
“Nem imagino como ele �”, afirma Daniele, de 30 anos, sobre o pai. Ela � agente de sa�de na pequena cidade localizada na divisa com o estado do Rio de Janeiro e estuda Ci�ncias Cont�beis na vizinha Barra Mansa (RJ). Daniele diz n�o ter raiva do pai, que abandonou sua m�e quando soube que ela estava gr�vida, e deseja conhec�-lo. Bem-humorada, ela brinca: “Mas eu quero um pai legal”.
Renata Aparecida da Silva, de 31 anos, tamb�m n�o guarda m�goa do pai, que abandonou a fam�lia para nunca mais aparecer quando ela tinha 8 anos e a m�e, V�nia Aparecida da Silva, hoje com 49 anos, estava gr�vida do terceiro filho. “Tem 22 anos que ele sumiu, mas eu tenho vontade de encontr�-lo. N�o tenho raiva. Ele � meu pai”, afirma a moradora de Coronel Xavier Chaves, no Campo das Vertentes.
O pai de Renata, Jos� Expedito da Silva, de Ouricuri, em Pernambuco, chegou a Coronel Xavier Chaves no final da d�cada de 1970. Namorou V�nia, ent�o com 16 anos, e os dois se casaram. “Quando os pe�es vieram, minha m�e n�o deixava eu nem sair de casa. S� podia ir para a rua com ela”, recorda V�nia. Por�m, a aproxima��o com o futuro marido foi inevit�vel. “O conheci ele no dia do enterro de um pe�o”, lembra V�nia. A av� de Renata aproveitou a movimenta��o dos trabalhadores para ganhar dinheiro e lavava roupas para v�rios, o que facilitou o contato com os forasteiros.
Para se ter ideia do impacto gerado pelas obras da ferrovia, a cidade de Coronel Xavier Chaves n�o tinha mais que 900 moradores na �rea urbana no final da d�cada de 1970. “Em 1975 eu tinha um armaz�m e havia tarde que chegavam mais de 1 mil homens de uma vez. Era uma multid�o”, lembra Jo�o Batista de Resende, que foi prefeito de Coronel Xavier Chaves entre 1977 e 1983. Ele calcula que cerca de 3 mil trabalhadores se alojaram na cidade, a maior parte em acampamentos.
A cidade, assim como os outros pequenos munic�pios pr�ximos � Ferrovia do A�o, n�o ficou marcada apenas pelas m�es solteiras. � �poca as ruas da cidade n�o eram cal�adas e a movimenta��o dos caminh�es para a constru��o levantavam muita poeira. “Tinham coisas boas tamb�m. Quando precis�vamos de um caminh�o de areia ou brita para uma obra da prefeitura a companhia que fazia a obra ajudava”, destaca o ex-prefeito.
Se em Coronel Xavier Chaves, que tem 3,3 mil habitantes atualmente, o impacto foi imenso, em Passa Vinte, com 2 mil moradores, n�o foi diferente. Jos� Irineu de Almeida, de 85 anos, trabalhou por 34 anos na Rede Ferrovi�ria Federal S.A. (RFFSA) e n�o esquece os anos em que a cidade teve o cotidiano totalmente modificado. “Era gente demais e, principalmente, muitos homens”, pontua. Para que o ass�dio �s mo�as de Passa-Vinte fosse menos intenso foram criadas duas casas de prostitui��o em um distrito da cidade. Jos� Irineu recorda que mesmo com essa estrat�gia foi inevit�vel que as mo�as da cidade se relacionassem com os trabalhadores forasteiros.
Maria S�nia de Almeida, de 47 anos, a m�e de Daniele, lembra das festas e da imensa movimenta��o de trabalhadores na cidade. “Nunca poderia imaginar um movimento daqueles”, afirma. O que Maria tamb�m n�o esquece � o estigma que carregou por muito tempo por ter engravidado, aos 16 anos, e o pai da crian�a abandonado a cidade. “Aqui (Passa Vinte) � muito pequeno e as pessoas s�o conservadoras. Todo mundo ficava apontando o dedo. Era dif�cil at� sair de casa”, recorda Maria, que, por sua vez, n�o deseja encontrar o pai de sua filha.
“Quando engravidei descobri que ele namorava outras mo�as tamb�m”, lamenta. Logo ap�s ter ficado gr�vida ela soube que, para algumas, ele dizia ter outro nome. Maria s� teve certeza do nome verdadeiro quando, ap�s ficar gr�vida, uma irm� dela foi at� o escrit�rio da Andrade Gutierrez, onde ele trabalhava, e confirmou a identidade. A saber: o pai de Daniele se chama Jo�o Batista Vieira e � natural de Belo Horizonte.