Uma carta atribu�da a Albert Einstein, na qual ele supostamente explica a sua filha Lieserl que a verdadeira “for�a universal” � o amor, foi compartilhada mais de 37 mil vezes nas redes sociais desde 2014.
Algumas publica��es ainda indicam que esta missiva esteve nas m�os de Lieserl at� o fim da d�cada de 1980, quando doou � Universidade “Hebrea”, em Jerusal�m. Entretanto, os arquivos internacionais que conservam o legado do famoso f�sico n�o cont�m esta carta e suas correspond�ncias n�o foram doadas � Universidade Hebraica.
“No final dos anos 80, Lieserl, a filha do c�lebre g�nio, doou 1.400 cartas escritas por Einstein para a Universidade Hebrea, com o pedido de n�o torn�-las p�blicas at� que duas d�cadas se passassem da morte de seu pai. Esta foi uma delas”, indica uma postagem no Facebook, de 2017, fazendo men��o � Universidade Hebraica de Jerusal�m, mas usando o seu nome em espanhol.
Outras publica��es, contudo, n�o indicam como esta carta teria vindo a p�blico, e foram compartilhadas milhares de vezes desde 2014 n�o apenas no Facebook (1, 2, 3), como tamb�m no Twitter, Instagram (1, 2, 3) e em sites (1, 2, 3). Seis anos depois, o texto continua circulando nas redes.
Um artigo compartilhado mais de 21 mil vezes no Facebook, de acordo com a ferramenta CrowdTangle, embora divulgue a carta, coloca em d�vida a sua autoria afirmando que “n�o existe prova nenhuma que Einstein seja o autor da mesma”.
A missiva supostamente escrita por Einstein diz, em seu primeiro par�grafo: “quando propus a teoria da relatividade, muito poucos me entenderam e o que vou agora revelar a voc�, para que transmita � humanidade, tamb�m chocar� o mundo, com sua incompreens�o e preconceitos”. E continua: “h� uma for�a extremamente poderosa para a qual a ci�ncia at� agora n�o encontrou uma explica��o formal. [...] Esta for�a universal � o AMOR”.
A carta se estende por mais 40 linhas, nas quais faz alus�o a uma “bomba de amor” que destruir� “todo o �dio, ego�smo e gan�ncia”, e nas quais o autor da Teoria da Relatividade pede perd�o a sua filha por n�o ter expressado adequadamente o seu afeto.
A maior parte das publica��es � ilustrada com uma fotografia na qual o nobel de F�sica posa com uma menina, dando a entender de que se trata de Lieserl Einstein.
As palavras atribu�das ao famoso cientista tamb�m circularam em outros idiomas, como espanhol, ingl�s e franc�s.
N�o existem evid�ncias, contudo, de que a carta tenha sido escrita por Albert Einstein; a menina vista na fotografia n�o � sua filha e Lieserl n�o doou as correspond�ncias de seu pai para a Universidade Hebraica de Jerusal�m.
Lieserl Einstein
Albert Einstein teve dois filhos com a sua primeira esposa, Mileva Maric: Hans Albert Einstein, nascido em 1904, e Eduard Einstein, nascido em 1910.
Gra�as �s pesquisas de sua neta Evelyn Einstein, filha de Hans Albert, foram descobertas 500 cartas de Einstein nos anos 1980 em uma caixa de seguran�a em Berkeley. As correspond�ncias revelaram que, antes de casarem oficialmente, Albert Einstein e Mileva Maric tiveram uma filha, Lieserl, nascida em 1902.
Algumas destas cartas foram publicadas pela Universidade de Princeton em 1992 sob o t�tulo “The Love Letters”. Nelas, pode-se conferir que Albert Einstein estava na Su��a no momento do nascimento de Lieserl e presume-se que Maric tenha feito o parto na atual S�rvia, de onde a sua fam�lia era origin�ria.
Nas cartas, Einstein se mostra ansioso para conhecer a menina. Mas em uma missiva datada em setembro de 1903, o futuro nobel de F�sica manifesta preocupa��o pelo seu estado de sa�de: “Lamento muito o que aconteceu com Lieserl. � muito f�cil sofrer os efeitos duradouros da escarlatina. [...] Como ela foi registrada? Devemos tomar precau��es para que n�o surjam problemas para ela mais tarde”.
Segundo o historiador Robert Schulmann, que editou o livro e foi diretor do Einstein Papers Project - que re�ne, sistematiza e publica o legado escrito do f�sico -, a carta de 1903 permite inferir que o casal deu a menina para a ado��o nesse mesmo ano. Este � o �ltimo documento que a menciona e at� hoje n�o se sabe mais dela, como � relatado no “The Collected Papers of Albert Einstein. Volume 1”, publicado tamb�m pela Universidade de Princeton.

Na realidade, quem realizou a doa��o da correspond�ncia de Einstein � Universidade Hebraica foi Margot Einstein, enteada do cientista, falecida em 1986. As cartas foram adicionadas ao acervo que o pr�prio Einstein havia deixado � institui��o em seu testamento.
O arquivo de Albert Einstein
A equipe de checagem da AFP fez uma busca pela carta sobre o amor como “for�a universal” no Arquivo Albert Einstein da Universidade Hebraica de Jerusal�m, mas n�o obteve resultados.
O curador da cole��o, Roni Grosz, que ocupa este cargo desde 2004, confirmou � AFP que a carta n�o se encontra no arquivo, como afirmam publica��es viralizadas, e tampouco foi escrita pelo f�sico
“A carta mencionada � uma total falsifica��o”, assinalou. E acrescentou que o fato de isto circular na Internet h� pelo menos cinco anos sem qualquer aval institucional “� um forte indicador de que n�o se trata de um documento aut�ntico”.
A carta que, de fato, � conservada na Universidade Hebraica � a de setembro de 1903, na qual Lieserl Einstein � citada pela �ltima vez.
A AFP tamb�m pesquisou pela carta no Einstein Papers Project, mas igualmente n�o obteve resultados.
A menina da foto
Muitas publica��es compartilhadas nas redes s�o ilustradas por uma fotografia na qual se v� Einstein com uma menina em um jardim. Uma busca reversa pela imagem no Google revelou que ela pode ser encontrada no banco de imagens da ag�ncia Getty e que n�o se trata de uma foto, mas do fotograma de uma filmagem.
A legenda da sequ�ncia d� cr�dito a Stephanie Asker, em Princeton, Nova Jersey, em 1943. A Getty Images n�o identifica a menina, mas n�o poderia ser Lieserl Einstein, que na �poca estaria com 41 anos, e tampouco poderia ser Margot Einstein, enteada do f�sico, que tinha 43 anos nesta data.

Uma busca no Google pelos termos “Stephanie Asker + Einstein” mostra resultados que a assinalam como uma amiga da fam�lia. Um dos sites, inclusive, a identifica como a menina das imagens e vincula uma reportagem a ela. A AFP n�o conseguiu localizar a mat�ria original.
Em resumo, n�o h� evid�ncias de que Albert Einstein tenha escrito uma carta sobre a “for�a universal do amor” a sua filha Lieserl, ou a qualquer outro destinat�rio. A missiva n�o se encontra nos arquivos internacionais que conservam o legado do f�sico. Al�m disso, foi a enteada do cientista, Margot Einstein, quem doou a cole��o de cartas � Universidade Hebraica, n�o Lieserl.