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Estado de Minas

Dentistas resgatam autoestima de mulheres v�timas da viol�ncia dom�stica

Na maioria dos casos, agress�o f�sica come�a pela boca: s�o chutes, socos, paneladas, cotoveladas, que arrancam dentes e a feminilidade da v�tima


postado em 12/11/2019 11:40

Ana Claudia Rocha Ferreira, 37 anos, foi vítima de violência doméstica e teve os dentes arrancados ao ser espancada. Agora já pode sorrir novamente(foto: Carlos FABAL / AFP)
Ana Claudia Rocha Ferreira, 37 anos, foi v�tima de viol�ncia dom�stica e teve os dentes arrancados ao ser espancada. Agora j� pode sorrir novamente (foto: Carlos FABAL / AFP)

Desfigurada por muito tempo pelos golpes de seus companheiros, Ana Cl�udia Rocha Ferreira n�o ousou mais sair. "S� fiquei com quatro dentes na frente, tinha muita vergonha disso". Ela � uma entre as milh�es de mulheres v�timas da viol�ncia conjugal no Brasil.

Em quase todos os casos, os homens visam a boca e os dentes em seu desejo de destruir a feminilidade daquelas que ficam trancadas em suas casas, como Ana Cl�udia.

Um fen�meno que se tornou t�o comum que uma rede beneficente de dentistas decidiu reconstruir a denti��o - e a vida - destas mulheres.

No consult�rio do dentista Armando Piva, membro de uma ONG que devolve o sorriso a mulheres carentes, a carioca Ana Cl�udia exibe hoje uma denti��o resplandescente e a boca real�ada com batom vermelho. � como "um sonho que mudou a sua vida", diz ela.

"Minha primeira agress�o foi quando tinha 15 anos e estava gr�vida da minha filha mais velha", conta a jovem negra, quatro vezes av� aos 39 anos, e funcion�ria de uma gr�fica.

"Ele me deu socos. Eu me separei dele e depois conheci o pai da minha segunda filha, que tamb�m come�ou a me agredir. E os meus dentes foram caindo".

Ana Cl�udia mora em uma favela em S�o Crist�v�o, na zona norte do Rio, e, "na comunidade, os homens dizem que gostam de bater em suas mulheres para que os outros caras n�o as queiram. Batem no rosto para deixar marcas".

"Dos meus 18 anos at� praticamente agora eu n�o sorria", conta Ana Cl�udia, que tinha a "autoestima l� embaixo, e vergonha o tempo todo".

Ela n�o foi capaz de deixar o lar por falta de dinheiro, nem podia voltar para a casa de sua m�e, que a havia abandonado muito jovem ap�s dar a ela o "exemplo": "ela foi espancada toda a sua vida e n�o tinha mais um �nico dente", lembra Ana Cl�udia.

Armando Piva integra a ONG de dentistas voluntários que ajuda a recuperar a autoestima de mulheres vítimas de violência(foto: Miguel SCHINCARIOL / AFP )
Armando Piva integra a ONG de dentistas volunt�rios que ajuda a recuperar a autoestima de mulheres v�timas de viol�ncia (foto: Miguel SCHINCARIOL / AFP )


Uma grande precariedade

 

Um dia, a jovem entrou em contato por meio do Instagram com uma atriz de novela, que ela "admirava": ela n�o lhe pediu dinheiro, mas ajuda, para ter um sorriso t�o belo quanto o dela. A atriz a direcionou para o grupo de dentistas volunt�rios.

O tratamento durou quase um ano, na cl�nica ultramoderna do dr. Piva, na Barra da Tijuca, o oposto do triste cen�rio da favela onde Ana Cl�udia vive.

Ele colocou implantes dent�rios que devolveram a confian�a a ela.

Hoje, quando sorri, as grandes argolas que ela usa se agitam e Ana Cl�udia se diz "mais segura, n�o aceito mais agress�o".

O balan�o da viol�ncia contra as mulheres no Brasil � triste: 16 milh�es de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de viol�ncia ao longo de 2018, segundo o F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica (FBSP). As mulheres negras s�o as principais v�timas.

De modo geral, o pa�s tamb�m aparece entre os mais violentos do mundo, com 57 mil homic�dios no ano passado em um contexto de crise econ�mica, com 12 milh�es de desempregados e grande precariedade para muitos, um terreno f�rtil para casos de viol�ncia contra a mulher.

 

"Chutes, socos, cotoveladas"


"Vimos que o n�mero de mulheres que sofrem de viol�ncia � gigantesco", explica Armando Piva, o jovem cirurgi�o-dentista que Ana Cl�udia chama de seu "anjo".

Foi em 2012, por ocasi�o do anivers�rio de 10 anos do projeto Turma do Bem, criado pelo dentista de S�o Paulo Fabio Bibancos para adolescentes desfavorecidos, que a ONG fundou  "Apol�nias do Bem" para tamb�m ajudar as mulheres.

Desde ent�o, "tratamos mais de 1.000 mulheres", diz seu s�cio, o Dr. Piva, gra�as ao programa que foi batizado em homenagem � Apol�nia de Alexandria, patrona dos dentistas e m�rtir crist� que teve os dentes arrancados.

Atualmente, uma rede de 1.700 dentistas no Brasil, em 12 outros pa�ses da Am�rica Latina e em Portugal devolvem o sorriso a mulheres v�timas de viol�ncia e pobres. Com a condi��o de que n�o voltem a viver com seu agressor.

No Brasil, onde se pratica uma odontologia avan�ada, geralmente s�o cinco ou seis implantes colocados em cada mulher, num tratamento de cerca de 30.000 reais, financiado por doa��es de indiv�duos, empresas e pelos pr�prios dentistas. Sem qualquer subs�dio p�blico.

"No Brasil, essas mulheres t�m direito a um apoio psicol�gico e jur�dico, mas n�o a um apoio odontol�gico", revela o dr. Piva.

"Enquanto na maioria dos casos, se n�o em 100%, a agress�o f�sica come�a pela boca: s�o chutes, socos, paneladas, cotoveladas".

"A vontade do agressor � tirar o sorriso das mulheres. E a gente v� que a maioria perdeu mais de 50% dos dentes da arcada superior".

Essas mutila��es atrapalham seu acesso ao mercado de trabalho. "Ningu�m contrata uma dom�stica sem os dentes da frente, ningu�m contrata uma bab� para ficar com seus filhos sem os dentes da frente. Nenhuma loja no shopping contrata uma vendedora sem os dentes", explica o dentista, apontando que "existem entrevistas em que o pessoal do RH nem faz quando a pessoa chega sem dentes".

Incapazes de trabalhar, sorrir, essas mulheres encontram dificuldades para beijar ou at� mesmo para se alimentar corretamente.

Transgênero Thais de Azevedo, 71 anos, foi vítima de violência e teve seus dentes reconstruídos pelo projeto
Transg�nero Thais de Azevedo, 71 anos, foi v�tima de viol�ncia e teve seus dentes reconstru�dos pelo projeto "Turma do Bem" (foto: Carlos FABAL / AFP)

"Comer uma ma��"


"Voc� n�o tem ideia de como � viver sem dentes", confirma Thais de Azevedo, entrevistada pela AFP em S�o Paulo.

"Quando recuperei os dentes, foi incr�vel comer uma ma��", diz a transexual negra de 68 anos que recebeu implantes, gra�as � abertura, h� dois anos, da Apol�nia �s pessoas trans.

"Sou v�tima de viol�ncia desde que me afirmei como uma pessoa trans, abandonada pela minha fam�lia, pela sociedade e condenada � marginalidade", disse ela. No Brasil, a expectativa de vida das pessoas transexuais � de apenas 35 anos, duas vezes menor do que a m�dia de 75 anos para a popula��o brasileira em geral.

Thais se limita a dizer que perdeu os dentes "em sua luta pela vida". Ela modelava os dentes com chiclete e se tornou "especialista".

"O que eles (dentistas) me trouxeram � muito mais profundo e grandioso do que eu poderia imaginar", diz Thais.

 


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