O aumento de casos de febre amarela, com pessoas se contaminando nas franjas de matas nas regi�es metropolitanas de S�o Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, reacende um velho medo que surge a cada novo ciclo: a febre amarela pode voltar a ser uma doen�a urbana? A possibilidade existe, mas � muito pequena. � o que defendem especialistas com base em pesquisas sobre a evolu��o da epidemia e a biologia do v�rus e dos mosquitos transmissores.
O ressurgimento da transmiss�o urbana, ou seja, por mosquitos que vivem na cidade, como o Aedes aegypti, depende basicamente de tr�s condi��es: ter muita gente contaminada em estado de viremia (com a presen�a do v�rus circulando no sangue), vivendo em uma �rea onde haja uma popula��o muito grande de mosquito e com capacidade de transmitir o v�rus da febre amarela.
As longas e demoradas filas em busca da vacina na �ltima semana podem at� dar a sensa��o de que esta � a situa��o atual, mas os pesquisadores s�o categ�ricos: n�o �.
Para come�ar, a popula��o de mosquito, por mais que traga uma s�rie de problemas - vide as epidemias de dengue, zika e chikungunya dos �ltimos dois anos -, � considerada pequena para a febre amarela.
"Na �poca em que a febre amarela era exclusivamente urbana (at� o come�o dos anos 1940), a densidade de mosquitos nas cidades era muito maior. O necess�rio para ter a transmiss�o urbana seria ter pelo menos o dobro do que temos hoje", explica o virologista e epidemiologista Renato Pereira de Souza, pesquisador cient�fico do Instituto Adolfo Lutz.
Todos os casos registrados nas �ltimas d�cadas foram e s�o exclusivamente do tipo silvestre. A contamina��o ocorre quando uma pessoa sem vacina entra em �rea de floresta, como a regi�o da Cantareira, na zona norte de S�o Paulo, ou est� em um local rural pr�ximo de uma mata e � picada por um mosquito silvestre que s� vive ali. Esses insetos podem at� voar em �reas urbanas cont�guas a parques, mas nunca ir�o para dentro das cidades (veja p�gina ao lado).
Nas cidades, a transmiss�o caberia ao Aedes. Mas o mosquito que circula nas cidades brasileiras, apesar de ser capaz de transmitir a febre amarela, n�o � t�o competente assim como vetor do v�rus. Ent�o seriam necess�rios muitos mosquitos para impulsionarem uma epidemia.
At� as d�cadas de 20 e 30, as variantes de Aedes que existiam no Brasil eram de origem africana, essas sim bem aptas a transmitir o v�rus. Mas elas foram erradicadas. A variante atual � asi�tica menos capaz.
Isso se soma ao fato de que h� um controle do vetor nas cidades, como lembra Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas. "Embora (com esse controle) n�o se consiga impedir uma epidemia de dengue, zika ou chikungunya, conseguimos evitar a transmiss�o humana do v�rus da febre amarela. No Aedes aegypti, o v�rus n�o se replica de forma t�o eficiente quanto nos outros tr�s. Tanto � que os �ndices de infesta��o no Brasil costumam ficar em 5%, chegando no m�ximo a 10% em alguns locais. Esses n�meros nos d�o quase a certeza de que n�o teremos um surto de febre amarela urbana."
Trabalho divulgado no ano passado por pesquisadores dos Institutos Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e Evandro Chagas, para avaliar o risco de reurbaniza��o da doen�a, mostrou que, em laborat�rio, o Aedes aegypti, ao ser alimentado com sangue contaminado, teve o v�rus detectado em sua saliva 14 dias depois. Esse � o principal indicador do potencial de transmiss�o da doen�a.
Mas na vida urbana, outras coisas est�o acontecendo, como a ocorr�ncia de outros v�rus, que se saem muito melhor dentro do Aedes. "O v�rus da chikungunya � o que tem a maior facilidade. Ele se replica mais rapidamente e, em tr�s dias, j� estava na saliva do mosquito. O da dengue leva cerca de uma semana. E o da zika e da febre amarela, em torno de 12 dia", comenta Ricardo Louren�o, chefe do Laborat�rio de Mosquitos Transmissores de Hematozo�rios do IOC.
Fator humano
O terceiro item da f�rmula � a quantidade de pessoas em viremia. "No ser humano, o v�rus da febre amarela s� fica circulando no sangue - que � quando ele pode ser transmitido ao mosquito -, por um per�odo de dois a quatro dias. Logo ap�s a pessoa se contaminar ou quando ela j� est� em um estado mais cr�tico, isso n�o ocorre", explica Souza.
"Por isso se diz que a transmiss�o da doen�a � um fator populacional. N�o vai ocorrer tendo uma pessoa infectada ao lado de um mosquito. � preciso ter v�rias pessoas infectadas, com viremia e expostas a uma quantidade grande de mosquitos que v�o transmitir para uma popula��o suscet�vel. S�o v�rias etapas que t�m de acontecer simultaneamente", diz.
E com a vacina��o em massa, mesmo que fracionada, esse lado da equa��o tende a diminuir ainda mais. Um exemplo disso ocorreu em Assun��o, no Paraguai, em 2008, quando houve um pequeno surto de febre amarela na regi�o metropolitana. "Vacinando a popula��o rapidamente, eliminando criadouros e borrifando mosquitos adultos, o v�rus foi debelado e o aumento de casos, detido", conta Vasconcelos.