
“Gostaria de ser lembrado como um cidad�o brasileiro bastante simples, sempre dedicado ao seu trabalho e � busca da beleza — da surpresa arquitetural —, mas, invariavelmente, atento a este mundo injusto que devemos transformar”, explicou, em entrevista ao Correio.
Ele imprime esse desejo na rotina. Comemorando 104 anos nesta quinta-feira, Niemeyer mant�m um cotidiano que em nada lembra o estrelato: d� expediente de segunda a sexta-feira em seu escrit�rio, janta sempre no restaurante favorito com os amigos, celebra a vida com a fam�lia e produz incansavelmente.
A idade n�o comprometeu a genialidade, nem consumiu a capacidade criadora do arquiteto que assina a maioria dos monumentos de Bras�lia, al�m de obras espalhadas em 27 pa�ses. Para ele, estar l�cido e produtivo � o grande desafio. A sa�de de Niemeyer mant�m-se est�vel, apesar da vis�o comprometida e da locomo��o dif�cil. As caminhadas por Copacabana, um dos prazeres de outrora, foram substitu�das por outras atividades.
Mas o arquiteto n�o abre m�o do prazer de encontrar pessoas interessantes e debater assuntos variados, que v�o da f�sica � pol�tica, passando, claro, pela arquitetura. “� evidente que tenho conseguido driblar algumas limita��es. Ainda disponho de boa sa�de e de um entusiasmo quase juvenil pela cria��o arquitetural e isso me anima muito”, revelou Oscar.
Quais s�o os grandes desafios e a quais projetos se dedica prioritariamente?
Os meus desafios principais: conservar-me sempre l�cido e preservar a minha intui��o criadora para continuar a elaborar os meus projetos, de um lado, e levar adiante a revista de cultura Nosso Caminho, editada por mim e pela Vera, minha querida mulher. Tenho me dedicado mais, no presente momento, ao projeto de uma grande biblioteca na Arg�lia e ao de um centro administrativo destinado a uma importante capital brasileira.
O que o arquiteto Oscar Niemeyer ainda n�o fez? Que surpresas e curvas ainda devem surgir de suas pranchetas?
Um monte de coisas. N�o faltam ideias para novos projetos, como o de um moderno est�dio de futebol que, a bem da verdade, j� desenhei. Dever�o surgir certamente mais solu��es surpreendentes e novas curvas aparecer�o, espero eu, agradando �queles que se entusiasmam por uma arquitetura que explora as potencialidades do concreto armado.
Ainda se sente estimulado a criar algo completamente novo e revolucion�rio?
Com certeza.
Como � o seu dia a dia atualmente? Ainda trabalha diariamente em seu escrit�rio, em Copacabana?
Pela manh�, procuro, em meu apartamento, ler um pouco e organizar melhor, com o apoio inestim�vel da Vera, a minha agenda. Chego, todos os dias, ao meu escrit�rio de Copacabana no in�cio da tarde. E a� permane�o at� as 19h, pelo menos. Volto, logo em seguida, para casa ou me dirijo ao restaurante onde gosto de me reunir com os amigos uma ou outra noite. Agrada-me muito manter as velhas e as novas amizades.
Aos 104 anos, do que e de quem sente mais falta? E quais s�o as grandes limita��es de atingir essa idade?
Com certeza, da companhia de muitos parentes e amigos que j� se foram — em particular, dos meus pais e de meus cinco irm�os. � evidente que tenho conseguido driblar algumas limita��es. Ainda disponho de boa sa�de e de um entusiasmo quase juvenil pela cria��o arquitetural e isso me anima muito.
Qual arquiteto contempor�neo mais o surpreende, no Brasil e no mundo? Alguma obra da arquitetura recente chamou sua aten��o?
Estou bastante ciente da exist�ncia de arquitetos talentosos no Brasil e no exterior. Prefiro, contudo, n�o responder mais pontualmente �s quest�es que voc�s do Correio Braziliense me prop�em, para evitar certo tipo de pol�mica...
Como o senhor gostaria de ser lembrado na hist�ria da arquitetura e na do Brasil? Muitos o classificam como o mais importante artista brasileiro vivo. Qual a sua opini�o sobre esse “t�tulo”?
� evidente que n�o partilho dessa opini�o. Acho que h� muito exagero nisso, embora reconhe�a o enorme apre�o que os brasileiros manifestam em rela��o �s obras que realizei. Gostaria de ser lembrado como um cidad�o brasileiro bastante simples, sempre dedicado ao seu trabalho e � busca da beleza — da surpresa arquitetural —, mas, invariavelmente, atento a este mundo injusto que devemos transformar.
A experi�ncia com novos materiais tecnol�gicos n�o o atrai?
Estou sempre aberto �s inova��es. Tenho consci�ncia de que a arquitetura evolui em raz�o do progresso social e do progresso propriamente t�cnico. Nestes tempos, ele se faz cada vez mais intenso e vis�vel, e os arquitetos t�m de responder a esse quadro de maneira inventiva e l�cida.
H� dois anos, o senhor se envolveu na pol�mica sobre a cria��o da Pra�a da Soberania, em Bras�lia. Ainda guarda algum ressentimento desse epis�dio?
N�o guardei nenhum ressentimento. Tenho mais lembran�as (e isso me agrada) do apoio incomensur�vel que recebi de colegas arquitetos e de outros amigos. E este se materializou num n�mero da revista Nosso Caminho que editamos � �poca da discuss�o.
Como o senhor tem se envolvido com a pol�mica em torno do Centro Niemeyer, em Avil�s, que foi fechado recentemente?
� claro que lamento tal decis�o. Esse centro cultural que leva o meu nome em raz�o da generosidade dos meus amigos espanh�is � um projeto que me agrada muito e marca o n�vel de apuro dessa arquitetura mais livre e leve que cultivo h� tantas d�cadas. Corresponde a um espa�o bem concebido para o di�logo entre as diferentes artes e a cria��o arquitetural, que vem despertando o interesse do p�blico que o visitava. Espero que a situa��o de dificuldade enfrentada na Espanha seja em breve superada.