
Nas grava��es compartilhadas no Facebook , YouTube e Twitter , pessoas reunidas em um ambiente com barracas de acampamento comemoram a suposta medida do mandat�rio. “Presidente acaba de decretar estado de s�tio no Brasil. Em primeira m�o a� pra todo mundo” , diz um homem em um dos v�deos, enquanto outras pessoas s�o ouvidas gritando ao fundo.
Em outra grava��o , que parece ter sido feita no mesmo local, um homem detalha que est� falando de Bras�lia e assegura: “O Ex�rcito acaba de tomar conta do nosso Brasil. Bolsonaro acaba de decretar estado de s�tio, agora foi” .
Os v�deos ganharam for�a nas redes na noite de 8 de setembro, um dia ap�s os atos pr�-governo convocados por Bolsonaro no feriado da Independ�ncia do Brasil.
Em discurso durante manifesta��o em Bras�lia, o mandat�rio disse que se reuniria no dia seguinte com o Conselho da Rep�blica, �rg�o de assessoramento que deve ser consultado para a declara��o de estado de s�tio.
No entanto, ap�s o pronunciamento do presidente, interlocutores do governo garantiram que Bolsonaro havia se “equivocado” . Em 8 de setembro, o mandat�rio se encontrou, na verdade, com o Conselho de Governo , que re�ne ministros para discutir a��es da gest�o federal.
Por�m, mesmo que o Conselho da Rep�blica tivesse sido convocado nessa data, isso n�o resultaria automaticamente na declara��o de estado de s�tio, segundo especialistas consultados pela AFP.
O que � o estado de s�tio?
Previsto pelo artigo 137 da Constitui��o , o estado de s�tio � uma das tr�s medidas excepcionais estabelecidas para “retomar a normalidade constitucional” quando h� um “desequil�brio moment�neo” , como resumiu ao Checamos o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio .
As outras duas medidas excepcionais s�o a interven��o federal e o estado de defesa. “A medida mais grave de todas � o estado de s�tio. Se eu comparar a rem�dios na farm�cia, eu diria que o estado de s�tio � aquela medica��o de tarja preta, que exige uma prescri��o m�dica especial”, exemplificou o especialista.
Por isso, durante a sua vig�ncia, “poder�o ser tomadas algumas medidas contra as pessoas que n�o podem ser tomadas fora do estado de s�tio por conta dos direitos fundamentais” , acrescentou Sampaio.
Entre essas a��es est�o, como detalhado na Constitui��o: “a obriga��o de perman�ncia em localidade determinada, a deten��o em edif�cio n�o destinado a acusados ou condenados por crimes comuns e restri��es relativas � inviolabilidade da correspond�ncia, ao sigilo das comunica��es, � presta��o de informa��es e � liberdade de imprensa” .
Durante o estado de s�tio tamb�m pode ser suspensa a liberdade de reuni�o e determinada a busca e apreens�o em domic�lio, a interven��o em empresas de servi�os p�blicos e a requisi��o de bens.
Wallace Corbo , professor de Direito Constitucional da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, explicou ao Checamos o efeito de um decreto desse tipo:
“A l�gica do estado de s�tio � uma l�gica de situa��o excepcional na vida do estado de direito, em que se permite excepcionalmente a restri��o a alguns direitos fundamentais, tudo com o objetivo espec�fico de superar aquela situa��o”.
Quando pode ser decretado?
Essa medida pode ser tomada em tr�s situa��es, como detalhado na Constitui��o: em resposta a uma “como��o grave de repercuss�o nacional” , em caso de declara��o de estado de guerra ou quando j� foi decretado o estado de defesa sem que tenham sido solucionadas as quest�es que desencadearam sua determina��o.
Para o professor Gustavo Sampaio, nenhuma dessas condi��es foi atingida atualmente. “N�s n�o temos nem grave como��o nacional para repercutir no sentido da decreta��o de estado de s�tio, e nem estado de defesa em curso que possa ser convertido em estado de s�tio. N�o temos nenhuma hip�tese material hoje de estado de s�tio em voga” , opinou.
Uma como��o grave pode ser, segundo Wallace Corbo, “algum cen�rio de comprometimento da ordem p�blica nacional, alguma grande cat�strofe da natureza, alguma situa��o clim�tica, natural ou n�o, algum atentado. Algo que efetivamente desregule a organiza��o da sociedade ”.
Como pode ser decretado?
Mesmo assim, se o presidente tivesse a inten��o de decretar estado de s�tio, ele n�o poderia t�-lo feito sozinho, como d�o a entender os v�deos compartilhados nas redes.
Primeiro, ele precisaria convocar tanto o Conselho da Rep�blica quanto o Conselho de Defesa Nacional para debater o tema, como determinado no artigo 137 da Constitui��o.
Esse primeiro �rg�o � formado pelo vice-presidente da Rep�blica, pelos presidentes da C�mara dos Deputados e do Senado, pelos l�deres da maioria e da minoria na C�mara e no Senado, pelo ministro da Justi�a e por seis cidad�os brasileiros natos com mais de 35 anos, sendo dois nomeados pelo presidente, dois pelo Senado e dois pela C�mara.
J� o segundo � composto pelo vice-presidente, pelos presidentes da C�mara dos Deputados e do Senado, e pelos ministros da Justi�a, da Defesa, das Rela��es Exteriores e do Planejamento, assim como pelos comandantes da Marinha, do Ex�rcito e da Aeron�utica.
Ap�s reuni�o, os conselhos emitem um parecer ao presidente recomendando, ou n�o, o pedido do estado de s�tio.
“Nesse caso, ele n�o � obrigado a seguir o parecer do conselho. Os conselhos podem at� emitir um parecer contr�rio e, ainda assim, o presidente decretar o estado de s�tio, porque os conselhos s�o meramente opinativos. Mas a Constitui��o diz que o presidente n�o pode decretar o estado de s�tio sem antes ouvir os conselhos” , explicou Gustavo Sampaio.
Apenas ap�s ouvir esses grupos, o presidente poderia encaminhar um pedido de declara��o de estado de s�tio ao Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela C�mara dos Deputados.
“E, no caso do Congresso Nacional, a autoriza��o � vinculante. Se o Congresso Nacional negar autoriza��o, o presidente n�o pode decretar estado de s�tio, sob pena de ter cometido crime de responsabilidade” , acrescentou o professor da UFF.
Ap�s a viraliza��o do conte�do, o AFP Checamos perguntou � assessoria de imprensa do Senado e da C�mara dos Deputados se os �rg�os haviam recebido um pedido para declara��o de estado de s�tio.
Em 9 de setembro, a C�mara negou a informa��o. No mesmo dia, a assessoria do Senado respondeu de forma semelhante, indicando que “nenhum pedido de autoriza��o de estado de s�tio foi recebido” .
O professor Wallace Corbo resumiu:
“Qualquer informa��o no sentido de que o presidente decretou estado de s�tio � uma informa��o falsa, porque a nossa Constitui��o n�o permite ao presidente por si s� decretar estado de s�tio”.
“O presidente da Rep�blica pode t�o somente solicitar ao Congresso Nacional uma autoriza��o para decretar estado de s�tio, e o Congresso Nacional vai permanecer em funcionamento, inclusive, para fiscalizar se esse estado de s�tio foi executado completamente pelo presidente” , finalizou.
Gustavo Sampaio destacou, por fim, que durante o estado de s�tio o presidente deve continuar respeitando os poderes Judici�rio e Legislativo, e que esse �ltimo pode, inclusive, suspender a medida se entender “que o presidente est� se excedendo, ou que o estado de s�tio n�o � mais necess�rio” .
“Mesmo em estado de s�tio, o presidente n�o � um monocrata absolutista que pode fazer tudo, ele encontrar� medidas limitadas” , acrescentou o professor de Direito da UFF.