Nos primeiros dias de 1974, um grupo de 55 policiais e militares chilenos chegava discretamente ao Brasil. Por 15 dias, eles estiveram em S�o Paulo, Rio de Janeiro e Bras�lia. A viagem, acertada informalmente entre o ent�o embaixador brasileiro em Santiago, Ant�nio C�ndido C�mara Canto, e o governo chileno, foi tratada como “estritamente confidencial”.
Em 31 de dezembro de 1973, pouco mais de tr�s meses depois do golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, o embaixador chileno no Brasil, Hern�n Cubillos, recebeu um telex cifrado e marcado como “estritamente confidencial”. O texto dizia que os 55 oficiais chegariam ao Brasil entre os dias 20 e 22 de janeiro em uma viagem acertada “oficiosamente” por C�mara Canto com a concord�ncia de Bras�lia. Defensor convicto da ditadura chilena, Canto era chamado, em Santiago, de “o 5.° Membro da Junta Militar”, tal sua proximidade com Pinochet. Foi a primeira viagem de treinamento dos chilenos, numa aproxima��o que aos poucos se ampliou, inclui pa�ses vizinhos e se transformou na Opera��o Condor.
Em agosto de 1974, o chefe da Diretoria de Intelig�ncia Nacional Manuel Contreras, envia of�cio reservado ao Itamaraty pedindo passaporte de trabalho para 12 oficiais que visitariam S�o Paulo. Os agentes “cumprir�o determinada comiss�o de servi�o”. Seis deles iriam compor as unidades de exterm�nio de Contreras, as chamadas brigadas Lautaro e Pur�n.
Treinamento
A coopera��o entre as duas ditaduras, na verdade, tinha come�ado antes disso. Investiga��es da Comiss�o Nacional da Verdade mostram que militares brasileiros chegaram ao Chile a 9 de setembro de 1973 - dois dias antes do golpe contra Allende - para treinar chilenos em t�cnicas de tortura. “H� muitos testemunhos de pessoas que foram presas no Est�dio Nacional e viram torturadores do Brasil. Eles vieram ensinar a tortura”, afirmou ao Estado o ministro das Rela��es Exteriores do Chile, Heraldo Mu�oz.
Ainda em 1974, um grupo de 17 formandos da Escola de Intelig�ncia do Ex�rcito chileno visita S�o Paulo, Rio e Bras�lia. Em outra visita, comandada pelo coronel Hector Contador, desembarcou em S�o Paulo um grupo de militares para conhecer a Engesa, empresa dedicada � produ��o de armamentos. O governo brasileiro garantiu ao Chile, na oportunidade, cr�ditos no total de US$ 40 milh�es para compra de equipamentos b�licos brasileiros.
Conex�es
A coopera��o entre as duas ditaduras, no entanto, vai al�m dos militares. Nas salas do Itamaraty, diplomatas trocaram os punhos de renda pelo uniforme de informantes. Notas do embaixador chileno � chancelaria de seu pa�s revelam intensa parceria entre as duas diplomacias.
No Itamaraty o embaixador , Cubillos obteve informa��es sobre os brasileiros exilados no Chile que atuaram no sequestro, no Rio, do embaixador alem�o Ehrenfried Von Holleben, em junho de 1970. “A Divis�o de Seguran�a e Informa��o (do Itamaraty) expressou que as autoridades locais t�m o maior interesse em conhecer o paradeiro dessas pessoas” e se disp�e a colaborar “em qualquer forma” para desarticular “a m�quina terrorista que opera em nosso continente”, escreveu Cubillos.
Entre os documentos obtidos pelo Estado na Chancelaria chilena est� uma lista completa de todos os grupos de esquerda que atuavam no Brasil, quem estava preso, morto ou foragido, quais crimes cada grupo tinha cometido. Nos anos seguintes, a colabora��o evoluiria para a��es conjuntas de sequestro e morte de rivais.
A Opera��o Condor formalizou, em segredo, a coopera��o entre Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Acostumado ao trabalho conjunto, o Brasil entrou em 1975 como observador. Depois, passou a se beneficiar da ajuda dos vizinhos.