
Associada a adultos e adolescentes, a depress�o tamb�m atinge crian�as. Entre os pequenos, � mais rara (cerca de 1% das crian�as) e dif�cil de ser diagnosticada: os pais resistem a acreditar que o filho pequeno tem depress�o, podem achar que � birra. E as crian�as nem sempre conseguem nomear o que sentem. A pandemia e o isolamento social formam a "tempestade perfeita" para o aumento de casos de depress�o. Isso porque, segundo especialistas, crescem fatores de risco que podem desencadear o problema e diminuem as chances de prote��o.
"Ele estava ap�tico, n�o queria brincar", conta Laura, m�e de Lucas, de 33 anos, consultora de imagem. A reportagem usa nomes fict�cios dos pais e das crian�as para preservar as fam�lias. Para ela, a separa��o do marido no in�cio de 2020, seguida da pandemia, contribuiu para o quadro do filho. E a m�e se culpava e se perguntava: "Ser� que eu provoquei isso?".
Diferentemente da tristeza, primeira lembran�a ao se falar em depress�o, a doen�a nas crian�as se manifesta na forma de irrita��o. "Se tirar um brinquedo do lugar, � pass�vel de c�lera. Fica extremamente aborrecida com coisas do dia a dia", diz Kleber Oliveira, psiquiatra da Inf�ncia e Adolesc�ncia e membro da diretoria da Associa��o Brasileira de Pediatria (ABP). S� esse sintoma, por�m, n�o � suficiente para que m�dicos suspeitem de depress�o.
"� uma somat�ria de sintomas e sinais", explica Lee Fu-I, coordenadora do Programa de Assist�ncia a Transtornos de Humor na Inf�ncia e Adolesc�ncia do Instituto de Psiquiatria da Universidade de S�o Paulo (USP). Outro sinal � a falta de prazer com momentos antes prazerosos, como brincar ou fazer bolo com os pais - a crian�a recusa. H� ainda dificuldade para dormir, mudan�a no apetite e at� nas notas.
Sem conseguir expor o que sentem, crian�as pequenas podem manifestar dores emocionais em sintomas f�sicos, como dor de cabe�a ou de barriga. E, em casos mais graves, falam em morte ou desejo de morrer, o que, se n�o for tratado, pode levar ao suic�dio - algo raro em crian�as com menos de 12 anos.
Cientistas ainda n�o determinaram todas as causas da depress�o infantil, mas h� consenso de que � desencadeada pela gen�tica ou fatos externos, como perda de parente ou div�rcio dos pais. Na pandemia, o luto ganha outra conota��o: n�o � s� a morte, mas a perda da vida como era antes da covid-19 e a falta de perspectiva de retom�la. Nesse quesito, quase ningu�m sai ileso. Crian�as perderam contato com escola, amigos, parentes. Em casa, notam o estresse familiar e o medo.
No fim do ano passado, Luiz, de 7 anos, dizia � m�e: "Sou triste". "Foi quando percebi que precisava procurar ajuda", conta Maria, de 38 anos. Parentes, segundo ela, foram contr�rios � busca de ajuda profissional porque viam a fala do garoto como "frescura".
A fam�lia, de Araraquara, no interior paulista, passou por mudan�as: de casa, de emprego. Um amigo pr�ximo se afastou. "Na cabe�a dele, tinha perdido tudo", diz a m�e, influenciadora digital. Luiz tamb�m chorava todos os dias e deixou de brincar e conversar com amigos no WhatsApp.
Busca por ajuda
Nos consult�rios de psiquiatras e pediatras, n�o param de chegar crian�as com sintomas de depress�o e ansiedade. O desafio dos m�dicos, agora, � entender se os relatos s�o, de fato, depress�o ou transtornos transit�rios, provocados pelo momento de estresse a que crian�as e adultos est�o submetidos na pandemia.
Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP que investigou a sa�de mental de jovens na pandemia identificou sintomas de ansiedade ou depress�o em 27% das 7 mil crian�as e adolescentes, de 5 a 17 anos. A taxa foi considerada alta pelo coordenador do estudo, o professor da USP Guilherme Polanczyk. "N�o significa que est�o com depress�o, mas t�m sintomas sugestivos e merecem avalia��o."
Para especialistas, � prov�vel que a crise sanit�ria leve a um aumento das taxas da doen�a nessa faixa et�ria. "Jovens e crian�as que n�o teriam a depress�o v�o ter por causa da pandemia. E muitos j� tinham suscetibilidade pr�via e, com esses fatores de risco, desencadeiam algo que estava latente."
Professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Christian Kieling diz que ainda � cedo para associar a pandemia a aumento das taxas de depress�o infantil. Ele explica que h� um delay (demora) entre a exposi��o ao estresse e o desenvolvimento da doen�a. "O que temos � uma tempestade perfeita. Se isso se traduz em mais diagn�sticos de depress�o ainda n�o temos a resposta." Apesar disso, diz Kieling, crian�as em sofrimento emocional merecem aten��o profissional.
O tratamento � feito com psicoterapia e rem�dios, em casos graves. E deve envolver toda a fam�lia "Eu estava emocionalmente impactada. Foi dif�cil a separa��o e, na pandemia, vi minha renda cair drasticamente. Tamb�m estava enfrentando meus monstros", diz Laura, que participa de parte das sess�es de psicoterapia com Lucas. A fam�lia agora tenta estabelecer uma rotina mesmo na pandemia, apesar das incertezas - iniciativa destacada por especialistas como ben�fica para cuidar da sa�de mental de adultos e crian�as neste momento.
"Apesar de dif�cil, � bom tentar manter rotinas positivas, como atividades prazerosas com a fam�lia, desde leituras em conjunto a jogos. E ter uma boa rotina de sono", diz Magda Lahorgue, presidente do Departamento Cient�fico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e professora de Neurologia da PUC-RS.