Renata Mariz

Para especialistas, o caso Bernardo demonstra como a neglig�ncia, al�m de n�o escolher classe social, geralmente � a primeira viola��o que pode resultar em outras mais graves. “N�o d� para dizer que uma crian�a v�tima de neglig�ncia v� se tornar v�tima de uma barbaridade daquela. Mas a partir do momento em que os pais s�o reiteradamente negligentes com os filhos, abre-se um caminho para agress�es, castigos imoderados, abusos sexuais e at� assassinatos”, adverte o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Crian�a e do Adolescente de S�o Paulo.
Alves, que tamb�m � fundador da Comiss�o da Crian�a e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, chama aten��o para os riscos da neglig�ncia quando ela ocorre na metade de cima da pir�mide social. “O Judici�rio, o Minist�rio P�blico, entre outros �rg�os de prote��o, sentem-se intimidados em intervir na vida de fam�lias abastadas, que podem acus�-los de invas�o ou abuso de autoridade, diferentemente de como agem com pessoas pobres. H� uma quest�o de classe nessa atua��o”, sentencia. Ele cita outra dificuldade na solu��o do problema. “A vis�o burocr�tica e legalista desses �rg�os coloca em segundo plano o relato da crian�a.”Das 37.586 den�ncias de neglig�ncia registradas no Disque 100 em 2014, a maioria (45%) se refere a desamparo e falta de responsabiliza��o – exatamente o tipo que levou Bernardo, em janeiro deste ano, ao 4º andar do f�rum de Tr�s Passos, onde relatou as ofensas da madrasta, a desaten��o do pai e o desejo de morar com outra fam�lia. Ele n�o podia chegar perto da meia-irm�, de pouco mais de um ano. Costumava ser impedido de entrar em casa. Ficava na cal�ada, a mando da madrasta. Passava dias na casa de amigos, onde recebia aten��o.
O pai de Bernardo, o m�dico Adriano Boldrini, sua madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini, e uma amiga do casal est�o presos e devem ser indiciados por homic�dio triplamente qualificado pela morte de Bernardo. Antes mesmo de o menino procurar, por conta pr�pria, aux�lio no f�rum da cidade, o sofrimento dele j� tinha chamado a aten��o dos �rg�os de prote��o de menores de idade. Em novembro, o conselho tutelar de Tr�s Passos enviou � promotoria da inf�ncia um relat�rio sobre a neglig�ncia familiar e o abandono afetivo a que Bernardo era submetido. Informava ainda a resist�ncia do pai � abordagem do conselho.
Em dezembro, a av� materna, Jussara Uglione, ao receber informa��es de conhecidos sobre os maus-tratos sofridos pelo menino, pediu a guarda da crian�a. Ela era impedida pelo pai de conviver com o �nico neto. A m�e de Bernardo morreu em 2010. Em janeiro, o Minist�rio P�blico pediu � Justi�a que deixasse o garoto viver com Jussara como uma medida protetiva. A Vara da Inf�ncia, por�m, depois de audi�ncia com Adriano, Graciele e Bernardo, decidiu atender � solicita��o do pai, que pediu uma chance para se reaproximar de Bernardo. O juiz deu 90 dias para que fosse feita uma nova avalia��o com a fam�lia. A aud�ncia estava marcada para 13 de maio. Bernardo foi assassinado em 4 de abril.
Imagens reveladoras
A nota fiscal da compra de um extintor, localizada pela pol�cia no carro de Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo Uglione Boldrini, com a data do desaparecimento do menino, levou os investigadores ao posto onde a transa��o foi realizada, no centro de Frederico Westphalen (RS). Ao verificar as imagens do sistema de seguran�a do estabelecimento, os policiais viram Graciele e a assistente social Edelv�nia Wirganovicz saindo do local com o menino. Depois elas retornam sem Bernardo. E colocam sacos pl�sticos no lixo do posto. As imagens foram fundamentais para a pol�cia interrogar Edelv�nia, que confessou o assassinato do menino e mostrou onde o corpo estava enterrado – em uma cova rasa no munic�pio a 80 quil�metros de Tr�s Passos, onde a fam�lia vive. Suspeita-se que a mulher recebeu dinheiro para participar do crime.