Morte e vida Rayline: Estado de Minas conta hist�ria de trag�dia que comoveu o pa�s

Daniel Camargos (texto)
Alexandre Guzanshe (fotos)
Enviados Especiais

Santar�m e Fordl�ndia (PA) - Rayline marcou tr�s gols pelo time Jardim Santar�m na vit�ria por 5 a 0 ante o Atl�tico Mararu na Copa Norte de futebol amador, realizada em um campo de terra, com muita areia, no bairro do Sant�ssimo, em Santar�m. Os gols levaram a equipe para a final do torneio, mas ela n�o p�de disputar o jogo decisivo e suas companheiras foram derrotadas. Ap�s a partida, Rayline foi para a casa da tia Marilena, que pintou as unhas da sobrinha com esmalte e ajudou a preparar o “rancho”, como � nomeada a caixa com mantimentos que ela levava para passar vinte dias na aldeia ind�gena munduruku Sai Cinza, em Jacareacanga.

Rayline Sabrina Brito Campos, 26 anos, era t�cnica em enfermagem e prestava servi�o para a Secretaria Especial de Sa�de Ind�gena (Sesai), �rg�o vinculado ao Minist�rio da Sa�de. Permanecia 20 dias por m�s na aldeia, atendendo aos �ndios. Os outros 10 dias dividia entre Santar�m (cidade-polo do Oeste do Par�, com quase 300 mil habitantes), onde vivia parte da fam�lia; e Fordl�ndia, terra natal dela, pequena vila de Aveiros, com menos de 1 mil moradores �s margens do Rio Tapaj�s e distante cinco horas, navegando em lancha, de Santar�m.

Os verbos est�o no passado porque Rayline est� morta. Foi uma das cinco v�timas de acidente a�reo no dia 18 de mar�o de 2014. Apesar do ano que se passou, o Centro de Investiga��o e Preven��o de Acidentes Aeron�uticos (Cenipa), �rg�o vinculado � For�a A�rea Brasileira (FAB), ainda n�o concluiu o laudo com as investiga��es. N�o se sabem, portanto, as causas da trag�dia e n�o h� prazo para a entrega do relat�rio. Sem os documentos, � imposs�vel indenizar as fam�lias vitimadas pela trag�dia.

Assista ao v�deo:
Al�m de Rayline, outras duas t�cnicas de enfermagem (Luciney Aguiar de Sousa e Raimunda L�cia da Silva Costa), um motorista (Ari Lima) e o piloto do avi�o bimotor (Luiz Feltrin) perderam a vida. Minutos antes de o avi�o cair, Rayline conseguiu enviar duas mensagens de celular para o tio, Rub�lio Pereira dos Santos. Na primeira mensagem pedia ajuda e avisava que um dos motores do avi�o bimotor havia parado: “Tio to em temporal e um motr parou avisa a mae q amo muit tods ...”. Na segunda mensagem, pedia socorro.

O acidente aconteceu 10 dias depois do sumi�o do avi�o que fazia o voo 370 da Malaysia Airlines, que sobrevoava o Mar da China, no golfo da Tail�ndia, com 239 pessoas, e que segue desaparecido. A coincid�ncia ampliou a agonia dos familiares. O desaparecimento do bimotor Beechraf 58 Baron de cinco lugares em um local de floresta ent�o incerto, entre Itaituba e Jacareacanga, tornou as buscas um desafio e envolveu equipes do Ex�rcito brasileiro, volunt�rios, familiares e colegas de trabalho, sob coordena��o da FAB.

N�o fossem as desesperadas mensagens que comoveram o pa�s, Rayline seria mais uma entre tantas brasileiras e brasileiros invis�veis que enfrentam o desafio de povoar a imensid�o territorial da Regi�o Norte. Sua vida  - e a sua morte - seguiriam escondidas como os destro�os do avi�o na densa mata da floresta amaz�nica.

Para milhares de trabalhadores da Regi�o Norte, voar representa mais do que  luxo, ascens�o social ou mero capricho. � fundamental para quem leva o m�nimo de dignidade a aldeias �ndigenas e popula��es ribeirinhas. A necessidade implica em grandes riscos: somente no ano passado foram 10 acidentes a�reos no Par�, 21 nos estados da regi�o, de acordo com o Cenipa.

Se o Par� fosse um pa�s, seria a vig�sima-segunda maior na��o do planeta. A �rea de 1.247.954,666km² equivale a quase duas vezes a do territ�rio da Fran�a, o maior pa�s da Europa Ocidental. As estradas do estado s�o p�ssimas e, al�m disso, o territ�rio � cortado por imensos e grandes rios, como Amazonas, Tapaj�s, Xingu, Trombetas e Araguaia, o que dificulta ainda mais os deslocamentos.

Dezesseis dias depois do sumi�o do bimotor, a FAB decidiu interromper as buscas. Os familiares das v�timas foram a Bras�lia. Recebidos em audi�ncia no Minist�rio da Defesa, pressionaram para que o poder p�blico n�o desistisse de encontrar os destro�os do avi�o. Foram atendidos, mas tamb�m organizaram uma vaquinha e arrecadaram R$ 19 mil para recompensar quem encontrasse o bimotor. O dinheiro gerou uma corrida. Uma esp�cie de garimpo.

Vale lembrar que a regi�o de Itaituba, de onde o avi�o partiu, se destacou no mapa brasileiro pela explora��o de ouro na d�cada de 1980 at� o in�cio dos anos 1990. Em 1986, o tr�fego a�reo do aeroporto da cidade foi o mais intenso entre todas as pistas da Am�rica Latina, o terceiro mais fren�tico do mundo. At� hoje circula na regi�o uma hist�ria t�o curiosa quanto emblem�tica, ocorrida em 1983: um avi�o Cessna 2006 pousou em cima de um Cessna 210 que aguardava para decolar. As fotos do acidente pipocam em p�ginas e f�runs de avia��o na internet.

Em  24 de abril, 36 dias ap�s a queda do bimotor, um garimpeiro encontrou os destro�os. O enterro do corpo de Rayline aconteceu em 28 de abril, 40 dias ap�s o acidente. Nesse �nterim, a final da Copa Norte foi realizada. “Essa situa��o toda abalou a gente. A Rayline era a melhor do time, se ela tivesse jogado a final poder�amos ter vencido”, entende Eleonai da Silva Filgueira, amiga de Rayline e respons�vel pelo convite para que a t�cnica em enfermagem refor�asse o ataque do Jardim Santar�m.