
Com a lenta vacina��o no Brasil em meio � pandemia de COVID-19, os grupos priorit�rios (77,2 milh�es de pessoas) n�o estar�o imunizados antes de setembro, segundo proje��es de especialistas ouvidos pelo Estad�o. Qualquer previs�o mais otimista, explicam os cientistas, depende que sejam vacinados pelo menos um milh�o de indiv�duos por dia, continuamente. Na �ltima quinta-feira, dia 1º, pela primeira vez desde o in�cio da campanha, o Pa�s conseguiu imunizar pouco mais de um milh�o de pessoas. Na sexta, 2, no entanto, o n�mero voltara ao patamar de 300 mil.
O Programa Nacional de Imuniza��es (PNI) tem capacidade para vacinar pelo menos dois milh�es de pessoas por dia. Mas precisa ter doses dispon�veis. Como o governo federal n�o garantiu a compra em 2020 - diferentemente do que fizeram Estados Unidos e Europa -, o Brasil agora enfrenta problemas. Tem dificuldades para a aquisi��o de imunizantes prontos e tamb�m de Insumo Farmac�utico Ativo (IFA) - mat�ria-prima necess�ria � produ��o nacional de vacinas no Instituto Butantan, em S�o Paulo, e em Biomanguinhos/Fiocruz, no Rio.
Por causa dessas dificuldades, frequentemente o Minist�rio da Sa�de revisa para baixo o n�mero de doses entregues ao PNI. A campanha de vacina��o j� foi interrompida v�rias vezes por falta de imunizantes. No dia 31, o ministro Marcelo Queiroga voltou a baixar a previs�o de entrega de vacinas em abril de cerca de 40 milh�es para 25 milh�es de doses. Mesmo assim, no mesmo dia, o governo anunciou que pretendia vacinar 80 milh�es de pessoas (metade da popula��o eleg�vel para receber a vacina) at� metade do ano. Para a imuniza��o, s�o necess�rias duas doses.
Para especialistas, s� seria poss�vel atingir o n�mero prometido pelo governo se a partir de hoje vacin�ssemos pelo menos um milh�o de pessoas por dia de forma continuada, sem redu��es ou interrup��es. Atualmente, parece imposs�vel. Segundo cientistas, esse fluxo cont�nuo s� dever� estar dispon�vel em setembro, quando Biomanguinhos come�a a produzir o IFA da vacina de Oxford/AstraZeneca. Mesmo esse cronograma pode mudar, j� que a assinatura do contrato de transfer�ncia de tecnologia entre AstraZeneca e Fiocruz est� atrasado h� quatro meses.
J� pelo cronograma do Butantan, a produ��o do IFA da Coronavac s� dever� ocorrer em larga escala a partir do in�cio do ano que vem.
"Se a gente conseguisse chegar a 1,5 milh�o de vacinados por dia, em abril concluir�amos o grupo 1 das prioridades", diz o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas. "A� daria para concluir todas as prioridades at� agosto, setembro, e o restante da popula��o, at� o fim do ano. Mas acho pouco prov�vel que isso aconte�a porque toda vez que o Minist�rio da Sa�de anuncia uma meta, ele a corrige logo depois."
Coordenador da Rede An�lise COVID-19, Isaac Schrarstzhaupt explica a matem�tica: "Para metade da popula��o receber uma dose at� o meio do ano, ter�amos de vacinar, j� a partir de agora, 970 mil por dia; para duas doses, seriam praticamente dois milh�es por dia."
Incertezas
Mas o cen�rio de incerteza e imprevisibilidade sobre quando novas doses estar�o de fato dispon�veis impedem um planejamento. "N�o sabemos de verdade com o que podemos contar. E � muito dif�cil trabalhar com essa pol�tica de distribuir vacina a conta-gotas", afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imuniza��es de 2011 a 2019.
"A falta de um cronograma confi�vel impede qualquer planejamento adequado", concorda Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es. "Quem est� na ponta tem muita dificuldade. Como � que se planeja uma vacina��o sem ter em m�os a mat�ria-prima fundamental, que � a vacina?", questiona.
Como a previs�o de recebimento de vacinas para abril j� foi revista, os especialistas acham pouco prov�vel manter o ritmo. "Com as frequentes revis�es para baixo que o minist�rio tem feito em rela��o � aquisi��o e oferta de vacinas, � bastante improv�vel que no primeiro semestre consigamos aumentar (e manter) a velocidade para um patamar que possamos chamar de vacina��o em massa - algo entre um milh�o a dois milh�es de pessoas vacinadas por dia, por falta de insumos. S� podemos come�ar a vislumbrar algo para o segundo semestre", afirma o infectologista Alexandre Naime Barbosa, da Unesp.
Para os especialistas, o maior erro foi n�o ter comprado as vacinas quando elas estavam dispon�veis, ainda no ano passado. "Houve uma neglig�ncia inaceit�vel por parte do governo federal", complementa Barbosa.
Especialista em gest�o de sa�de e integrante do Comit� de Combate ao Coronav�rus da UFRJ, Chrystina Barros acredita que s� conseguiremos ter vacina��o em massa sustent�vel a partir de setembro. Ser� quando o Brasil j� estar� produzindo o seu IFA e n�o precisar� import�-lo para fazer seus imunizantes anti-COVID-19. "N�o temos um cronograma fidedigno", refor�a. "S� conseguiremos ter autossufici�ncia quando Butantan e Fiocruz j� tiverem conclu�do as novas plantas e iniciarem a fabrica��o do IFA. S� conseguiremos respirar quando tivermos produ��o pr�pria", diz.
Consequ�ncia
Al�m de custar milhares de vidas, a lentid�o favorece tamb�m o surgimento de novas variantes do Sars-Cov-2. O alerta � do virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale (RS), especialista em muta��es. "Com s� uma parcela da popula��o imunizada e muita gente suscet�vel, temos as condi��es darwinianas para o surgimento e sele��o de novas variantes e, com o tempo, o aumento da resist�ncia ao imunizante", diz. "Esse processo precisa ser estancado. Sem mais vacinas dispon�veis, a �nica forma de fazer isso � com restri��o da mobilidade, coisa a que os gestores s�o refrat�rios."