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Estado de Minas #PRAENTENDER

Como a pornografia distorce o sexo e incita viol�ncia contra mulheres

Especialistas explicam como o porn� distorce as rela��es sexuais e afetam at� quem n�o consome esses conte�dos. Veja v�deo


20/11/2020 13:40 - atualizado 27/12/2020 13:36

Tapa na cara, garganta profunda, simula��es de estupro e mulheres sendo violentadas das mais diversas formas s�o roteiros padr�es de um filme porn�. Performances que  acabam educando de forma distorcida sobre o que � sexo e consentimento, al�m de normalizar a viol�ncia contra mulher. Na segunda reportagem da s�rie Viol�ncias para o canal #PRAENTENDER, o Estado de Minas conversa com uma psic�loga e ativistas antipornografia para debater os efeitos desses conte�dos na nossa sociedade. E, acredite: assistindo ou n�o pornografia, ela pode afetar seu namoro, casamento e qualquer rela��o sexual.

 

Assistir a um v�deo porn� pode at� parecer um gesto inofensivo, algo s� para entretenimento e prazer. Mas, n�o �. O consumidor desses conte�dos n�o s� contribui com uma ind�stria bilion�ria, que lucra com a explora��o do papel da mulher e at� de crian�as, como aprende que aquilo � sexo.

 

“A pornografia afeta o sexo em tudo. Quando falamos que a ind�stria da moda influencia a nossa roupa, todo mundo concorda. Quando falo que a ind�stria do sexo influencia no nosso sexo, as pessoas falam 'n�o'. Mas, sim. Os nossos padr�es do que � legal ou n�o no sexo foram moldados pela ind�stria pornogr�fica”, afirma Izabella Forzani, advogada e administradora da p�gina Recuse a Clicar, que atua na conscientiza��o sobre os impactos da pornografia na sociedade.

"Sempre que me perguntam sobre essa possibilidade de se empoderar atrav�s da nudez eu percebo quanto o feminismo e o pr�prio termo empoderamento foram deslocados do seu car�ter pol�tico e coletivo"

Izabella Forzani, advogada e administradora da p�gina Recuse a Clicar

No Brasil, 22 milh�es de pessoas assumem consumir pornografia, segundo pesquisa divulgada pelo canal Sexy Hot. A maioria (76%) s�o homens e 24% mulheres. Os n�meros tamb�m revelam que mais da metade desse p�blico (58%) � composta por jovens abaixo dos 35 anos. Durante a pandemia, os acessos a v�deos pornogr�ficos dispararam.



Levantamento do Pornhub, site mais visitado no mundo, mostra que na primeira quinzena de mar�o, m�s que marcou o in�cio do isolamento social em v�rias cidades brasileiras, o n�mero de pessoas que viram v�deos no Pornhub subiu 13% em rela��o ao come�o de fevereiro. A m�dia di�ria de acessos no Brasil aumentou desde ent�o e, at� meados de julho, o uso apenas desse site de pornografia j� havia crescido quase 40%. A taxa de aumento varia conforme o pa�s, em maior ou menor escala, mas a alta foi geral.

Prazer ou performance?

Quantas vezes voc� j� reproduziu posi��es desconfort�veis ou usou de agressividade como inspira��o no sexo s� por que viu em um v�deo porn�? Agora, voc� j� se perguntou e perguntou para sua parceira se aquela performance toda d� e proporciona prazer? Pois �, por tr�s dos malabarismos de posi��es sexuais do porn� se escondem armadilhas que s� distanciam os enredos er�ticos da vida real.

 

“O filme porn� ensina uma performance sexual que � p�ssima. O homem aprende a sentir prazer ao gozar com a sua pr�pria performance. O homem transa com a performance dele. � um mon�logo narc�sico. E a mulher finge muito para devolver o espelho de masculinidade dele para ele se sentir bom, para ele continuar a desejando. E, normalmente, o que se ensina no filme porn� n�o proporciona prazer � mulher”, afirma Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Cl�nica da Universidade de Bras�lia.

 

Erotiza��o da viol�ncia

O porn� tamb�m erotiza a aus�ncia do consentimento feminino. “� extremamente comum v�deos que mostram a 'for�a��o' de barra, simula��es de estupro ou com homens que pressionam at� a mulher ceder. Al�m disso tudo, ainda tem v�deos que mostram rela��es com mulheres drogadas, b�badas, dormindo e, at� mesmo, mortas”, comenta Izabella Forzani, do Recuse a Clicar.

 

Artigo publicado no Journal on Sexual Exploitation and Violence aponta que o infinito fornecimento de novas imagens que podem ser clicadas em segundos fundiram os conceitos de sexo e viol�ncia.

"N�s mulheres n�o aprendemos a desejar. Aprendemos a nos tornar desej�veis. E a gente sente prazer n�o pelo desejo que a gente tem pelo homem. Mas, pelo desejo que estamos provocando nele. Mulheres sentem prazer ao serem desejadas"

Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Cl�nica da Universidade de Bras�lia

Pesquisas sobre filmes populares da pornografia revelaram que em 88% das cenas havia agress�o verbal ou f�sica, geralmente contra a mulher. “Acho muito sintom�tico que hoje meninas adorem apanhar no sexo. Ser� que � realmente natural? Ou ser� que s�o meninas e meninos que foram criados a partir de sexo violento que temos na pornografia?”, questiona Izabella.

 

Padr�o irreal de beleza

A pornografia refor�a padr�es irreais de beleza. A regra s�o mulheres jovens, sem p�los, brancas, magras, genit�lias rosadas e seios grandes, simetrias est�ticas que o p�blico masculino deseja. O que n�o se enquadra nessa lista � considerado ex�tico ou fetiche, como mulheres negras, gordas, asi�ticas e l�sbicas, por exmplo. “A pornografia n�o inventou, mas os refor�a padr�es de beleza a todo o tempo. E as pessoas que acabam saindo desse padr�o t�m a autoestima muito afetada. Se vende (na pornografia) que aquele tipo de corpo � o corpo atraente”, explica  Izabella Forzani.


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Para os homens, a figura que representa masculinidade nas imagens tamb�m pode ser bem prejudicial. “A pornografia tamb�m traz o padr�o do corpo masculino irreal. O p�nis de um homem pode ser problem�tico para eles, como homens que n�o iniciam a vida sexual ativa por vergonha do p�nis, que n�o corresponde ao que ele v�”, comenta a advogada e administradora da p�gina Recuse a Clicar.

 

Outro efeito devastador da pornografia � como ela objetifica a mulher. No roteiro de um filme porn�, a mulher na maioria absoluta dos casos s� existe para dar prazer ao homem. � submissa, tem seus desejos ignorados, � violentada e infantilizada. Na l�gica da educa��o sexual �s avessas, a mulher tamb�m pode aprender com a pornografia a reproduzir performances e, muitas vezes, a fingir prazer dentro desse cen�rio violento. E nesse jogo de encena��o, a mulher incorpora o papel de ser um objeto.

 

“N�s mulheres n�o aprendemos a desejar. Aprendemos a nos tornar desej�veis. E a gente sente prazer n�o pelo desejo que a gente tem pelo homem. Mas, pelo desejo que estamos provocando nele. Mulheres sentem prazer ao serem desejadas”, afirma a doutora em psicologia Valeska Zanello. “Mulheres aprendem a sentir prazer em serem consideradas objeto muito desejado. A auto-objetifica��o � resultado desse processo”, acrescenta.

 

Do v�cio � conscientiza��o

O primeiro contato do fisioterapeuta Andr� Bazzo, 28 anos, com a pornografia foi ainda na inf�ncia, aos 11 anos, por meio de revistas. Aos 13 anos, quando chegou a internet banda larga em sua casa, a primeira coisa que ele fez foi pesquisar por pornografia. Come�ou vendo v�deos se sexo casual, mas as pesquisas por v�deos “mais leves” aumentaram a frequ�ncia at� o momento em que ele se deparou com imagens que representavam - se n�o eram verdadeiras de fato - um sexo cada vez mais violento.

A pornografia tinha se tornado um v�cio e Andr� viu sua vida sexual desmoronar. As rela��es com as parceiras eram sempre frustrantes por n�o corresponderem ao sexo representado nas telas. “Eu j� n�o conseguia ejacular transando com outras pessoas, s� me masturbando. Cheguei num ponto que, mesmo me masturbando com v�deo, eu j� n�o conseguia mais sentir prazer e ejacular”, conta o jovem.

 

Mas n�o era s� a vida sexual que andava mal. Andr� percebeu que os efeitos nocivos da pornografia afetava tamb�m a sua sa�de. “Parece que tem uma n�voa que deixa sempre a gente pra baixo. S� quem passou por isso vai entender, mas � como se eu sempre estivesse a 50%, 60% da capacidade do c�rebro. Nunca a 100%. Parece que tinha sempre alguma coisa me puxando para baixo”, explica Bazzo. Foram 15 anos de consumo di�rio de pornografia. A ficha de Andr� s� caiu sobre os problemas que vinha enfrentando tinha rela��o com a pornografia durante a pandemia.

 

Alerta para a realidade

Em mar�o de 2020, durante uma live com colegas de um grupo de dan�a, ele confidenciou os problemas sexuais que vinha enfrentando. Um participante chamou a aten��o dele para a quest�o dos efeitos do v�cio em pornografia. “Pensei: ‘Ser�?’. A�, decidi parar de ver v�deos porn� pra testar se era aquilo mesmo’”, conta. E era. Nas primeiras semanas, ele j� sentiu os resultados positivos. “Passou umas tr�s semanas e eu comecei a notar a diferen�a. Tenho d�ficit de aten��o, percebi que estava muito mais concentrado, mais disposto. N�o estava t�o cansado”, recorda o jovem.

A rela��o sexual tamb�m mudou depois de interromper o consumo de pornografia. “N�o preciso mais de performar, n�o tenho mais tanta pressa para fazer as coisas. Posso desfrutar da situa��o. Eu converso mais durante o sexo. Posso desfrutar mais da companhia da pessoa”, comenta. Al�m disso, est� mais atento ao prazer da parceira. “Hoje, presto mais aten��o, converso. Eu tentava adivinhar o que a pessoa estava pensando, olhando para a cara dela. E era cr�tico quando a mulher n�o fazia algo que eu achava que era normal a ser feito”, acrescenta.

 

Andr�, agora, dedica parte do seu tempo para ajudar quem que est� passando pelo mesmo problema. Ele criou a p�gina @chegadepor_nografia, no Instagram, na qual compartilha sua experi�ncia e alerta outras pessoas sobre os riscos e efeitos nocivos da pornografia.

 

"Como a pornografia quase me matou como artista"

O tatuador Rafael Trabasso, de 34 anos, tamb�m foi viciado em pornografia. Embora tenha tido acesso a revistas de sexo expl�cito desde a adolesc�ncia, o problema s� passou a impactar diretamente em sua vida aos 21 anos. Na �poca, morava na capital paulista, onde trabalhava e dividia apartamento com amigos. “Em 2007, a gente contratou servi�o de banda larga. Eu tinha um quarto s� meu, com computador e internet r�pida. Foi nessa �poca que eu entrei nessa onda. Ao longo do tempo se tornou um h�bito di�rio pra mim”, recorda.

 

O artista visual conta que passou muito tempo sem questionar o novo h�bito que j� vinha consumindo boa parte do seu tempo livre. Depois de oito anos nessa rotina de assistir a v�deos porn�s diariamente, Rafael se deu conta que estava diante de um grande problema.

"Em 2014, eu j� estava vivendo da minha arte e me vi numa situa��o em que minhas contas estavam todas atrasadas. Eu n�o estava produzindo, n�o conseguia trabalhar no ritmo que eu precisava para me manter. Vivia sem energia. Estava j� numa situa��o meio depressiva, me alimentando mal. Tudo vai ficando para tr�s”, relembra o tatuador. A vontade de ver pornografia s� aumentava. “Passei a consumir pornografia muito mais do que estava acostumado. Era coisa de tr�s a cinco vezes por dia que eu acessava esses sites”, conta Trabasso. Nessa �poca, ele entendeu que estava no fundo do po�o.

 

“Foi num dia desses que eu resolvi pesquisar na internet se existia isso, se eu era viciado, se tinha um jeito de parar. Foi quando eu descobri esse movimento do reboot”, recorda. Reboot, ou reinicializa��o como mais tarde Rafael define em um texto para o site Papo de Homem, � o primeiro passo para deixar se livrar do v�cio da pornograria. “� um per�odo de completa abstin�ncia de pornografia e est�mulos sexuais artificiais at� que seu c�rebro volte a funcionar normalmente. O tempo m�nimo indicado para essa viv�ncia � de 90 dias”, escreveu o jovem.

 

Reviravolta sobre o v�cio

Rafael Trabasso deu uma reviravolta na sua rela��o com a pornografia. De viciado passou a ser refer�ncia no debate sobre o tema no pa�s. O processo de metamorfose fez com que ele pesquisasse muito sobre o tema que j� vinha sendo debatido e estudado l� fora, mas que, em 2015, nada ainda se falava no Brasil. “J� existiam v�rios homens falando sobre o reboot, mas tudo em ingl�s, em sites estrangeiros”, conta.

“Eu comecei a fazer os exerc�cios, as t�cnicas de parar. E foi trabalho de uns dois anos, at� eu conseguir me sentir bem”, relata. A partir dessa viv�ncia, ele come�ou a escrever sobre o reboot e a compartilhar sua experi�ncia. O primeiro texto sobre o movimento em portugu�s foi escrito por Rafael, publicado em blog pessoal e depois disseminado em diversas plataformas e ve�culos de comunica��o. Em 2016, ele foi convidado a participar do TEDx Blumenau, em Santa Catarina. O v�deo da palestra, intitulada “Como a Pornografia quase me matou como artista”, acumula mais 500 mil visualiza��es no YouTube.

 

Quest�o de sa�de p�blica

A pornografia tem se tornado um problema descontrolado, que cresce em segredo e em sil�ncio . A quest�o � t�o grave que alguns estados norte-americanos j� t�m tratado a pornografia como quest�o de sa�de p�blica. O Pa�s de Gales definiu que educa��o sexual ser� disciplina obrigat�ria no curr�culo escolar a partir de 2022. O objetivo � que crian�as e adolescentes, outro p�blico alvo da pornografia, aprendam a se manter seguros e a reconhecer relacionamentos n�o saud�veis.

 

Na vis�o de Rafael, que quase viu sua vida ser interrompida pelos efeitos nocivos da pornografia, o Brasil tamb�m deveria tratar o tema como uma problema de sa�de p�blica. “Pessoas est�o sendo viciadas e perdendo o controle de suas vidas, relacionamentos est�o sendo destru�dos. Crian�as e adolescentes que ainda nem seguraram na m�o e deram um beijinho, j� assistiram formas extremas de pornografia. Eu acho isso devastador”.

 


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