Os negros s�o a maioria da popula��o do Brasil desde o Censo de 2010 e, este ano, romperam a marca dos 50% tamb�m nas universidades do pa�s. No terceiro trimestre de 2019, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), atingiram 56% dos cerca de 210 milh�es de habitantes, ou seja, quase 118 milh�es de brasileiros se declaram negros ou pardos. Quando se trata de empreendedorismo, no entanto, obst�culos impostos pelo racismo estrutural impedem que esse protagonismo se replique nos neg�cios, sobretudo em um recorte de g�nero, no qual as mulheres negras ainda est�o na base da pir�mide.

Pesquisa do Instituto Locomotiva, encomendada pela Feira Preta, maior evento de cultura e afro empreendedorismo da Am�rica Latina, mostra que a popula��o negra brasileira movimenta R$ 1,9 trilh�o em renda pr�pria por ano. Por�m, entre os empreendedores negros, a movimenta��o cai para 21% do total: R$ 399 bilh�es anuais (veja mais no infogr�fico abaixo). A renda m�dia do empreendedor negro � de R$ 1.420, apenas 19% s�o das classes A e B e 82% est�o na informalidade. Entre os brancos, o rendimento m�dio � de R$ 2.827, 45% s�o das classes mais altas e 60% t�m neg�cios informais.
Necessidade

Ao transportar os dados para o universo feminino, as disparidades s�o maiores porque a mulher negra est� base da pir�mide, revela Tati Brand�o, consultora para o Desenvolvimento de Lideran�as Negras Femininas do Rio de Janeiro e integrante da Educafro (Educa��o e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes). “O funil das oportunidades � mais fechado para elas. Al�m disso, a mobilidade social � cheia de obst�culos. Muitas vezes, vivem em relacionamentos abusivos por depend�ncia financeira. O empreendedorismo ajuda a sair disso”, explica.
A professora M�rcia Lima, soci�loga e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ci�ncias Humanas da Universidade de S�o Paulo, alerta para o que �, de fato, empreendedorismo. “Muitas vezes � s� um nome bonito para informalidade. Mas, quando se fala em abrir neg�cios, o maior entrave para as mulheres negras � o acesso ao capital. S�o necess�rias pol�ticas p�blicas de linhas de cr�dito especiais para essa popula��o”, defende. “O dinheiro est� em institui��es gerenciadas por homens brancos”, justifica Tati Brand�o. “Mas estamos promovendo uma revolu��o silenciosa entre as mulheres negras por meio do empreendedorismo”, acrescenta.
Sem estere�tipos
Nem as dificuldades de acesso a cr�dito param essas mulheres. No Dia Nacional da Consci�ncia Negra, o Estado de Minas mostra a hist�ria de quatro mulheres negras que, lutando contra a barreira do racismo, montaram seus neg�cios e galgaram posi��es de lideran�a. Na contram�o das estat�sticas e — mais do que isso — dispostas a transformar os n�meros, Mait�, Renata, �tala e Rose romperam com o estere�tipo da mulher negra que abre um neg�cio por necessidade: o empreendedorismo e a lideran�a est�o em suas veias.

BlackRocks
A psic�loga paulistana Mait� Louren�o, 35 anos, criou, em 2010, um e-commerce de gest�o de carreira. Ao buscar ferramentas de intelig�ncia artificial em eventos de tecnologia e startups para automatizar o sistema, notou que n�o existiam pessoas negras nesses espa�os. “N�o me sentia representada. N�o ver ningu�m como eu me fez ter a certeza de que queria mudar esse paradigma”, conta.
Em 2015, Mait� fundou o BlackRocks, que, em 2016, passou a contar com toda a estrutura de aceleradora de neg�cios da popula��o negra. “A nossa primeira a��o foi de mentoria. Passei um ano fazendo o recrutamento de pessoas com expertise nas �reas de desenvolvimento, design, programa��o e neg�cios”, diz. Em 2017, conseguiu reunir 30 mentores e mentorados. Hoje, s�o 63. Desde ent�o, mais de 2 mil pessoas passaram pelos programas de acelera��o de startups, que apoiam os neg�cios iniciantes, buscando parceiros, investidores e patroc�nios. “Cinco delas passaram. Uma come�ou do zero e j� tem faturamento de R$ 25 mil. Agora, estamos em vias de fechar com uma grande empresa”, assinala.
Al�m de ser respons�vel pela pela primeira startup negra do pa�s, o Black Rocks aumentou seu faturamento em 700% no ano passado. No entanto, Mait� ressalta que os obst�culos do racismo est�o sempre presentes. “Um neg�cio liderado por negros � uma barreira para os patroc�nios. O trabalho focado na popula��o negra � um grande problema no pa�s.”

ReConex�es
A jornalista ga�cha Renata Lopes, 42, especialista em Gest�o de Pol�ticas P�blicas de G�nero e Ra�a, se envolve com a tem�tica racial desde sempre. Depois de cursar a faculdade, come�ou a perceber que faltava um referencial negro na m�dia. “H� uma invisibilidade dos negros na comunica��o. Ao fazer o trabalho de conclus�o de curso, sobre a tem�tica racial, o meu orientador era um homem branco, ent�o j� foi dif�cil”, recorda. Uma vez formada, Renata passou a editar v�rias publica��es voltadas para a popula��o negra. “Todas as not�cias sobre negros s�o associadas � viol�ncia, � pobreza. Poucos profissionais negros s�o usados como fontes, embora existam economistas, m�dicos, advogados”, critica. “Quero mudar isso.”
Por meio das revistas ReConex�es, Pretas e A coisa t� preta, Renata passou a contar hist�rias positivas, sobretudo de mulheres negras. “A coisa t� preta foi uma forma de transformar essa express�o em uma coisa positiva”, revela. “Mas temos dificuldades de patroc�nio e anunciantes. Estamos batalhando pela sustentabilidade das publica��es, mas precisamos mudar um paradigma. Por isso, ReConex�es � um projeto que vai al�m da publica��o e inclui eventos mensais em �reas como sa�de, est�tica e educa��o”, conta. “O pr�ximo j� tem lista de espera. Nossa meta para 2020 � realizar as atividades em diferentes regi�es”, projeta.

Vale do Dend�
A baiana �tala Herta, 32, trabalha h� 15 anos na �rea de inova��o social e economia criativa. Em Salvador, a capital mais negra do pa�s, a empreendedora passou por muitas organiza��es, como produtora independente, no movimento negro, em m�dia �tnica, at� se transformar na co-fundadora da Vale do Dend�, uma consultoria e aceleradora de empreendimentos. Com mais tr�s s�cios, �tala criou uma organiza��o social com veia de neg�cios que pretende colocar Salvador no radar dos investimentos e de tecnologia. “Instalamos nosso escrit�rio na esta��o da Lapa, onde passam mais de 500 mil pessoas por dia, com objetivo de fomentar a comunidade afro empreendedora”, conta.
Al�m de aceleradora de neg�cios de mulheres e jovens negros, a Vale do Dend� � uma escola de empreendedorismo e diversidade. “Estamos no quarto ciclo de acelera��o e j� temos resultados em neg�cios de tecnologia, moda, sa�de e bem-estar, games, servi�os com foco na popula��o afro brasileira, plataformas digitais e aplicativos”, enumera. No �ltimo semestre, pr�-acelerou 30 neg�cios, dos quais 10 foram aprovados para a fase de treinamento e facilita��o.
Os n�meros da empresa falam por si: mais de 30 mil pessoas acessaram a Vale do Dend�, 107 candidatos foram aprovados nos programas de acelera��o, 30 projetos selecionados e mais de 90 parceiros. “� um modelo inovador, considera as vulnerabilidades da popula��o negra, que sofre com falta de patroc�nio, pouca maturidade dos neg�cios e nenhuma rede de contatos. O que a gente faz � conectar esses empreendimentos com potencial ao cr�dito ao capital-semente e �s grandes empresas”, explica. “Nossa ambi��o � reposicionar Salvador como a capital mais criativa do pa�s”, acrescenta.

Rede de prote��o
A professora Rose Cipriano, 45, de Duque de Caxias (RJ), lutou para chegar ao magist�rio e hoje aproveita as aulas para criar uma rede de prote��o para as mulheres negras da Baixada Fluminense. “Na rede p�blica, eu trabalho com alunos com necessidades especiais desde 2005. Mas comecei uma milit�ncia pol�tica h� 10 anos, no Sepe (Sindicato Estadual de Profissional de Educa��o), quando passei a atuar no movimento de mulheres por meio de um coletivo”, conta.
Rose faz oficinas de empoderamento das mulheres negras. “Duque de Caxias est� sempre entre as tr�s cidades mais violentas para as mulheres do Rio de Janeiro. Nosso coletivo tem um vi�s pedag�gico, que encaminha v�timas de viol�ncia para institui��es, mas tamb�m orienta no sentido de gerar renda, de reduzir a depend�ncia financeira por meio do empreendedorismo”, diz.
A lideran�a dentro da comunidade estimulou Rose a entrar para a pol�tica, sem deixar de lado a escola e, muito menos, a orienta��o �s mulheres negras. “Fui candidata nas �ltimas elei��es e tive 17 mil votos. Vou sair para vereadora no ano que vem”, revela. A plataforma de Rose: empoderamento da mulher negra, em especial da Baixada Fluminense.