Publica��es compartilhadas mais de 3.200 vezes nas redes sociais desde, pelo menos, 30 de junho de 2021, afirmam que ambientalistas passaram a usar o termo “mudan�as clim�ticas” no lugar de “aquecimento global” para justificar eventos de frio intenso como os que ocorreram na Ant�rtica e no Brasil.
Segundo as publica��es, tais epis�dios provariam que o aquecimento global n�o existe. Contudo, especialistas explicaram � AFP que, al�m de as express�es terem significados diferentes, epis�dios de frio recorde n�o significam que a temperatura m�dia do planeta n�o esteja aumentando.
“Entenderam porque mudaram de ‘aquecimento global’ para o vago e el�stico ‘mudan�as clim�ticas’, onde cabe tudo?!”
, questiona uma das mensagens compartilhadas no Twitter (
1
,
2
,
3
), que destacam a not�cia de que os �ltimos 6 meses na Ant�rtica foram os mais frios j� registrados. O conte�do tamb�m circulou no Facebook (
1
,
2
,
3
) e alega��es semelhantes foram compartilhadas em
ingl�s
e
espanhol
.

“Com o frio recorde no Brasil fica mais f�cil entender porque os malandros ambientalistas (ecoterroristas) mudaram o discurso de aquecimento global para mudan�as clim�ticas. Nessa nova express�o cabe simplesmente TUDO!” , diz outra afirma��o similar compartilhada no Twitter em junho passado e que tamb�m foi publicada no Facebook ( 1 , 2 , 3 ).
Mudan�as clim�ticas e aquecimento global
Diferentemente do que indicam as publica��es, os termos “mudan�a clim�tica” e “aquecimento global” s�o conceitos diferentes, ainda que relacionados.A ONG World Wide Fund for Nature (WWF) explica que o termo “aquecimento global” refere-se ao aumento da temperatura m�dia da camada de ar pr�xima � superf�cie da Terra e dos oceanos, o que pode ser consequ�ncia de causas naturais e atividades humanas - ligadas, principalmente, ao aumento das emiss�es de gases que causam o efeito estufa.
J� o conceito de “mudan�as clim�ticas” � mais amplo, e expressa como o aumento da temperatura m�dia da Terra interfere nas din�micas clim�ticas globais. Esse termo “evita que se interprete que esse aumento de temperatura se dar� de forma homog�nea em todas as partes do mundo e em todos os dias do ano” , explicou ao Checamos em 19 de outubro Marcelo Laterman , porta-voz de Clima e Justi�a do Greenpeace.
“Na verdade, o que ocorre � uma altera��o no sistema clim�tico como um todo, que � complexo, podendo gerar eventos extremos como ondas de calor em uma regi�o, o aumento de tempestades em outra, assim como secas mais intensas e frequentes ou at� mesmo eventos de frio intenso em algumas regi�es” , acrescentou.
Ainda segundo Laterman, por essa raz�o o termo “aquecimento global” vem sendo menos usado, j� que � comumente mal interpretado, ainda que n�o esteja errado. A confus�o entre os termos, explica o porta-voz, est� relacionada ao entendimento de dois conceitos distintos: clima e tempo. “Clima diz respeito a um padr�o geral de condi��es meteorol�gicas em um longo espa�o de tempo (30 anos por exemplo). J� o tempo, � aquele estado moment�neo das condi��es meteorol�gicas, o que sentimos no nosso dia-a-dia” , afirmou ao Checamos. E acrescentou:
"Assim, ainda que haja eventos meteorol�gicos de esfriamento em determinadas regi�es e per�odos, o aumento da temperatura m�dia global � uma evid�ncia cient�fica inequ�voca, como mostrou o �ltimo relat�rio do IPCC"
De fato, em agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas ( IPCC ) produziu um relat�rio sobre os impactos do aumento na temperatura do planeta. Segundo a publica��o, com um aquecimento global de 1,5°C acima dos n�veis pr�-industriais, limite estabelecido pelo Acordo de Paris , temperaturas extremamente altas t�m 4,1 vezes mais probabilidade de acontecer. J� a ocorr�ncia de precipita��es extremas ser�o 1,5 vezes mais prov�veis, e secas, duas vezes mais prov�veis.
O termo aquecimento global “n�o deixou de ser usado, nem poderia. A temperatura m�dia no planeta tem aumentado com velocidade assustadora” , acrescentou Suely Ara�jo , especialista s�nior em pol�ticas p�blicas do Observat�rio do Clima ao Checamos em 19 de outubro. “Ao longo dos anos, passou-se progressivamente a adotar tamb�m a express�o mudan�as clim�ticas, que reflete os efeitos do aquecimento global, que incluem altera��es no equil�brio clim�tico e aumento do n�mero de ocorr�ncias como ondas de calor e frio, crises h�dricas e seca, furac�es e outros eventos extremos” , disse.
Frio recorde na Ant�rtica
Em 5 de outubro, o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo dos Estados Unidos [NSIDC, na sigla em ingl�s] reportou que o inverno de 2021 na Ant�rtica, que ocorre entre junho e agosto no continente, foi o segundo mais frio j� registrado, “atr�s apenas do de 2004 nos registros de 60 anos na Esta��o do Polo Sul” .Isso n�o significa, por�m, que a mudan�a clim�tica n�o esteja ocorrendo, mesmo nos p�los. Cientistas consultados pela equipe de verifica��o da AFP concordam que os mantos de gelo na Ant�rtica continuar�o a derreter e aumentar o n�vel do mar.
Dados de sat�lites da Nasa mostram que os mantos de gelo terrestres na Ant�rtica e na Groenl�ndia v�m perdendo massa desde 2002.

“Os mantos de gelo da Groenl�ndia e da Ant�rtica est�o perdendo quantidades significativas de gelo terrestre como resultado do aquecimento global causado por a��o humana” , resume a ag�ncia espacial americana.
Peter Jacobs , cientista do clima que trabalha com Ci�ncia da Terra no Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa, afirmou � AFP que “com a f�sica b�sica, modelagem clim�tica e mudan�as no passado da Terra, n�s sabemos que o aumento dos gases de efeito estufa e do aquecimento derreter� o gelo da Ant�rtica e aumentar� o n�vel do mar” .
“De modo geral, o Polo Sul vem se aquecendo , e o aquecimento nas d�cadas recentes, na verdade, tem sido bastante r�pido como um resultado tanto das mudan�as clim�ticas causadas por humanos quanto de fatores naturais” , acrescentou.
Nana Karlsson , glaciologista e cientista s�nior no Servi�o Geol�gico da Dinamarca e Groenl�ndia (GEUS), em entrevista � AFP, concorda: “Os recentes recordes de temperatura na Ant�rtica s�o um evento de tempo, enquanto o aquecimento global a longo prazo que observamos � o clima” .
Alison Banwell , pesquisadora e glaciologista no Instituto Cooperativo para a Pesquisa em Ci�ncias Ambientais ( Cires ) dos Estados Unidos, disse � AFP que � n�tido que os humanos est�o conduzindo a atual tend�ncia de aquecimento global a longo prazo. “De modo geral, o clima da Terra, incluindo o da Ant�rtica, est� mostrando uma tend�ncia de aquecimento muito clara” , disse.
“� medida que o clima global � aquecido, eventos clim�ticos tamb�m se tornar�o mais extremos. Um bom exemplo desta variabilidade extrema foi este recente e excepcionalmente frio inverno na Ant�rtica” , Banwell agregou.
Um v�rtice polar forte � a causa prov�vel desse frio recorde, segundo Isabella Velicogna , que monitora a varia��o de massa de gelo na Ant�rtica para o Laborat�rio de Propuls�o a Jato da Nasa. O v�rtice � formado por ventos mais fortes do que o normal. “Isso mant�m o estoque de ar frio no p�lo” , explicou.
Samantha Buzzard , glaciologista e cientista do clima na Universidade de Cardiff em Gales, disse que “apesar de a Ant�rtica ter, de fato, vivenciado algumas temperaturas baixas neste ano, este evento �nico n�o significa que n�o devemos estar preocupados com as mudan�as clim�ticas e a perda de gelo das regi�es polares” .
“Um inverno frio em um continente n�o sugere que o planeta n�o est� esquentando” , afirmou.
A pesquisadora acrescentou que o inverno rigoroso de 2021 tamb�m deve ser colocado no contexto de v�rias d�cadas de tend�ncia clim�tica para entender o que est� ocorrendo na Ant�rtica, agregando tamb�m que, no ano de 2020, o continente tamb�m atingiu um recorde de calor .

“N�s absolutamente ainda devemos nos preocupar com a Ant�rtica" , disse Buzzard. “Aproximadamente 70% da �gua doce da Terra est� atualmente congelada na Ant�rtica e apenas uma pequena propor��o disso precisa derreter para que tenhamos aumentos ainda maiores no n�vel do mar com consequ�ncias potencialmente devastadoras em muitas localidades ao redor do mundo” , agregou.
Onda de frio no Brasil
Carlos Nobre, pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avan�ados ( IEA-USP ), explicou ao Checamos em 25 de outubro de 2021 que n�o existem d�vidas cient�ficas sobre a exist�ncia do aquecimento global. A respeito de ondas de frio causadas pelas mudan�as clim�ticas, afirmou:"O aquecimento global, ao perturbar circula��es atmosf�ricas, como o jato polar, permite que aconte�a raramente, mas podem ocorrer fen�menos que trazem o ar frio do p�lo para regi�es subtropicais, at� batendo recordes de temperaturas frias. Isso j� aconteceu v�rias vezes no Hemisf�rio Norte (...) e isso come�a a acontecer tamb�m no Hemisf�rio Sul"
“Essa onda de frio que tivemos [no Brasil] alguns meses atr�s, muito intensa - n�o foi nem um recorde de frio comparado com d�cadas atr�s, quando temperaturas bem menores que essas chegavam at� o Sudeste do Brasil - mas n�s vimos uma onda de frio muito forte. [...] Foi (...) um momento em que uma onda de frio conseguiu misturar esse ar mais frio que fica na Ant�rtida e esse ar veio da Ant�rtida para a Am�rica do Sul” , agregou.
Com o aquecimento global, o calor fica retido na baixa atmosfera e isso acaba induzindo a eventos extremos. “A atmosfera mais quente ret�m mais vapor de �gua da atmosfera e o vapor de �gua � o combust�vel para chuva, por isso h� tempestades muito severas e tamb�m [se] uma regi�o tem chuvas muito intensas, [isso] induz a secas em outras regi�es [e a] modifica��es da circula��o atmosf�rica” , exemplificou Nobre ao Checamos.
O pesquisador acrescentou, ainda, que o impacto do aquecimento global j� � sentido no Brasil sob a forma de secas hist�ricas, como as registradas em 2021 no Sudeste e Centro-Oeste, ondas de calor e recordes de inc�ndio florestais.