Bras�lia – O Supremo Tribunal Federal (STF) est� a um voto de selar a descriminaliza��o do aborto de fetos anenc�falos. A decis�o dever� ser referendada hoje, a partir das 14h, quando ser� retomado o julgamento sobre a possibilidade de antecipa��o terap�utica do parto de fetos com m�-forma��o cerebral. O placar parcial � de cinco a um. Quatro ministros ainda t�m direito a voto, sendo que dois deles – Ayres Britto e Celso de Mello – j� manifestaram em julgamentos anteriores posi��es favor�veis � interrup��o da gravidez no caso de anencefalia.
Relator do processo, o ministro Marco Aur�lio Mello fez um longo voto, de duas horas e quarenta minutos, no qual sustentou que n�o h� cura ou chance de sobreviv�ncia para um feto com anencefalia. “O anenc�falo � um natimorto cerebral. Jamais se tornar� uma pessoa. Em s�ntese, n�o se cuida de vida em potencial, mas da morte segura. Resistem muito pouco tempo fora do �tero”, disse o magistrado.
Marco Aur�lio acrescentou que a n�o interrup��o da gravidez de fetos anenc�falos configura um “alto risco” para a sa�de da mulher. Antes de se manifestar sobre o tema central do julgamento, o relator observou que o Estado � laico e que, por isso, n�o pode promover a vontade de qualquer religi�o. “O Estado n�o � religioso, tampouco ateu. O Estado � simplesmente neutro”, frisou.
Em plen�rio, os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e C�rmen L�cia seguiram o voto do relator. Rosa defendeu o direito de prote��o � vida da mulher. Para ela, a interrup��o da gravidez de fetos com m�-forma��o cerebral n�o configura viola��o ao C�digo Penal, que estabelece a proibi��o do aborto.
Em voto resumido, mas enf�tico, C�rmen alertou que o Supremo n�o est� debatendo o aborto. “O que estamos deliberando � sobre a possibilidade jur�dica de uma pessoa gr�vida de um feto anenc�falo decidir por continuar ou n�o a gravidez”, observou. Ela avalia que cabe � mulher optar por manter a gesta��o.
Luiz Fux considera que n�o � justo acusar de crime uma mulher que antecipa o parto de um feto com anencefalia. Ele citou que 98% dos anenc�falos morrem nas primeiras horas ap�s o parto. Marco Aur�lio, por sua vez, alertou que 200 mil curetagens s�o feitas anualmente no Brasil como consequ�ncia de abortos malfeitos.
�nico a votar contra o aborto de anenc�falos, Ricardo Lewandowski ponderou que o tema s� poderia ser regulado por lei aprovada pelo Congresso. Segundo o ministro, o legislador isentou de pena apenas duas hip�teses de aborto: quando h� perigo comprovado de vida para a mulher e em casos de estupro.
Anencefalia
� uma grave m�-forma��o fetal que resulta da falha de fechamento do tubo neural (a estrutura que d� origem ao c�rebro e � medula espinhal), levando � aus�ncia de c�rebro, calota craniana e couro cabeludo. A jun��o desses problemas impede qualquer possibilidade de o beb� sobreviver, mesmo se chegar a nascer. Estimativas m�dicas apontam para uma incid�ncia de aproximadamente um caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. De acordo com a Federa��o Brasileira das Associa��es de Ginecologia e Obstetr�cia (Febrasgo), pelo menos metade dos fetos anenc�falos apresenta parada dos batimentos card�acos fetais antes mesmo do parto, morrendo dentro do �tero. O diagn�stico � dado pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em at� tr�s meses de gesta��o.
Entenda a quest�o
De acordo com o C�digo Penal, o aborto � crime, exceto quando � comprovado estupro ou risco de morte da m�e. Como o texto n�o trata de anencefalia, h� anos ju�zes e tribunais t�m decidido caso a caso sobre a interrup��o da gravidez, em muitos deles concedendo os pedidos. Em outros, a a��o perdeu o sentido, uma vez que o parto j� havia ocorrido. Foram tantos casos que a controv�rsia acabou chegando ao Supremo. O tipo de a��o � uma argui��o de descumprimento de preceito fundamental (usada para fazer valer um princ�pio da Constitui��o), apresentada em 2004 pela Confedera��o Nacional dos Trabalhadores na Sa�de. Para a confedera��o, impedir o aborto nesses casos fere uma garantia fundamental: a dignidade da m�e.
Decis�o autoriza interrup��o
Bras�lia – Em entrevista durante o intervalo da sess�o, o ministro Marco Aur�lio Mello avisou que, caso a decis�o seja confirmada hoje, as mulheres n�o precisar�o mais entrar na Justi�a para pedir o direito de antecipar o parto. “Com a decis�o do Supremo, o pr�prio servi�o m�dico p�blico estar� autorizado a fazer a interrup��o (da gravidez) com o diagn�stico, sem qualquer medida judicial”, afirmou o relator do caso. Ele observou, por�m, que qualquer mulher diagnosticada com feto anenc�falo poder� manter a gravidez at� o fim, caso deseje.
Parlamentares das bancadas evang�lica e cat�lica pediram ontem a abertura de um processo de impeachment contra o ministro Marco Aur�lio Mello. Os congressistas querem que o ministro responda ao crime de responsabilidade por ter emitido ju�zo de valor sobre o tema em 2008, quando posicionou-se a favor da antecipa��o terap�utica do parto.
O deputado Eros Biondini (PTB-MG) argumenta que configura quebra de decoro um magistrado manifestar opini�o sobre processo pendente de julgamento. Procurado, Marco Aur�lio observou que j� havia se manifestado sobre o tema em uma liminar que concedeu em 2004.
“O que eu fiz foi reiterar o meu convencimento. N�o � adiantamento do ponto de vista. Estamos vivendo uma quadra interessant�ssima de perda de par�metros, de invers�o de valores. No direito temos uma express�o que talvez n�o devesse ser transportada para o Congresso: o jus esperniand, que � o direito de espernear”, afirmou. (D.A)