
O pa�s tem acompanhado uma hist�ria que, a princ�pio, parecia um assustador acidente dom�stico, mas mostrou-se algo mais assombroso. Na �ltima ter�a-feira, Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl, 22 anos, foi picado por uma cobra naja e entrou em coma.
Mas, al�m da equipe m�dica que agiu para salvar a vida do rapaz, o epis�dio mobilizou tamb�m a Pol�cia Civil do Distrito Federal, que precisou entender como a serpente, de origem asi�tica, havia chegado � casa do estudante de medicina veterin�ria. A busca pela resposta revelou dezenas de animais mantidos em criadouros clandestinos, incluindo cobras de v�rias esp�cies, lagartos, enguias e at� tubar�es. Um novelo cujo desenrolar parece levar a um esquema de tr�fico de animais silvestres na capital do pa�s.
A pr�tica de tr�fico internacional de animais ainda n�o foi comprovada, mas especialistas que atuam no combate a essa atividade veem todos os sinais do crime na hist�ria brasiliense. Nos �ltimos anos, cresceu imensamente o interesse de brasileiros por serpentes ex�ticas, dando uma nova cara a esse mercado clandestino no pa�s. “O Brasil, por ser grande detentor de biodiversidade, sempre figurou como exportador de animais ex�ticos vendidos ilegalmente. O que tem mudado nos �ltimos anos � o papel do Brasil, que passou a ser, tamb�m, importador ilegal de animais”, diz o coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tr�fico de Animais Silvestres (Renctas), Dener Giovanini.
Durante cinco meses, a ONG de Giovanini infiltrou-se em 250 grupos de WhatsApp brasileiros dedicados � comercializa��o de animais silvestres e ex�ticos e acompanhou mais de 3,5 milh�es de mensagens. A maioria dos grupos � intermediada por comunidades do Facebook, que chegam a reunir mais de 100 mil pessoas. Chama a aten��o a crescente presen�a de jovens nas negocia��es clandestinas. “Eles t�m se tornado, cada vez mais, colecionadores de serpentes. E, como em todo hobby, existem os trof�us, que s�o as mais perigosas, mais pe�onhentas e mais dif�ceis de achar”, diz o coordenador.
Imporante lembrar tamb�m que no Brasil � poss�vel fazer a cria��o de animais ex�ticos de forma legal.
“N�o � barato”
No monitoramento — ocorrido entre abril e agosto de 2019 e que rendeu uma den�ncia encaminhada � Pol�cia Federal e ao Minist�rio P�blico Federal —, a ONG descobriu que uma naja africana ou asi�tica custa at� R$ 7 mil no mercado ilegal. Se a cobra for nascida em territ�rio brasileiro, em criadouro clandestino, � negociada a pre�os mais baixos, com um filhote valendo em torno de R$ 1 mil. Em um dos an�ncios captados pela Renctas, uma naja de mon�culo, a mesma esp�cie que picou Pedro Henrique, � oferecida com um alerta: “N�o � barato. N�o � para quem come�ou o hobby agora. Tenho casal dispon�vel”.
Cart�es de cr�dito e d�bito e dep�sitos em conta banc�ria s�o os m�todos mais comuns de pagamento, mas rel�gios e joias tamb�m s�o aceitos em troca ou como parte do valor pago pelos animais. � comum, ainda, os traficantes de serpentes agendarem encontros para a entrega de animais pe�onhentos em shopping centers, transportando-os em mochilas.
Ainda segundo levantamento do Renctas, as serpentes que chegam ao Brasil s�o provenientes, principalmente, da �frica, �sia e Austr�lia, e entram no pa�s pelas fronteiras com Suriname, Guiana e Uruguai. Entre as ex�ticas regularmente traficadas est�o as najas, a king snake (cobra-rei), as mambas-negras e verdes, a v�bora-do-gab�o e a taipan-do-interior, considerada a esp�cie mais venenosa do mundo. Essas s�o serpentes que se adaptam bem ao Brasil, e o monitoramento identificou a queda no pre�o desses animais, um sinal de que est�o sendo reproduzidas em cativeiro no pa�s.
Riscos ambientais
Estima-se que o tr�fico de animais silvestres movimente, aproximadamente, US$ 20 bilh�es por ano em todo o mundo. O Brasil, acredita Giovanini, � respons�vel por 15% desse mercado, que, al�m de expor os animais a situa��es de maus-tratos, gera uma s�rie de riscos, tanto para quem compra quanto para a popula��o em geral. Animais, quando n�o manejados adequadamente, podem escapar e entrar em resid�ncias. O crime tamb�m amea�a o equil�brio ecol�gico e eleva os riscos sanit�rios para a popula��o.
“A intera��o entre animais e o ser humano n�o � considerada boa porque animais silvestres podem ser vetores de doen�as letais para os seres humanos. A mesma coisa � o inverso, quando o homem invade o habitat do animal, ele tamb�m est� sujeito a adquirir doen�as. � o caso do coronav�rus, por exemplo, que surgiu, possivelmente, da intera��o entre o animal silvestre e o homem”, ressalta o bi�logo Jair Neto Vieira.
Existe, tamb�m, o risco evidente para quem adquire um animal silvestre, como mostrou o epis�dio com Pedro Henrique. “� uma situa��o complexa e grave. A hist�ria ocorrida em Bras�lia serve para alertar pais de jovens e adolescentes, principalmente porque n�o h� soro antiof�dico no Brasil para alguns desses animais traficados”, ressalta Marco Freitas, herpet�logo e analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio).
Freitas diz n�o ter d�vidas sobre a exist�ncia de uma rede de tr�fico de animais no DF. “Bras�lia est� vivendo o caos do tr�fico de animais. O que se descobriu n�o � nem a ponta do iceberg ainda”, afirma. A mesma certeza tem o delegado Willian Ricardo, da 14ª Delegacia de Pol�cia (Gama), respons�vel pelas investiga��es iniciadas ap�s o epis�dio da naja. “Os envolvidos n�o disseram como conseguiam as serpentes. H� suspeitas de que, possivelmente, eles iam comercializar as cobras apreendidas”, diz.
Entrega volunt�ria
A legisla��o brasileira permite a cria��o de serpentes como animais de estima��o, contanto que n�o sejam pe�onhentas. Para isso, o interessado deve solicitar autoriza��o ao �rg�o ambiental estadual e seguir regras para a cria��o, como mant�-la em local apropriado. Quem mant�m animais silvestres ou ex�ticos de forma irregular pode fazer a entrega volunt�ria ao Ibama em todas as unidades do pa�s, sem sofrer puni��o.