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Estado de Minas PERNAMBUCO

M�dico que conduziu aborto da menina de 10 anos j� foi excomungado duas vezes

Ol�mpio Moraes Filho, diretor m�dico atacado por radicais religiosos e, alvo da Igreja Cat�lica, foi exclu�do da comunidade duas vezes, uma pelo mesmo procedimento


17/08/2020 16:05 - atualizado 18/08/2020 21:50

Olímpio Moraes Filho, médico e obstetra(foto: Annaclarice Almeida/DP/D.A. Press)
Ol�mpio Moraes Filho, m�dico e obstetra (foto: Annaclarice Almeida/DP/D.A. Press)
De bra�os dados, dezenas de ditos religiosos fazem ora��o em frente � unidade de sa�de antes de tentar invadi-la for�ando portas de vidro � for�a. Gritam “assassino” e rogam pela vida, querendo exigir que uma crian�a de 10 anos, estuprada pelo tio, termine de gestar um feto, mesmo que isso lhe custe a sua. As m�ltiplas viol�ncias registradas na tarde deste domingo (16), em frente a um hospital do Recife, n�o s�o novidade para o diretor m�dico e obstetra Ol�mpio Moraes Filho, “excomungado duplamente” pela Igreja Cat�lica, uma delas por fazer o mesmo procedimento, com assustadora semelhan�a, mas numa menina de 9 anos de Alagoinha, no interior de Pernambuco, tamb�m estuprada, mas ent�o gr�vida de g�meos.

Nascida no Esp�rito Santo, a garota foi submetida � medica��o e o feto, de �bito j� confirmado, foi expelido com seguran�a, ap�s uso de rem�dios naturais. Por procedimento de seguran�a, ela passar� por uma curetagem, em busca de qualquer res�duo que possa trazer problemas reprodutivos para a paciente no futuro e a alta m�dica � esperada dentro das pr�ximas 24h. De acordo com a equipe m�dica, apesar da dimens�o dos protestos, garota, m�e e av� passara praticamente sem perceber qualquer movimenta��o, por estarem em leito protegido, inclusive do barulho.

Um abaixo-assinado foi criado para punir os religiosos que perturbaram o ambiente hospitalar em protesto neste final de semana. Al�m de lidar com a press�o na unidade de sa�de, a garota teve os direitos infantis novamente violados ao ter a identidade e hospital de atendimento revelados por uma extremista conhecida da ala governista, que se diz preocupada em preservar a vida de uma crian�a n�o nascida, expondo outra, na contram�o do que explicitamente prega o Estatuto da Crian�a e do Adolescente.

Acostumado com os xingamentos e maldi��es que lhe s�o lan�ados, dr. Ol�mpio, como � conhecido, h� muito fez as pazes com seu conforto espiritual. Teme pela m�e, religiosa, sofre de preocupa��o com as dana��es propostas a plenos pulm�es por fi�is que dizem seguir ensinamentos como “amai ao pr�ximo como a si mesmo” e “quem dentre v�s n�o tiver pecado, que atire a primeira pedra”. Apedrejado, at� n�o foi, mas j� foi alvo de bomba de tinta vermelha em protesto em turma de medicina, dentro de uma universidade federal, quando a pecha de “assassino” quase fazia parte de seu cotidiano.

A primeira vez que foi excomungado (e, para efeitos pr�ticos, a “definitiva e n�o midi�tica”) foi por se envolver - e acabar sendo apontado como respons�vel - pela campanha de controle de natalidade da secretaria de sa�de durante o carnaval de Pernambuco em 2006. Naquele ano, o governo passou a distribuir a chamada “p�lula do dia seguinte” gratuitamente, para a popula��o. A ousadia de impedir gravidezes indesejadas e evitar previamente abortos clandestinos lhe rendeu a puni��o m�xima no rito crist�o cat�lico.

N�o fosse o bastante, em 2008, no caso que mais evidenciou sua carreira, soube pela TV de uma menina de 9 anos levada ao Recife gr�vida do padrasto. Com press�o de todos os lados, unidades de sa�de da capital pernambucana iam desistindo de realizar o procedimento, temendo o fim das doa��es de revoltados donos de bolsos fundos que “n�o contribuiriam para hospital aborteiro”. Por telefone, combinou um carro escondido para levar a garota ao Cisam, o Centro Integrado de Sa�de Amaury de Medeiros, ligado � Universidade de Pernambuco, o qual dirige at� hoje. A unidade foi a segunda do pa�s a ser autorizada a promover abortos legais e, desde 1996, recebe pacientes de v�rios estados brasileiros para realizar os procedimentos amparados na lei, que o prev� em caso de risco de morte da m�e, estupro ou anencefalia do feto.

Autorizou o procedimento na mesma noite. Por semanas, estampava o notici�rio tendo o nome completo repudiado at� pela Arquidiocese de Olinda e Recife. O arcebispo, ent�o dom Jos� Cardoso Sobrinho bradava “quando a lei dos homens � contr�ria � lei de Deus, esta lei n�o tem valor”, ao excomungar novamente aquele que a pr�pria Igreja Cat�lica j� n�o considerava dos seus, dado o “vil” procedimento; pautado na ci�ncia e no direito, em nome da integridade de uma menina de 1m32, 36 kg, � qual muitos queriam impor suportar a maternidade que n�o lhe cabia.

Hoje, aos 57 anos, ele continua tendo como um de seus mantras profissionais as palavras do ex-presidente da Federa��o Internacional de Ginecologia e Obstetr�cia Mahmoud Fathalla, que dizia: “as mulheres n�o morrem porque sua doen�a n�o pode ser tratada; elas est�o morrendo porque as sociedades ainda n�o tomaram a decis�o que suas vidas devam ser salvas” - frase que utilizou mais de uma vez em artigos e palestras. Foi ele quem acompanhou o protocolo e, mais uma vez, se viu v�tima de rep�dio religioso. N�o � ele quem ministra o medicamento, mas sua caneta � a que d� o sinal verde - para muitos, esse � seu pecado.

Nesta segunda-feira (17), como no epis�dio registrado h� 12 anos, voltou a usar os ve�culos de comunica��o para criticar os profissionais de sa�de que fazem cumprir a lei. "Decepciona-nos perceber que ainda existam profissionais de sa�de que se prestam � pr�tica do aborto. Este ato, mesmo com autoriza��o judicial, n�o deve ser feito por uma pessoa de f� ou at� incr�dula consciente, por uma quest�o de respeito � Lei de Deus ou simplesmente por princ�pio �tico, baseado no valor inviol�vel da vida", declarou o atual arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido.

Criado por fam�lia cat�lica, Ol�mpio Moraes hoje se diz agn�stico, mas nem cr�ticas, nem excomunh�o pesam em sua consci�ncia, cr�dula apenas de seu dever. As semelhan�as com o passar do tempo s�o diversas, mas, segundo o m�dico, a realidade e press�o, agora, s�o piores. "Antes eu tinha que lidar apenas com o arcebispo, agora, tamb�m tenho que lidar com os pol�ticos; a bancada religiosa praticamente n�o existia e agora fazem uma press�o mais sentida. A realidade s� tem piorado", garante, por telefone, no Recife. Questionado sobre a possibilidade de mais uma excomunh�o, numa esp�cie trindade �s avessas, o obstetra d� de ombros, como quem pega emprestado dose extra de paci�ncia: "minha preocupa��o � apenas a de fazer o certo".


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