
� uma catedral. Uma casa. Um pr�dio. Um pal�cio. Um minist�rio. Uma igreja. Um complexo administrativo. Um Congresso Nacional. Em 27 pa�ses e em 124 cidades. Oscar Niemeyer est� mais pr�ximo da onipresen�a do que qualquer outro arquiteto. � dentro de suas obras, monumentais ou intimistas, que pessoas trabalham, pedem a Deus, dormem e decidem. Mesmo quem nunca explorou os espa�os, por trabalho ou por lazer, dificilmente v� com indiferen�a as inven��es do homem que hoje completa 104 anos. Desde a d�cada de 1930, quando Niemeyer executou os primeiros projetos, ele entusiasma gera��es e agrega f�s e cr�ticos de todas as partes do mundo.
O Correio entrevistou brasilienses que t�m rela��o com o arquiteto ou com a sua obra. Se h� contesta��o sobre a est�tica de um projeto ou a funcionalidade de um pr�dio, quase n�o t�m voz os que negam a posi��o de Niemeyer na hist�ria da arquitetura e da relev�ncia da contribui��o dele ao Brasil. A Bras�lia, ent�o, nem se fala. “O Oscar conduziu os principais momentos da arquitetura brasileira nos �ltimos anos e esteve em todos os momentos hist�ricos do pa�s. Ele e as suas obras, definitivamente, v�o ficar na hist�ria”, afirma Andrey Schlee, diretor de Patrim�nio Material e Fiscaliza��o do Instituto de Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan).
Avesso a exageros, n�o � de hoje que Niemeyer evita homenagens pomposas. Em 1987, quando completou 80 anos, dispensou vir a Bras�lia para a festa que aqui se preparava. Explicou, em carta ao ent�o governador do DF, Jos� Aparecido de Oliveira, que desejava passar o anivers�rio “em completo anonimato. Data que, a meu ver, n�o deve entusiasmar ningu�m”. Aos 104 anos, ele diz que quer ser lembrado como um homem qualquer. Esse, talvez, seja o principal desafio dele.

De f� a estudioso
Aos 48 anos, Andrey Schlee j� foi f�, estudioso e hoje � o respons�vel pela conserva��o de algumas das mais importantes edifica��es de Oscar Niemeyer. Ele � o diretor do Departamento do Patrim�nio Material e Fiscaliza��o do Instituto de Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan). A for�a dos tra�os do Cassino da Pampulha, em Belo Horizonte, e da Casa das Canoas, no Rio de Janeiro, contribuiu para que Schlee escolhesse a arquitetura como profiss�o.
Ele tem aquele que deve ser o mais autografado dos livros de Oscar Niemeyer. Uma mescla de azar e sorte colocou o exemplar de Rio — De prov�ncia a metr�pole, de 1980, nas m�os do ent�o estudante de arquitetura de Pelotas (RS). Schlee fora ao Rio de Janeiro para o segundo encontro com o arquiteto e perguntou a algum funcion�rio do escrit�rio se poderia comprar a obra. “Est� esgotado”, responderam. “Restou apenas um, no qual o Oscar treinou a assinatura.” O estudante n�o poderia pedir nada melhor.

Os anos 1980 foram particularmente dif�ceis para Niemeyer. � poss�vel que tenha sido o per�odo de menor prest�gio no cen�rio nacional. Em faculdades de todo o pa�s, as suas obras ficaram �s margens dos programas de estudos.
Schlee explorou os trabalhos de Niemeyer sozinho. Com alguns colegas de curso, arriscou uma ida ao Rio para encontrar o mestre. Convencida com a ajuda de uma caixa de chocolates, a secret�ria marcou um encontro entre o chefe e os jovens. “Ele nos recebeu, perguntou o que and�vamos lendo, mostrou uma preocupa��o grande com a leitura. Perdeu um tempo enorme para receber os estudantes”, relembra.
Ao longo da vida, os dois se encontraram outras vezes. Schlee passou de f� a estudioso. Para ter mais acesso ao maior conjunto de obras do arquiteto, ele se mudou para Bras�lia em 2003. “Honestidade acad�mica”, justifica. Na capital, deu aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Bras�lia (UnB) e, ao contr�rio da �poca de aluno, hoje em dia muito se fala de Niemeyer nas escolas.
Ao lado de 40 estudantes, ele teve outro encontro memor�vel com Niemeyer no Rio de Janeiro, para uma aula. Schlee pediu aos estudantes que evitassem tietagem, pedir aut�grafos e tirar fotografias, conselho n�o seguido por ele pr�prio. A foto da reuni�o fica na mesa de trabalho. “Assim como outros g�nios, ele n�o acerta sempre. Mas ele esteve nos momentos mais importantes da hist�ria recente do Brasil. Voc� pode n�o gostar dele ou da arquitetura dele, mas tem que respeit�-lo”, acredita.
A quadra de Oscar
A Superquadra Sul (SQS) 107 foi inteiramente projetada por Oscar Niemeyer e, assim como a SQS 108, deveria servir de modelo para as demais quadras. Num apartamento do Bloco H, mora o arquiteto Marcelo Savio, 38 anos. O pr�dio conserva parte do acabamento original, marcado pelo m�rmore branco e o cobog� (elemento vazado). Um ou outro granito preto ladeando a porta do elevador parece um intruso no mundo concebido por Oscar. As janelas s�o amplas, ideais para a entrada de luz e ventila��o. O mundo visto por elas � carpetado pela copa das �rvores da quadra, como Niemeyer planejou. Savio escolheu o apartamento e a profiss�o por causa da admira��o pelo mestre.

Filho de militar, Savio morou em v�rias regi�es do Brasil. Em S�o Paulo, em Minas Gerais e no DF ou ele viveu em uma casa projetada por Oscar, ou tinha uma de suas constru��es � vista. Quando ele tinha 8 anos, o pai foi transferido para o Departamento de Ci�ncia e Tecnologia Aeroespacial, em S�o Jos� dos Campos (SP). “Todos os pr�dios eram dele, inclusive a casa em que a gente morou. Me lembro dos v�os amplos. Da garagem, voc� conseguia ver at� a cozinha. Aquilo j� me impressionava. Era como se eu estivesse em um grande c�mpus da UnB”, conta.
Alguns anos depois, a fam�lia aportou em Belo Horizonte. A casa era em frente ao Cassino da Pampulha. Engenheiro, o pai de Savio trabalhava na constru��o do Aeroporto de Confins, desenhado por Milton Ramos, arquiteto parceiro de Niemeyer em obras memor�veis de Bras�lia, como o Pal�cio do Itamaraty.
Um tempo depois, veio a mudan�a para Bras�lia. Ele decidiu cursar arquitetura na UnB, cujo departamento havia sido fundado por Niemeyer. Ao longo da faculdade e da vida adulta, fez trabalhos sobre o artista, conseguiu c�pias das plantas, edi��es especiais de revistas sobre Bras�lia e conheceu o arquiteto, em uma palestra. As li��es que mais guarda s�o a limpeza e a economia de tra�os de Niemeyer. Ele gostaria de ver as obras do mestre respeitadas e restauradas conforme o original. “� uma falha de interpreta��o, de educa��o. Em Berlim, um pr�dio dos anos 1930 desenhado por um arquiteto da Bauhaus, bem-conservado, vale tr�s vezes mais do que um constantemente modificado, como o que acontece no Brasil”, critica.
Aulas sobre o cosmo
Se Silvestre Gorgulho, 65 anos, tivesse de descrever a amizade que tem com Oscar Niemeyer em poucas palavras, uma delas provavelmente seria honra. Ele a utiliza com frequ�ncia para falar sobre o amigo. Os dois se conheceram na d�cada de 1970, quando Gorgulho era secret�rio de Comunica��o do governo de Jos� Aparecido de Oliveira. Niemeyer tinha uma sala ao lado da dele. N�o era raro que todos almo�assem juntos no Pal�cio do Buriti. “Nessa �poca, sa�ram projetos importantes, como o Pante�o da P�tria e o Museu do �ndio”, relembra Gorgulho.

O jeito simples e bem-humorado de Niemeyer — exceto se algu�m elogiasse os Estados Unidos — contribu�ram para que eles se tornassem grandes amigos. O retorno de Oscar para o Rio n�o afetou os la�os afetivos. Pelo menos uma vez por ano, Gorgulho vai ao Rio visitar o amigo. Eles falam com assiduidade por telefone. O ex-secret�rio �, na verdade, um dos principais portos seguros de Niemeyer em Bras�lia. At� hoje, por exemplo, o t�tulo de eleitor de Niemeyer est� com Gorgulho.
“Para mim, � um privil�gio estar ao lado dele. Tem gente que o critica por ele estar com 104 e ainda desenhar e pensar em novos projetos. Mas ele � de uma lucidez incr�vel. Todas as ter�as-feiras, ele fica at� as 21h no escrit�rio para ter aulas com um f�sico que o ensina sobre o cosmo. Ver um homem de 104 anos se propor a isso � incr�vel”, defende.
"� uma paz trabalhar aqui"
Jennifer Assis de Oliveira trabalha h� pouco menos de um ano no ponto tur�stico mais visitado de Bras�lia. A Catedral Metropolitana de Bras�lia re�ne f�, beleza e projeto assinado por Oscar Niemeyer. O arquiteto sabia, desde a constru��o da cidade, que a nova capital deveria ter uma catedral singular. Ao desafio, ele respondeu com elegante e surpreendente simplicidade. O conjunto da obra completou-se com os vitrais de Marianne Peretti e com os anjos de Alfredo Ceschiatti.
Antes de ser contratada como secret�ria, h� muitos anos Jennifer n�o entrava no espa�o religioso. Hoje, o esplendor � o local de trabalho. A miss�o � receber turistas, organizar a agenda dos padres e dos casamentos. A Catedral � uma das igrejas mais disputadas pelas noivas. “Um dia antes de abrir a agenda, elas dormem na porta”, conta. O motivo de tanta procura, sup�e Jennifer, � a relev�ncia do espa�o.

Todos os dias, ela v� a express�o de fasc�nio dos turistas. “Eles se espantam com tamanha beleza.” Um h�bito comum entre os visitantes � testar a ac�stica da igreja. “Mal entram, j� v�o falar com a parede para ver se o outro que est� do lado de l� escuta”, descreve. Antes de ser contratada, Jennifer, 21 anos, estava desempregada. Agora, ela quer ficar l� por muitos anos. “� uma paz trabalhar aqui”, explica. A observa��o que ela e muitos visitantes fazem � de ordem funcional. Os banheiros s�o pequenos, as salas, um tanto escuras e mal ventiladas. “V�o reformar. Mas tem que preservar o original. � bonito demais.”
