
“Manifesta��o do Dr. CIENTISTA Robert Malone, um dos cientistas que colaboraram com o desenvolvimento da t�cnica do RNA mensageiro, utilizada na vacina da Pfizer, lida em sua integralidade pela Ana Paula Henkel, no Pingo nos Is. Por favor, Srs Pais, Srs. Av�s, Srs. Tios: Assistam”, diz a legenda de uma das publica��es, compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), Instagram (1, 2), Twitter (1, 2) e YouTube (1, 2).
O v�deo viralizado, com pouco mais de quatro minutos, � um trecho do programa que foi ao ar em 17 de dezembro de 2021 no canal do YouTube do programa “Os Pingos nos Is”, quando Ana Paula Henkel cita a fala do m�dico norte-americano Robert Malone, cuja grava��o tamb�m viralizou nas redes sociais.
Henkel assinala que Malone � “inventor da t�cnica vacinal do RNA mensageiro”, como o pr�prio m�dico descreve em seu perfil no Twitter.
Embora sua pesquisa no final dos anos 1980 tenha contribu�do para o desenvolvimento das vacinas de mRNA, tecnologia usada nos imunizantes contra a covid-19 da Moderna e da Pfizer-BioNtech, muitos outros especialistas estiveram envolvidos nesse processo por v�rias d�cadas.
Algumas das alega��es expostas por Malone, e repetidas por Ana Paula Henkel, carecem de fundamento ou contexto, segundo especialistas consultados pela AFP.
1. As prote�nas “spike” s�o “t�xicas” e “costumam causar danos permanentes a �rg�os cr�ticos em crian�as”: Sem fundamento
Desde o in�cio das campanhas de vacina��o a prote�na spike ou “S” tem sido alvo de in�meros rumores sobre sua alegada periculosidade ou viralidade, desinforma��o j� verificada pela AFP em diversas ocasi�es (1, 2, 3).
Localizada na superf�cie do SARS-CoV-2, a prote�na spike permite a ades�o e a entrada do v�rus nas c�lulas humanas para infect�-las, al�m de lhe dar o formato caracter�stico de coroa. Esse elemento � essencial no funcionamento das vacinas de mRNA, que n�o cont�m a prote�na em si, mas um manual gen�tico para que ela seja gerada pelo organismo e, assim, possa se proteger ao se deparar com o coronav�rus.
“O mRNA entra pelas c�lulas musculares e instrui o mecanismo celular a produzir uma por��o inofensiva de algo chamado prote�na S. (...) Uma vez que o corpo fabrica a por��o da prote�na, nossas c�lulas quebram o mRNA e o eliminam”, explicam os Centros de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos em seu site, em texto atualizado em 4 de janeiro de 2022.
A teoria de que uma prote�na spike vacinal poderia ser perigosa foi desmentida por v�rios especialistas nesta verifica��o da AFP em junho de 2021.
Daniel Dunia, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Cient�fica da Fran�a (CNRS), explicou � AFP em 9 de dezembro de 2021 que “a vacina de RNA mensageiro � injetada localmente no m�sculo, e a express�o da prote�na spike � limitada �s c�lulas que ela inicialmente almeja para desencadear a resposta imune. O mRNA � inst�vel e se degrada rapidamente”.
Em sua recomenda��o � amplia��o do uso da vacina da Pfizer em crian�as de 5 a 11 anos, a Ag�ncia Europeia de Medicamentos (EMA), em novembro de 2021, indica que o imunizante pode ter efeitos adversos em pessoas dessa faixa et�ria, embora leves, mas n�o menciona envolvimento de �rg�os cr�ticos.
Em uma se��o de “Mitos e Fatos” sobre a vacina��o contra a covid-19 em crian�as, os CDC apontam para a seguran�a da imuniza��o: “Em ensaios cl�nicos da vacina contra a covid-19 que foram realizados com milhares de crian�as n�o foram identificados casos graves de p�s-vacina��o, problemas de seguran�a e os efeitos colaterais foram leves e n�o duradouros. Algumas crian�as n�o ter�o efeitos colaterais e efeitos colaterais graves s�o pouco frequentes”.
“N�o h� absolutamente nenhuma evid�ncia de que a prote�na spike possa causar danos permanentes a �rg�os vitais de crian�as”, disse � AFP em dezembro de 2021 Deborah Greenhouse, integrante da Academia Americana de Pediatria.
Alexandra Yonts, especializada em doen�as infecciosas pedi�tricas no Children’s National Hospital em Washington D.C., afirmou na mesma data que os dados mostram que a covid-19 poderia causar os problemas listados por Malone, mas n�o as vacinas de mRNA.
2. “Voc� n�o pode reparar um sistema imunol�gico redefinido geneticamente”: Sem fundamento
No v�deo, Henkel tamb�m cita uma fala de Malone de que n�o � poss�vel “reparar um sistema imunol�gico redefinido geneticamente”. Mas essa analogia entre vacina��o e terapia g�nica � contestada por acad�micos. Especialistas consultados pela AFP lembraram que, ao contr�rio de certas terapias gen�ticas, as vacinas contra a covid-19 n�o t�m a capacidade de modificar o DNA humano.
“O objetivo da terapia g�nica � claramente modificar o DNA para reparar um gene defeituoso. O vetor, seja um adenov�rus ou um retrov�rus, permitir� a integra��o no genoma de um gene normal n�o mutado, o que permitir� o reparo da fun��o defeituosa”, algo que n�o acontece com os imunizantes contra o SARS-CoV-2 de mRNA, explicou � AFP em agosto de 2021 Thierry Walzer, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Sa�de e Pesquisa M�dica (Inserm), ligado ao Centro Internacional de Pesquisa em Doen�as Infecciosas de Lyon, na Fran�a.
Al�m disso, o RNA mensageiro � muito fr�gil para integrar o n�cleo da c�lula e modificar o genoma: “Com essas vacinas trazemos uma mol�cula de RNA que far� com que as c�lulas do sistema imunol�gico produzam a prote�na spike do v�rus de forma muito transit�ria, o que far� com que os linf�citos reajam, mas esse RNA n�o persiste e n�o permanece no corpo”, disse tamb�m � AFP, em agosto passado, Anne Galy, diretora do laborat�rio p�blico de pesquisas tecnol�gicas em terapia gen�mica do Inserm.
3. “Esta vacina pode causar danos reprodutivos”: Sem provas
A alega��o de que as vacinas prejudicam o aparelho reprodutor ou causam infertilidade, por afetar a prote�na conhecida como sincitina, envolvida no desenvolvimento da placenta, circula com frequ�ncia nas redes sociais. No entanto, isso n�o tem base cient�fica. O risco de o organismo “perder” essas capacidades � inexistente, explicaram v�rios especialistas � AFP neste artigo em espanhol de dezembro de 2020.
Um estudo no qual a vacina da Pfizer, que usa a tecnologia do mRNA, foi administrada em animais antes e durante a gravidez n�o encontrou efeitos adversos relacionados ao imunizante na fertilidade e no desenvolvimento fetal, explica a fabricante em seu site.
Outro estudo, publicado em abril de 2021 no New England Journal of Medicine, avaliou 35.691 mulheres gr�vidas que haviam recebido a vacina e “n�o mostrou nenhum risco particular” para a sa�de das participantes.
Em julho de 2021, o Minist�rio da Sa�de recomendou que gestantes sem comorbidades a partir de 18 anos e pu�rperas deveriam ser imunizadas contra a covid-19. Naquele momento os dados indicavam que a letalidade da doen�a no Brasil em gr�vidas era de cerca de 10%, enquanto na popula��o em geral essa taxa estava em 2%.
No mesmo sentido se manifestou em 8 de setembro de 2021 a diretora da Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas), j� que at� ent�o mais de 270 mil gestantes haviam contra�do a covid-19 nas Am�ricas e mais de 2,6 mil haviam falecido em decorr�ncia do SARS-CoV-2.
Afirma��es sobre os danos do imunizante circularam igualmente relacionadas ao sistema reprodutivo masculino e tamb�m n�o t�m fundamento. “A vacina de RNA permanece localmente, n�o vai se espalhar por todos os lados em seus test�culos, que s�o um santu�rio imunol�gico. E nunca vacinamos ningu�m nos test�culos”, disse � AFP o professor Jean-Daniel Leli�vre, imunologista do Henri Mondor Hospital de Cr�teil, na Fran�a, em 16 de mar�o de 2021.
O Checamos j� verificou outras alega��es (1, 2) semelhantes.
4. “Essa nova tecnologia [mRNA] n�o foi testada de forma adequada”: Sem fundamento
As vacinas contra o SARS-CoV-2 que utilizam o mRNA, citadas por Henkel a partir da fala de Malone, s�o as desenvolvidas pela Pfizer-BioNTech e pela Moderna.
De acordo com a Academia Francesa de Medicina, a tecnologia de RNA mensageiro n�o � algo “novo”, pois “cientistas e industriais [a] desenvolveram e [a] melhoraram por mais de 30 anos” e ela “demonstrou ser muito eficaz para a vacina��o contra o SARS-CoV-2”.
Os resultados da fase 3 - a �ltima - dos ensaios cl�nicos feitos com milhares de volunt�rios foram publicados em dezembro de 2020 para ambos imunizantes (1, 2), mas podem ser atualizados dependendo das autoriza��es, inicialmente emergenciais, recebidas de ag�ncias de sa�de locais.
Como parte desse procedimento emergencial, a Ag�ncia Europeia de Medicamentos (1, 2) deu o seu aval por um ano renov�vel e destacou que as vacinas contra a covid-19 s� podem ser autorizadas na Europa se “cumprirem todos os requisitos de qualidade, seguran�a e efic�cia definidos na legisla��o farmac�utica da Uni�o Europeia”.
Segundo informa��es publicadas no site da biblioteca da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health em outubro de 2021, as vacinas de mRNA foram descobertas no in�cio dos anos 1960 e as pesquisas para descobrir como ele poderia ser levado �s c�lulas ocorreram nos anos 1970.
Nos Estados Unidos, a regularidade de certos ensaios cl�nicos da vacina da Pfizer foi contestada em novembro de 2021 por uma ex-funcion�ria da Ventavia, uma empresa terceirizada para conduzir uma pequena parte dessas an�lises em nome da gigante farmac�utica. Segundo a ex-funcion�ria, ocorreram viola��es durante alguns desses exames.
No entanto, essa empresa testou somente mil pessoas, enquanto a vacina, no total, foi avaliada em cerca de 44 mil pacientes em todo o mundo. Ap�s essas acusa��es, as autoridades da Ag�ncia de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) reiteraram a sua “total confian�a nos dados que deram suporte � autoriza��o da vacina Pfizer-BioNTech”.
No Brasil, apenas a vacina de RNA mensageiro da Pfizer-BioNTech est� sendo utilizada e seu registro definitivo foi concedido pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) em 23 de fevereiro de 2021.
5. “Precisamos de, pelo menos, cinco anos de testes” para avaliar os riscos do mRNA e “os riscos de novos medicamentos costumam ser revelados muitos anos depois”: Sem fundamento
At� o momento, os dados cient�ficos n�o sustentam essas duas afirma��es.
Como indicado anteriormente, a Academia Francesa de Medicina indica que a tecnologia de RNA mensageiro tem sido desenvolvida e aperfei�oada por mais de tr�s d�cadas.
Al�m disso, as vacinas autorizadas para o combate � covid-19 s�o, como qualquer novo medicamento, submetidas a uma fase de farmacovigil�ncia para o controle de seus efeitos colaterais por organiza��es como a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e a Anvisa.
Em janeiro de 2022, a ag�ncia brasileira reafirmou ao Checamos que “todas as vacinas � disposi��o no Brasil, e at� hoje aprovadas para uso pela popula��o, passaram pela an�lise t�cnica da ag�ncia, com total garantia pelo �rg�o de que possuem seguran�a, qualidade e efic�cia”.

6. “N�o h� benef�cio para seus filhos ou para sua fam�lia em vacinar seus filhos contra os pequenos riscos do v�rus”: Enganoso
Essa afirma��o feita por Malone ignora os casos graves aos quais algumas crian�as podem estar expostas e � refutada por Jean-Daniel Leli�vre: “A crian�a tem um lugar especial na infec��o de covid-19, que � muito menos grave que a do adulto, mas n�o � nula”, explicou � AFP em 20 de dezembro de 2021.
“N�o podemos dizer que as crian�as n�o representam um reservat�rio e que n�o h� risco, mesmo que esse risco seja muito inferior ao dos adultos”, acrescentou.
“Do ponto de vista individual, sabemos que h� crian�as muito expostas a formas graves, principalmente quando o sistema imunol�gico est� falhando, quando h� patologias cr�nicas de base, quando est�o imunossuprimidas”, explicou Vincent Mar�chal, pesquisador em virologia na Universidade de Paris-Sorbonne.
Em um comunicado de 24 de novembro de 2021, a OMS destacou que apesar de haver proporcionalmente menos infec��es sintom�ticas e casos graves da doen�a em crian�as e adolescentes, eles podem apresentar sintomas prolongados e at� sequelas. Uma delas seria a s�ndrome inflamat�ria multissist�mica (SIM-C) que, “embora rara, tem sido relatada em todo o mundo e dificulta a recupera��o”.
Em 16 de dezembro de 2021, a Anvisa aprovou a vacina��o de crian�as entre 5 e 11 anos com o imunizante da Pfizer, e a imuniza��o foi autorizada pelo governo em 5 de janeiro de 2022. A vacina��o de crian�as no Brasil come�ou no �ltimo dia 14 de janeiro, em S�o Paulo.
Em 20 de janeiro, a ag�ncia ampliou o uso da CoronaVac para crian�as e adolescentes de 6 a 17 anos.
Esta verifica��o foi realizada com base em informa��es cient�ficas e oficiais sobre o novo coronav�rus dispon�veis na data desta publica��o.