Publica��es compartilhadas mais de 1,8 mil vezes nas redes sociais desde o �ltimo dia 6 de dezembro apontam que a vacina contra a covid-19 deixar� “97% dos homens inoculados” est�reis, entre uma s�rie de alega��es a respeito dos supostos efeitos colaterais dos imunizantes que foram ou est�o sendo desenvolvidos para combater o novo coronav�rus. Mas essas afirma��es s�o enganosas ou n�o t�m fundamento.
“A VACINA DA ESTERILIZA��O E A MALEDIC�NCIA DA CONSPIRA��O. #AcordaTuQdormeSonodaMorte #VaiVendo. Quer saber a verdade???”, iniciam as postagens, que circulam desde o in�cio do m�s de dezembro no Facebook (1, 2, 3) e no Twitter (1), na semana em que uma brit�nica de 90 anos foi a primeira ocidental a ser vacinada contra a covid-19.
Em novembro, quatro fabricantes anunciaram vacinas eficazes para prevenir a doen�a causada pelo novo coronav�rus: Pfizer/BioNTech, Moderna, a alian�a brit�nica AstraZeneca/Universidade de Oxford e o instituto estatal Gamaleya da R�ssia.
Essas quatro vacinas s�o inovadoras por terem sido desenvolvidas mediante engenharia gen�tica. S�o imunizantes que, para conseguir que o corpo humano elabore uma resposta de defesa contra o v�rus, necessitam apenas reproduzir e inocular material gen�tico do v�rus e n�o o v�rus em si, como acontece com as vacinas cl�ssicas feitas � base de v�rus inativos ou atenuados.
Tanto as vacinas feitas � base de RNA mensageiro (Moderna e Pfizer/BioNTech) como as feitas � base de vetores de adenov�rus (Gamaleya e AstraZeneca/Universidade de Oxford) t�m o objetivo de conseguir que o corpo humano fabrique uma prote�na encontrada na superf�cie do v�rus SARS-CoV-2.
Embora ainda esteja na fase 3, a vacina russa Sputnik V come�ou a ser aplicada em Moscou em 5 de dezembro, enquanto a da Pfizer/BioNTech, j� aprovada, come�ou sua aplica��o no Reino Unido em 8 de dezembro. Em 30 de dezembro, o Reino Unido tamb�m autorizou o uso do imunizante desenvolvido pelo grupo AstraZeneca e a Universidade de Oxford, com o qual espera acelerar consideravelmente a campanha de vacina��o.
Veja a seguir a verifica��o feita pela equipe de checagem da AFP de algumas alega��es que circulam nas redes sociais sobre os imunizantes contra o novo coronav�rus.
1 - O RNA mensageiro “circula pelo sangue at� encontrar um receptor de enzima [ACE2], que existe principalmente nos test�culos, nos ov�rios”: Enganoso
A enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) � um receptor que facilita a entrada do novo coronav�rus nas c�lulas, mas n�o � verdade que ela se encontre “principalmente nos test�culos”, j� que tamb�m est� presente nos pulm�es e em outros �rg�os, como f�gado, rins e cora��o.
“A ACE2 � uma prote�na importante para as c�lulas humanas. Encontra-se em v�rias c�lulas de todo o corpo e contribui para fun��es vitais, como a regula��o da press�o arterial”, explicou � AFP Kenneth Witwer, professor de Patologia e Neurologia Molecular e Comparativa na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins (JHU), nos Estados Unidos.
Javier Farina, diretor do Comit� de Infectologia Cr�tica da Sociedade Argentina de Terapia Intensiva, concorda. “O SARS-CoV-2 utiliza o receptor ACE2, que est� em m�ltiplos �rg�os do corpo humano, para entrar na c�lula”, indicou � AFP.
Witwer, por sua vez, descartou que as vacinas contra a covid-19 fossem capazes de criar uma resposta imunol�gica que “ataque” essa enzima: “O corpo humano tem sistemas muito robustos para identificar as prote�nas como ‘pr�prias’ (como o ACE2 humano) ou como ‘estranhas’ (como a prote�na ‘spike’ do novo coronav�rus)”.
“A enzima conversora de angiotensina 2 � o objetivo celular, o alvo do SARS-CoV-2. A ACE2 interage com a prote�na ‘spike’ do novo coronav�rus para que este possa entregar sua carga infecciosa � c�lula”, explicou Witwer.
E Farina esclareceu: “As vacinas n�o agem sobre o receptor ACE2 e tampouco atuam nas c�lulas sexuais masculinas ou femininas. O objetivo das vacinas � gerar anticorpos contra a covid-19 a partir de um fragmento do v�rus”.
2 - “Atrav�s do receptor, o RNA penetra na c�lula e nela reescreve seu c�digo gen�tico”: Falso
De acordo com a doutora Mar�a Victoria S�nchez, pesquisadora do Laborat�rio de Imunologia e Desenvolvimento de Vacinas do IMBECU-CCT-CONICET da Argentina, as vacinas com RNA mensageiro n�o interv�m nos genes de uma pessoa.
“O processo de tradu��o do c�digo gen�tico em uma prote�na � realizado no citoplasma, n�o no n�cleo da c�lula”, indicou. “O RNA mensageiro n�o pode ‘penetrar’ em nosso DNA”.
A m�dica infectologista da Universidade do Chile Jeannette Danbach Pe�a, por sua vez, assinalou � equipe de checagem da AFP que � “absolutamente falso” que essas vacinas modifiquem os genes.
Os imunizantes “n�o manipulam o DNA humano, n�o poderiam faz�-lo. S� s�o projetados para que expressem determinadas prote�nas e o nosso organismo consiga identific�-las e produzir as defesas necess�rias. Na verdade, isto � o que um v�rus faz naturalmente, e n�o manipula nossos genes: expressa prote�nas”, explicou Pe�a.
� AFP, Witwer, da Universidade Johns Hopkins, falou no mesmo sentido: “O RNA mensageiro simplesmente se traduz em prote�na, se degrada rapidamente e n�o pode se converter em DNA”.
Em seu site, os Centros para o Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos criaram uma se��o para explicar como funcionam as vacinas de RNA mensageiro na qual indicam que “o mRNA [RNA mensageiro] nunca entra no n�cleo da c�lula, que � onde o nosso DNA (material gen�tico) � mantido”.
3 - “O resultado dessa vacina ser� que, em curto prazo, 97% dos homens inoculados ficar�o est�reis”: Falso
O professor Kenneth Witwer apontou que “o tema da infertilidade e das vacinas parece surgir frequentemente nas comunidades antivacina”.
A pesquisadora S�nchez sustentou que “n�o existe bibliografia que garanta que uma vacina pode afetar a reprodu��o”.
“As c�lulas que processam os ant�genos das vacinas - neste caso a prote�na ‘spike’ do novo coronav�rus - para alcan�ar a resposta imunol�gica s�o chamadas de c�lulas apresentadoras de ant�genos”, explicou. “Os test�culos n�o s�o �rg�os do sistema imunol�gico capacitados para montar a resposta imune. As c�lulas apresentadoras de ant�geno se dirigem aos �rg�os linfoides para isto, n�o interv�m de nenhuma maneira com a espermatog�nese”, indicou S�nchez.
Em espanhol, uma publica��o viralizada indicava que o teste da vacina, sem especificar qual deles, causou a infertilidade de 97% dos ratos no estudo, porcentagem atribu�da � esteriliza��o de homens nas postagens virais em portugu�s. A equipe de checagem da AFP, contudo, n�o encontrou dados ou evid�ncias sobre essa suposta esteriliza��o nos estudos em animais de imunizantes contra a covid-19.
Para explicar o motivo pelo qual n�o � poss�vel “esterilizar” os homens por meio destas vacinas, o doutor Nicol�s Torres, do Laborat�rio de Imunopatologia do IBYME-CONICET da Argentina, prop�s um exerc�cio de imagina��o:
“Suponhamos que algum cientista muito mau projetasse um v�rus capaz de matar c�lulas ACE2. Al�m de esterilizar o indiv�duo, o mataria, porque a ACE2 � expressa nos pulm�es, no c�rebro, nas c�lulas do endot�lio vascular, nos rins, etc. � realmente impens�vel com a tecnologia atual poder projetar uma vacina para matar c�lulas do test�culo que, ao mesmo tempo, n�o matassem todo o resto das c�lulas do organismo que expressam ACE2”.
Uma an�lise dos estudos feitos na fase 3 das duas vacinas que se mostraram eficazes contra o novo coronav�rus e s�o feitas � base de RNA mensageiro - Moderna e Pfizer/BioNTech - n�o mostra qualquer efeito relacionado � esteriliza��o de indiv�duos, ou morte de c�lulas ACE2.

4 - “[...] 45% das meninas ser�o est�reis, ou seja, n�o poder�o conceber filhos”: Falso
Assim como no caso da esteriliza��o de homens, n�o h� qualquer evid�ncia que respalde essa afirma��o.
Outras publica��es compartilhadas afirmam que a raz�o pela qual as meninas ficariam est�reis � que a vacina formaria uma resposta imunol�gica contra a prote�na sincitina-1, “vital para a forma��o da placenta humana em mulheres”.
Os textos, j� verificados como falsos pela AFP Factual, assinalam que a prote�na “spike” do novo coronav�rus � “hom�loga � sincitina”, essencial para a “forma��o da placenta em mam�feros, como os humanos”, e que uma vacina��o contra o v�rus SARS-CoV-2 poderia causar “infertilidade de dura��o indefinida” nas mulheres.
A sincitina-1, de fato, � uma prote�na que contribui para a forma��o da placenta, explicou � AFP Witwer, mas descartou que a prote�na “spike” do SARS-CoV-2 e a sincitina-1 sejam id�nticas.
“A �nica semelhan�a entre a glicoprote�na sincitina-1 e a prote�na spike � que t�m uma fun��o original similar. A sincitina-1 serviu antigamente como prote�na de ‘fus�o’ para um v�rus, enquanto a spike � a prote�na de fus�o para o SARS-CoV-2. Aqui � onde termina a semelhan�a. As prote�nas de fus�o viral interagem com as prote�nas ‘receptoras’ das c�lulas hospedeira. E as prote�nas receptoras da sincitina-1 e a spike s�o completamente diferentes”, afirmou.
Witwer descartou que os anticorpos gerados contra o SARS-CoV-2 possam atuar sobre a sincitina-1, j� que as sincitinas e a prote�na spike t�m dois ou tr�s amino�cidos em comum, enquanto os anticorpos reconhecem sequ�ncias de cinco a 10 amino�cidos. “� muito pouco prov�vel que os anticorpos gerados contra o novo coronav�rus reconhe�am as sincitinas”, concluiu.
Consultado pela AFP, Fr�d�ric Altare, especialista em Imunidade do centro de pesquisa Inserm, na Fran�a, concorda: “N�o existe semelhan�a suficiente entre a sincitina-1 e a prote�na spike”.
Annette Beck-Sickinger, professora de Bioqu�mica e Qu�mica Biorg�nica da Universidade de Leipzig, na Alemanha, assinalou que “se o argumento da sincitina fosse correto, todas as mulheres infectadas com o v�rus teriam se tornado est�reis, mas n�o � assim”.
Todas as pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 “produziram anticorpos contra a prote�na spike e n�o h� ind�cios de que isso tenha impedido que as mulheres fiquem gr�vidas”, acrescentou Altare. “Se isso n�o ocorreu de forma natural com o v�rus, n�o h� raz�o para o ser com outra coisa”, finalizou.

O evento 201 e a covid-19
O texto viralizado ainda indica que a vacina��o seria a finaliza��o do projeto do “Evento 2001”. Embora n�o exista um evento com esse nome, houve um “Evento 201” realizado em outubro de 2019 com o apoio do Centro para a Seguran�a de Sa�de da Universidade Johns Hopkins, que foi co-organizado pelo F�rum Econ�mico Mundial e pela Funda��o Bill e Melinda Gates. Segundo detalhado em seu site, consistiu em uma simula��o de resposta a “pandemias graves” com a finalidade de “minimizar suas consequ�ncias econ�micas e sociais em grande escala”.
No in�cio de 2020, a AFP checou uma desinforma��o ligada ao “Evento 201”, segundo a qual Bill Gates, o F�rum Econ�mico Mundial e representantes da ind�stria farmac�utica teriam previsto a pandemia de covid-19.
Em comunicados � imprensa publicados durante o encontro, o Centro para a Seguran�a de Sa�de explicou que o Evento 201 era “um exerc�cio multim�dia de pandemia do qual participaram l�deres governamentais, da pol�tica, de sa�de p�blica e empresas globais que pertencem a ind�strias-chave na resposta a pandemias e para que as economias e as sociedades se mantenham ativas durante um surto intercontinental grave e de transmiss�o r�pida”.
E desmentiu que se tratasse de um tipo de previs�o: “Para esclarecer, o Centro para a Seguran�a de Sa�de e seus s�cios n�o fizeram uma previs�o durante o exerc�cio de simula��o. Para o cen�rio, desenhamos um modelo de pandemia de coronav�rus fict�cio, mas declaramos explicitamente que n�o se tratava de uma previs�o”.
As publica��es compartilhadas nas redes afirmam que as fases 1 e 2 consistiram em assustar e isolar os indiv�duos por um v�rus que matou menos do que a gripe de 2019, e para obrigar as pessoas a usarem m�scaras que privam do oxig�nio necess�rio para pulm�es e sangue.
No entanto, diferentemente do que � alegado, a covid-19 matou mais pessoas do que a gripe do ano anterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, calcula-se que 35,5 milh�es de pessoas tenham sido infectadas pelo influenza, com 34,2 mil mortes durante a temporada de gripe 2018/2019, de acordo com os CDC.
O novo coronav�rus, embora tenha menos casos comparativamente, 19 milh�es registrados, j� vitimou mais de 337 mil pessoas.
Sobre os supostos problemas causados pelas m�scaras, o Checamos j� publicou diversas verifica��es a respeito do tema (1, 2, 3, 4) e os especialistas indicaram em diferentes ocasi�es que as m�scaras n�o impedem a oxigena��o pulmonar ou levam o usu�rio a respirar os seus res�duos respirat�rios.
Em resumo, as afirma��es feitas em postagens nas redes sociais sobre supostos efeitos da vacina contra a covid-19 s�o falsas ou enganosas. N�o h� qualquer evid�ncia cient�fica que corrobore que os imunizantes esterilizariam os indiv�duos que os tomassem, ou que seriam capazes de modificar o c�digo gen�tico.
Esta verifica��o foi realizada com base em informa��es cient�ficas e oficiais sobre o novo coronav�rus dispon�veis na data desta publica��o.