Carolina Cotta
Enviada especial

Recife – Rafaela Gomes Pereira, de 21 anos, soube, ainda durante a gravidez, que a filha teria microcefalia. “No oitavo m�s de gesta��o, o m�dico pediu um ultrassom de rotina e me perguntou se eu tinha alguma queixa. Na �poca, final de outubro, n�o se falava dos casos, logo depois tudo estourou. Ele me disse que ela teria esse problema. Deus sempre escolhe pessoas especiais para cuidarem de filhos especiais. Se fui escolhida, � porque sou capaz. Mas � dif�cil demais, porque a gente sempre quer um filho saud�vel. Mas foi melhor saber antes”, afirma a m�e de Rita Cec�lia, de 2 meses. Com a av� de Rita, Ilma M�rcia Gomes, de 39, Rafaela viajou mais de 550 quil�metros, de Salgueiro ao Recife, para fazer os exames necess�rios � confirma��o do diagn�stico.
Dois meses depois, as perninhas est�o aparentemente normais. Segundo a neuropediatra Vanessa van der Linden, essas malforma��es est�o sendo observadas em algumas crian�as. “N�o sabemos o mecanismo de a��o do zika v�rus. Se ele mesmo provoca as les�es, se libera uma toxina. N�o sabemos se outras doen�as associadas est�o envolvidas. Tudo precisa ser pesquisado”, defende. Rafaela, como outras m�es ouvidas pelo Estado de Minas, se nega a acreditar na rela��o da microcefalia com o zika. Mas teve os sintomas aos dois meses de gesta��o. “Sei at� quando ela pegou”, conta Ilma. “Fomos passar o Dia das M�es em Arco Verde, onde tinha muitos casos de zika. Meu sobrinho estava doente. Assim que voltamos, Rafaela teve as manchas. Achei que era rub�ola, mas o m�dico receitou dipirona e repouso.”

CARACTER�STICAS Em 2014, Pernambuco registrou 12 casos de microcefalia. Em agosto de 2015, esse tamb�m foi o n�mero encontrado, mas em uma �nica semana. Como neuropediatra, Vanessa estava acostumada a ver crian�as com infec��o cong�nita no ber��rio. Mas uma por m�s, ou mesmo uma a cada dois meses. Quando se deparou com cinco casos ao mesmo tempo, percebeu que havia algo estranho. Poucos dias antes, ela j� tinha atendido um caso de microcefalia severa que chamou a aten��o n�o s� pelo tamanho da cabe�a, bem menor que o padr�o dessas anomalias, mas pelo fato de a m�e ter apresentado expressivas manchas vermelhas pelo corpo durante a gravidez.
Essa primeira crian�a logo passou por uma tomografia. Foi quando Vanessa identificou a presen�a de calcifica��es, que sugeriam, ent�o, uma causa infecciosa, e n�o gen�tica. A crian�a passou por exames para checar as poss�veis infec��es – citomegalov�rus, toxoplasmose, rub�ola, herpes e s�filis –, mas todos os resultados foram negativos. “Era uma das menores cabe�as que eu j� tinha visto, e ela tinha outra caracter�stica peculiar, que s�o dobrinhas pelo excesso de pele no couro cabeludo. Eu j� ia come�ar a investigar se, apesar das calcifica��es, podia ser uma doen�a gen�tica quando apareceram as cinco crian�as na mesma semana”, lembra Vanessa.
Os casos eram semelhantes. Cabe�as bem pequenas, calcifica��es e ventr�culos grandes. O caso inicial, comparado com os novos cinco casos, mostrava outra particularidade. “O padr�o de calcifica��o era muito diferente daquele provocado pelo citomegalov�rus. Todas as crian�as tinham calcifica��es parecidas, muito marcantes, concentradas logo abaixo do c�rtex”, lembra.
INVESTIGA��O A maioria das seis m�es tinha apresentado manchas avermelhadas pela pele, chamadas exantemas ou rash cut�neo. Vanessa procurou ajuda da infectologista Regina Coeli, do Huoc. Os principais agentes causadores de microcefalia j� tinham sido investigados. Era preciso checar outros v�rus que tamb�m provocam manchas na pele. A dengue, teoricamente, n�o provoca infec��o cong�nita por n�o conseguir acessar a placenta. “Nosso medo era que essas crian�as voltassem para suas cidades. Quando se nasce com a infec��o cong�nita, a investiga��o precisa ser r�pida.”
Ent�o, veio a surpresa. Quando Vanessa comentou os casos com a m�e, a tamb�m neuropediatra Ana van der Linden, ela contou que no Impi, onde atende, havia sete casos iguais. Vanessa ligou para outros hospitais e descobriu que tamb�m neles havia casos de microcefalia. “De repente, todo dia chegava um beb�. � tudo muito novo, mas o enfrentamento foi muito �gil. Em poucos dias, tivemos reuni�es com o Minist�rio da Sa�de e a Organiza��o Pan-americana de Sa�de (Opas), fizemos um protocolo e come�amos a notificar.”
CONFIRMA��O O fato de Pernambuco vir enfrentando uma epidemia de zika desde maio de 2015 colocou as suspeitas sobre o v�rus. Entre seus sintomas, est�o as manchas vermelhas. Ele j� era epid�mico, e ser transmitido pelo mosquito explicaria a dispers�o da doen�a por todo o estado.
Mas logo eles ultrapassariam as fronteiras de Pernambuco. E foram os casos na Para�ba que refor�aram as evid�ncias de uma rela��o da microcefalia com o v�rus zika. A identifica��o de uma poss�vel microcefalia em dois beb�s ainda em gesta��o permitiu colher amostras do l�quido amni�tico e foi encontrado o zika v�rus. Ainda era preciso checar se ele alcan�ava a crian�a. Um beb� com microcefalia que morreu logo ap�s o parto, no Cear�, deu aos m�dicos a pe�a que faltava ao quebra-cabe�a: a aut�psia confirmou a presen�a do v�rus nos tecidos da crian�a.
ORIGEM DO PROBLEMA
A infec��o cong�nita � uma das causas da microcefalia. Ela ocorre quando um agente infeccioso, como um v�rus ou um parasita, consegue ultrapassar a barreira placent�ria e atingir o feto. Uma das principais caracter�sticas da infec��o cong�nita � uma agress�o ao c�rebro que provoca calcifica��es. Essas, geralmente, n�o s�o encontradas em microcefalias causadas por doen�as gen�ticas, podendo ocorrer em casos raros.