
N�o � verdade que a vacina contra a gripe aumenta a chance de contamina��o pelo coronav�rus. Tamb�m n�o � verdade que m�scaras doadas pela China ao Brasil foram propositalmente infectadas. Assim como tamb�m n�o procede que m�dicos tailandeses conseguem curar a COVID-19 em 48 horas. Beber �gua a cada 15 minutos, ch� de bicarbonato com lim�o, caf�, erva-doce, gargarejo com vinagre, alho fervido e �gua t�nica n�o eliminam a doen�a do organismo. U�sque com mel tamb�m n�o.
Estas s�o algumas das 78 ‘not�cias’ falsas sobre o coronav�rus que tiveram que ser desmentidas pelo Minist�rio da Sa�de (www.saude.gov.br/fakenews) em seu site oficial.
O Brasil registra mais de 1,5 milh�o de casos de COVID-19 e j� passou da marca de 60 mil mortes confirmadas. Al�m da alta transmissibilidade do v�rus e de pol�ticas governamentais equivocadas, as fake news contribu�ram maci�amente para colocar o pa�s em segundo lugar no nefasto ranking de casos e de mortes causadas pela doen�a.
A popula��o brasileira � a que mais acredita em fake news no mundo. Essa conclus�o consta num levantamento realizado pela rede para mobiliza��o social Avaaz.org. Outra pesquisa, realizada pela empresa de ciberseguran�a Kaspersky, demonstra que 62% dos brasileiros n�o sabem identificar ou n�o t�m certeza se conseguem diferenciar se uma not�cia na internet � falsa ou verdadeira. Este mesmo estudo revelou que 16% dos latino-americanos desconhece completamente o termo ‘fake news’.
Voltada especificamente para informa��es falsas sobre o coronav�rus, outra pesquisa da Avaaz, realizada em abril deste ano, mostra que 94% dos brasileiros entrevistados viram pelo menos uma informa��o falsa sobre a doen�a. E que 73% acreditaram em, ao menos, um conte�do ‘desinformativo’ sobre a pandemia. Em n�meros absolutos, significa que 110 milh�es de brasileiros ca�ram em pelo menos uma mentira sobre a COVID-19.
O primeiro caso confirmado de COVID-19 no Brasil ocorreu em 26 de fevereiro. Entretanto, em janeiro j� circulava em grupos de WhatsApp uma corrente afirmando que o diretor do Hospital das Clinicas (sabe-se l� de qual cidade) afirmava que uma nova ‘gripe fatal’ poderia ser curada com ch� de erva-doce, pois o preparado caseiro teria ‘a mesma subst�ncia do medicamento Tamiflu’. Esse antigo boato j� circulava desde 2009, �poca do surto de gripe su�na, e foi ‘requentado’ ap�s surgirem os primeiros casos de coronav�rus na China.
A hist�ria da erva-doce foi a primeira ‘not�cia’ falsa que teve que ser desmentida pelo Minist�rio da Sa�de. Uma das mais recentes, tamb�m recha�ada pela pasta, � a de que o ministro interino da Sa�de, Eduardo Pazuello, teria publicado em suas redes sociais a seguinte mensagem: “Atestado de �bitos (sic) n�o poder�o mais notificar ‘suspeita de COVID-19’. Ter�o que fazer a contra-prova (sic) e constar apenas com o devido resultado positivo, a farra vai acabar”.
O primeiro ind�cio da mentira � que Pazuello n�o possui perfis em redes sociais. A segunda � a sequ�ncia de erros de portugu�s no texto, caracter�sticas t�picas das fake news. Outra s�o as express�es e palavras de ordem que d�o a falsa impress�o de que o usu�rio sempre est� desmascarando alguma farsa, como a recorrente frase “a farra vai acabar”.
A respeito das notifica��es de �bitos, o Minist�rio da Sa�de adverte: “Informamos que s�o inclu�dos nos n�meros oficiais os casos em que o resultado do teste foi positivo. Os casos de pacientes que vieram a �bito e o resultado do teste ainda n�o foi conclu�do constam como �bitos em investiga��o nos dados divulgados pela pasta”.
WhatsApp, o principal vil�o
A populariza��o das redes sociais concedeu aos usu�rios um poder at� pouco tempo concentrado apenas nas m�os dos grandes ve�culos de comunica��o: o de produzir e divulgar conte�do. Mas essa possibilidade tamb�m fez nascer em muitas pessoas o sentimento de que existe um compl� mundial das empresas de m�dia para esconder algumas informa��es da sociedade. A tradu��o para essa falsa ideia s�o as frases caracter�sticas que acompanham a maioria das fake news nas redes sociais: “Repassem antes que seja tarde” ou “Isso a m�dia tradicional n�o mostra”.
Uma das principais raz�es para a m�dia tradicional n�o noticiar certos fatos ou conte�dos em algumas ocasi�es � simples: �s vezes o tal ‘fato’ n�o ocorreu.
Informa��es falsas publicadas em redes como Facebook ou Twitter permitem que o usu�rio possa buscar com maior facilidade o respons�vel pela postagem. Entretanto, as famosas correntes que circulam pelo WhatsApp n�o s�o rastre�veis e tornam o aplicativo de mensagens o grande vil�o da desinforma��o.
Pesquisa desenvolvida pela Fiocruz mostra que 73,7% das informa��es e not�cias falsas sobre o coronav�rus circularam pelo WhatsApp. Outros 10,5% foram publicadas no Instagram e 15,8% no Facebook. A pr�pria funda��o que realizou o estudo muitas vezes tem seu nome envolvido no conte�do mentiroso. Entre essas fake news propagadas pelo WhatsApp, 71,4% citam a Fiocruz como fonte. No Facebook, as atribui��es � institui��o de pesquisa caem para 26,6%. A OMS e o Fundo das Na��es Unidas para a Inf�ncia (Unicef) somam 2% das institui��es citadas como fonte das informa��es falsas.
Segundo o fil�sofo e professor Pablo Ortellado, a altera��o de funcionalidades do WhatsApp � um fator de risco. Isso porque o aplicativo come�ou como uma ferramenta de mensagens privadas (partindo de um remetente para apenas um destinat�rio) e, com o tempo, foi adquirindo caracter�sticas de divulga��o de conte�do em massa (como conversas em grupo ou encaminhamento de uma mesma mensagem para m�ltiplos usu�rios), alcan�ando milh�es de pessoas.
“Mensagens que viralizaram no WhatsApp terminaram tendo impacto enorme no p�blico. Conseguimos medir isso por pesquisas de opini�o, que correntes de WhatsApp chegam a dezenas de milh�es de brasileiros”, disse Pablo em entrevista � r�dio CBN.
Segundo ele, o sigilo de mensagens � necess�rio quando se trata de envios individuais, mas deveria ser relativizado nos casos de remessas massivas.
“Essas correntes de WhatsApp t�m a mesma prote��o de sigilo aplicadas a mensagens de um para um. Isso � uma combina��o muito ruim. Permite que se lancem campanhas negacionistas sobre a COVID-19 ou atacando institui��es democr�ticas de maneira oculta, porque n�o � poss�vel encontrar o autor da mensagem. Muitas vezes, quem � alvo de uma campanha de desinforma��o que corre em determinados grupos nem fica sabendo”, declarou.
Projeto de lei das not�cias falsas est� na C�mara
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.630/2020, de autoria do Senador Alessandro Viana (Cidadania-SE), para instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transpar�ncia na Internet. O PL j� foi aprovado no Senado e agora ser� discutido na C�mara.
O projeto prev� medidas pol�micas e � visto por algumas entidades da sociedade civil ligadas aos direitos na internet como amea�a � liberdade de express�o, � privacidade dos usu�rios e � inclus�o digital.
Pablo Ortellado, que tamb�m coordena o Grupo de Pesquisa em Pol�ticas P�blicas para o Acesso � Informa��o (Gpopai), tem atuado em conjunto com parlamentares para tentar melhorar o sistema de identifica��o de autores de informa��es falsas.
“Trabalhamos junto com senadores para introduzir a rastreabilidade no WhatsApp. Mas ele s� recolheria dados quando a mensagem � enviada para grupos quando tem mais de cinco encaminhamentos. Quando � enviada de um para um, os dados n�o s�o recolhidos. O conte�do e a origem da mensagem ficariam arquivados por tempo determinado e s� seriam exibidos por ordem judicial”, explica.
Maus exemplos
Desde o in�cio da pandemia, o presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro (sem partido), tem assumido postura negacionista com rela��o � COVID-19, minimizando o potencial de letalidade da doen�a e defendendo uma ‘volta � normalidade’, com o fim das medidas de isolamento social. Em alguns casos, para tentar fundamentar sua narrativa, Bolsonaro recorreu ao compartilhamento de discursos de terceiros. Por�m, nem sempre o conte�do era verdadeiro.
No dia 1º de abril, Bolsonaro compartilhou um v�deo em que um homem alegava falsamente que a Ceasa de Minas Gerais estava desabastecida. Ap�s grande repercuss�o, o presidente apagou o v�deo e chegou a assumir o erro.
Ainda em abril, numa tentativa de desmerecer a OMS, ele publicou uma lista de supostas “diretrizes para pol�ticas educacionais” do �rg�o, em que aparecia recomenda��es sobre masturba��o e rela��es homossexuais para crian�as de 0 a 6 anos. No texto, Bolsonaro dizia: “Essa � a OMS que muitos dizem que devo seguir no caso do coronav�rus. Dever�amos ent�o seguir tamb�m suas diretrizes para pol�ticas educacionais?”. Poucos minutos ap�s a postagem, o texto foi deletado.
Winston Churchill, o Primeiro-ministro do Reino Unido durante a 2� guerra mundial. Mais prof�tico imposs�vel! pic.twitter.com/lX3cdIWYQY
%u2014 Eduardo Bolsonaro%uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 (@BolsonaroSP) June 1, 2020
No in�cio de junho, o Facebook marcou como ‘informa��o falsa’ uma publica��o do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O post continha a frase ‘Os fascistas do futuro, (sic) se chamar�o a si mesmos de antifascistas’, atribu�da a Winston Churchill, mas que nunca foi dita pelo ex-primeiro ministro brit�nico. Seu irm�o, o senador Fl�vio Bolsonaro, tamb�m fez um post com a frase no Twitter.
Perfil das mentiras
Informa��es falsas denunciadas por meio do aplicativo Eu Fiscalizo entre os meses de abril e maio
- 24,6% afirmam que a COVID-19 � uma estrat�gia pol�tica;
- 15,9% se referem � doen�a como uma farsa;
- 10,1% ensinam m�todos caseiros para prevenir o cont�gio;
- 10,1% defendem o uso da cloroquina e hidroxicloroquina sem comprova��o de efic�cia cient�fica
- 7,2% s�o contra o distanciamento social;
- 5,8% ensinam m�todos caseiros para curar a COVID-19;
- 5,8% afirmam que o novo coronav�rus foi criado em laborat�rio;
- 4,3% declaram o uso de ivermectina como cura para a doen�a;
- 4,3% s�o contra o uso de m�scaras;
- 2,9% difamam os profissionais de sa�de.
- 2,9% s�o contra o uso de �lcool em gel;
- 2,9% incluem o coronav�rus em alguma teoria conspirat�ria;
- 1,4% declaram ter a causa do �bito de parentes alterada para COVID-19;
- 0,4% consistem em charlatanismo religioso, com tentativa de venda de artefatos para a cura da doen�a.
Fonte: Estudo desenvolvido pela Escola Nacional de Sa�de P�blica da Funda��o Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz)