriam de insufici�ncia card�aca em fase terminal, o que explica as suas barrigas cheias de l�quido. Eles foram operados gra�as � Cha�ne de l'Espoir”, diz o tu�te, em tradu��o livre do franc�s.
Nous tenons � r�tablir la v�rit� sur ces photos de 2003 qui font pol�mique. Ces petites filles afghanes souffraient d'une insuffisance cardiaque terminale ce qui explique cet �norme ventre rempli de liquide. Elles ont �t� op�r�es gr�ce � la Cha�ne de l'Espoir. https://t.co/F52XqVQCCQ
— La Cha�ne de l'Espoir (@chainedelespoir) January 18, 2019
A insufici�ncia card�aca pode levar ao ac�mulo de l�quido no abd�men, como indicou a Cha�ne de l’Espoir em seu tu�te, pois o cora��o n�o consegue bombear sangue suficiente para atender �s necessidades do corpo. Outros locais do corpo que podem ser afetados com a reten��o de l�quido s�o p�s, tornozelos, pernas, regi�o lombar e f�gado, dependendo da quantidade de l�quido excedente e dos efeitos da gravidade.
A AFP entrou em contato com a Cha�ne de l’Espoir para saber detalhes das situa��es das meninas vistas nas fotografias. Por e-mail, a ONG respondeu: “As publica��es que circulam sobre elas s�o ‘fake news’. Estas duas meninas sofriam de uma patologia card�aca grave. Foram atendidas pela Cha�ne de l'Espoir em junho de 2003: transferidas para a Fran�a, foram operadas aos oito anos no hospital Georges Pompidou, em Paris. Hoje em dia elas est�o em perfeito estado de sa�de e sendo acompanhados no hospital de Cabul - o Instituto M�dico Franc�s para Crian�as”.
De acordo com um documento elaborado pelo Fundo das Na��es Unidas para a Inf�ncia (Unicef) em 2018, intitulado “Casamento infantil no Afeganist�o”, segundo o artigo 70 da Lei Civil do Afeganist�o, o casamento n�o � considerado adequado se o homem for menor do que 18 anos e a mulher menor que 16.
Um segundo documento do Unicef - “Crian�as, alimentos e nutri��o: crescendo bem em um mundo em mudan�a” -, de 2019, mostra que no Afeganist�o, 9% das meninas do pa�s casaram aos 15 anos, enquanto 35% casaram aos 18.
O Checamos j� verificou outras imagens sobre supostos casamentos infantis.
Em resumo, � falso que as meninas vistas nas fotografias estejam gr�vidas. Uma delas tem uma doen�a chamada talassemia maior, que afeta o sangue e pode causar incha�o abdominal devido ao aumento de tamanho de algum �rg�o. As outras duas crian�as tiveram insufici�ncia card�aca que, entre outras coisas, pode levar ao ac�mulo de l�quido na regi�o abdominal.