(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Nunca vi algo t�o desumano, conta perito ao lembrar massacre do Carandiru


postado em 01/10/2012 12:02

S�o Paulo – Naquele 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, quando foi chamado para fazer a per�cia no Pavilh�o 9, na Casa de Deten��o de S�o Paulo, mais conhecida como Carandiru, o perito Osvaldo Negrini Neto achou que se tratava de um evento de resist�ncia seguida de morte, ou seja, que os detentos haviam morrido em decorr�ncia de confronto com a Pol�cia Militar, mas logo mudou de ideia.

“Depois percebi que foi um massacre seguido de muitas mortes”, disse o ex-perito, em entrevista. Na �poca, contou, era perito de uma se��o especial do Instituto de Criminal�stica (IC) de S�o Paulo que analisava exatamente os casos de resist�ncia seguida de morte. Ap�s o epis�dio, chegou a sofrer amea�as.

O que o levou a classificar o epis�dio como um massacre estava, segundo ele, “escrito nas paredes” do Pavilh�o 9. “Todas as celas que eu examinei tinham muito poucos tiros nos corredores. No corredor, eu contava dois ou tr�s buracos de balas. Mais de 90% dos tiros estavam dentro das celas. E sempre da porta para o fundo, ou seja, imposs�vel que tenha sido algum tiro dado pelos presos em dire��o aos policiais militares. E, realmente, n�o tinha nenhum policial ferido por balas.”

Negrini Neto foi o autor do principal laudo sobre a morte dos presos no Carandiru. Aposentado desde 2010, ele conversou com por telefone.

“Colhi material das paredes e vi que, em muitos casos, n�o era bala de rev�lver, mas de metralhadora. Os tiros seguiam uma sequ�ncia quase na mesma linha. Uma pistola e um rev�lver n�o fazem isso. Colhi material daquilo para saber se tinha cobre presente no buraco, porque o cobre caracteriza que a bala � encamisada, ou enjaquetada [revestida com metal, a exemplo de cobre, para aumentar a penetra��o no alvo], como a de metralhadora.”

O perito descreve a situa��o de um dos andares mais atingidos: “No terceiro, a coisa estava b�rbara. Na primeira cela em que entrei, tinha mais de 20 buracos de bala. Na outra, 15, na outra, dez. Fui contando e havia mais de 450 buracos de bala na parede. Em alguns, tinha [marca] no ch�o como se tivesse matado gente que estivesse sentada ou ajoelhada”, descreveu.

Negrini Neto s� conseguiu entrar na Casa de Deten��o por volta das 21h30 daquele dia. “Tive que entrar escondido, junto com meu fot�grafo, na viatura do delegado, abaixados no banco de tr�s, porque a Pol�cia Militar tinha dado ordem de que n�o queria per�cia l� dentro”, relatou.

Quando finalmente chegaram ao Pavilh�o 9, o pr�dio encontrava-se interditado. “Tinha havido um inc�ndio no t�rreo”, contou. Ele pediu ent�o ao oficial que estava tomando conta do local para poder entrar no pavilh�o e fazer as fotos e um relato sobre o que ocorreu. “Depois de muito relutar, ele permitiu que entr�ssemos no p�tio ou t�rreo. Ali tinha barbearia, lavanderia, cozinha, depend�ncias de conviv�ncia entre os presos e a parte de administra��o do Pavilh�o 9, onde estavam todos os arquivos dos presos dali”. Como houve o inc�ndio, a energia el�trica foi cortada e o trabalho precisou ser feito todo com lanternas, at� que a pol�cia fornecesse alguns holofotes.

No local, os policiais lhe contaram que uma TV explodiu perto de onde se encontrava o ent�o comandante da Pol�cia Militar, o coronel Ubiratan Guimar�es, que precisou deixar o local para ser atendido.

“Fiz [registro de] toda essa parte de baixo, analisei o inc�ndio, e vi, pela escada do canto que subia para o primeiro pavimento, uma gosma escura descendo que parecia �leo queimado. Uma cachoeirinha. Achei meio intrigante aquele fen�meno ali e fui mais perto para olhar. Como j� tinha bastante experi�ncia nisso, vi que era sangue misturado com uma s�rie de outras sujidades”, contou.

Com a ajuda dos holofotes, ele subiu ent�o para o primeiro pavimento. “Quando cheguei � borda do primeiro pavimento, vi uma cena dantesca, algo que nunca tinha visto na minha vida. Um monte de cad�veres empilhados, um por cima do outro, todos completamente destro�ados, com buracos de balas aos montes”, disse.

Foi ent�o que ele come�ou a contar os cad�veres que estavam empilhados. “S� havia um espa�o para pisar no Pavilh�o 9, entre a parede e a primeira pilha de cad�veres, e que n�o chegava a 40 cent�metros. Fomos indo por aquela borda, at� onde os holofotes conseguiram chegar, e eu pude contar 90 cad�veres. Contei errado naquele dia. Na realidade, eram 89”, falou.

Depois disso, teve in�cio o trabalho de retirada dos corpos. “Para isso, eles precisaram encostar quatro ou cinco caminh�es-ba� do pres�dio e os pr�prios presos foram obrigados a pegar os cad�veres, um por um, no primeiro pavimento, e trazer, de dois em dois, para botar no caminh�o. A�, vi que todos os presos estavam completamente nus”, descreveu.

Segundo o ex-perito, os sobreviventes do Pavilh�o 9, que eram mais de 1,8 mil na �poca, estavam todos sentados no p�tio, nus, ajoelhados, cercados por policiais. “Nunca vi algo t�o desumano na minha vida”, disse o perito. Os corpos precisaram ser levados para v�rios institutos m�dico-legais de S�o Paulo e da regi�o metropolitana.

No s�bado, come�aram os telefonemas � sua casa, com amea�as. “Na �poca, felizmente n�o tinha celular. Eles diziam: ‘Olha, v� l� o que voc� vai escrever’. Foram [telefonemas] de colegas, delegados, mas ningu�m sabia ainda exatamente o que tinha acontecido na Casa de Deten��o, sabiam que tinha morrido muita gente, mas ningu�m sabia quantos tinham morrido”, lembrou. As amea�as, segundo ele, terminaram quando o laudo foi finalmente divulgado, nos primeiros dias de novembro daquele mesmo ano.

“No domingo [logo ap�s o massacre], seria dia de elei��o [municipal] e havia uma necessidade enorme de n�o se divulgar nada, pelo menos at� l�. E, de fato, s� foi divulgado que o n�mero de mortos era maior que 90 no final da tarde, quando se fecharam as elei��es”, disse ele.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)