
Segundo a pol�cia, o mandante � �lvaro Malaquias Santa Rosa, o Peix�o, do Terceiro Comando Puro (TCP), um dos criadores do Bonde de Jesus, vertente in�dita da intoler�ncia religiosa no Estado. Estima-se que existam hoje 200 terreiros sob amea�a. Os casos s�o investigados pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intoler�ncia (Decradi), criada em 2018.
Investiga��es apontam que a peculiar rela��o entre religiosos e criminosos aconteceu depois que a c�pula do TCP foi convertida por uma igreja neopentecostal. H� informa��es, ainda n�o confirmadas, de que Peix�o teria sido ordenado pastor. Trata-se de uma caracter�stica espec�fica dessa fac��o, n�o sendo reproduzida nem pelos demais grupos de traficantes nem por milicianos.
"A situa��o de intoler�ncia sempre existiu, mas tivemos uma piora quando indiv�duos ligados � c�pula de uma fac��o resolveram se converter", afirma o delegado da Decradi, Gilbert Stivanello. "Eles distorcem a doutrina religiosa e agridem outras religi�es, sobretudo as de matriz africana." As principais lideran�as evang�licas do Rio condenam os ataques.
Convers�o. Um dos primeiros a se converter foi Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, h� cerca de quatro anos. Ele era o chefe do tr�fico no Morro do Dend�, Ilha do Governador, at� ser morto pela pol�cia em junho. Outros, como Peix�o, se converteram depois.
"Alguns deles se converteram dentro do pres�dio", diz Stivanello. "Eles viveram uma experi�ncia distorcida da convers�o, se tornando ‘bandido de Jesus’, como se isso fosse um ato de f�. Se pararmos para pensar, n�o � muito diferente do terrorismo isl�mico. � dif�cil mesmo entender a l�gica", afirma.
Coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resist�ncia Afro Brasileira, C�lia Gon�alves Souza diz que o problema da intoler�ncia � nacional, mas que, de fato, vem ganhando contornos espec�ficos no Rio, sobretudo pela penetra��o de evang�licos no sistema carcer�rio. "No Rio, esse problema � muito escancarado e o narcopentecostalismo s� tende a crescer. E passa pela quest�o das penitenci�rias, onde h� uma entrada muito grande dos neopentecostais."
Na Baixada Fluminense, traficantes passaram a ditar regras dos terreiros, como hor�rios das cerim�nias e uso de fogos de artif�cio e fogueiras. Eles tamb�m pro�bem as pessoas de andarem com roupas brancas ou de santo nas ruas. As invas�es a terreiros s�o cada vez mais frequentes, com destrui��o de oferendas e imagens sagradas.
H� uma semana, o terreiro Il� Ax� de Bate Folha, em Duque de Caxias, foi invadido por traficantes - no 10.º caso da regi�o. Eles quebraram todas as imagens e oferendas e amea�aram de morte a m�e de santo, que est� fora do Estado, na casa de parentes.
"O ataque aconteceu num s�bado de casa cheia. Eles entraram com viol�ncia, mandando todo mundo sair e quebrando tudo", contou uma testemunha. "O terreiro est� fechado. Tiramos tudo de l� e n�o aconselhamos ningu�m a voltar." Segundo a mesma testemunha, outros religiosos fecharam os terreiros e se mudaram.
"Qualquer ataque com contornos de destrui��o do sagrado tem car�ter de racismo religioso", diz a defensora Livia C�sseres, do n�cleo contra a desigualdade racial da Defensoria P�blica. "� viol�ncia que j� existe contra essas religi�es - que t�m uma s�rie de direitos negados -, se soma agora a do varejo de drogas. Mas a viol�ncia contra elas � permanente desde a �poca colonial." Por isso, para Livia, a solu��o passa por diferentes esferas.
Alerta. A gravidade da situa��o fez com que, em julho, fosse realizada uma reuni�o com membros da umbanda e do candombl�, lideran�as evang�licas, e representantes da Pol�cia Civil, do Minist�rio P�blico e da Defensoria P�blica.
O pastor Marcos Amaral, da Comiss�o Contra a Intoler�ncia Religiosa, destaca que a denomina��o "evang�licos" abrange um segmento grande de religiosos, com posicionamentos diferenciados. J� o pastor Neil Barreto, da Igreja Batista Bet�nia, afirma que "a intoler�ncia � o �pice da ignor�ncia". "E a �nica solu��o para a ignor�ncia que produz intoler�ncia � a educa��o. Precisamos de uma campanha de educa��o e conscientiza��o em todas as comunidades de f�."
3 perguntas para Ivanir dos Santos, Babala�
O babala� Ivanir dos Santos recebeu no m�s passado, em Washington, o Pr�mio Internacional de Liberdade Religiosa entregue pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Santos � coordenador da Comiss�o de Combate � Intoler�ncia Religiosa e organizador da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, que � realizada h� 12 anos, em Copacabana, no Rio.
1. Como foi receber esse pr�mio internacional em um momento em que aumentam os ataques a terreiros, em especial no Rio?
Esse pr�mio, na verdade, vem reconhecer e legitimar a luta pela causa da liberdade religiosa, contra o racismo, de respeito aos direitos humanos. Estamos passando por um momento muito dif�cil. E n�o tem como pensar em intoler�ncia sem pensar em racismo e preconceito contra grupos minorit�rios.
2. As religi�es de matriz africana sempre foram alvo de preconceito. O que mudou agora?
Sim, secularmente, elas sempre foram perseguidas: na Col�nia e no Imp�rio, pela Igreja Cat�lica; na Rep�blica, pelo Estado; e nos �ltimos 30 anos, por grupos neopentecostais e, mais recentemente, por traficantes evangelizados. S�o traficantes que se dizem evang�licos.
3. Existe uma vertente racista nesse preconceito?
Sim. No Brasil temos um preconceito disseminado na sociedade, virou um comportamento social baseado, fundamentalmente, no racismo. As tradi��es de origem africana sofrem preconceito. O mesmo pensamento se reflete tamb�m no samba, na capoeira, na congada. Manifesta��es culturais de identidade africana s�o frequentemente relacionadas ao dem�nio.