As investiga��es em torno do gabinete paralelo, que orientou o presidente Jair Bolsonaro em medidas sobre o enfrentamento da pandemia do novo coronav�rus, apontam o tenente-m�dico Luciano Dias Azevedo, da Marinha, como figura central no esquema. O anestesista foi o autor da minuta do decreto que mudaria a bula da cloroquina, processo abortado depois da negativa do presidente da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), Antonio Barra Torres.
A proposta de mudan�a da bula de cloroquina foi apresentada ao presidente Jair Bolsonaro em 20 de abril. Naquele dia, Bolsonaro se reuniu com m�dicos defensores do tratamento precoce com o medicamento, como a imunologista Nise Yamaguchi. A interlocutores, a m�dica garante que s� tomou conhecimento da minuta no dia seguinte. O tenente Azevedo trabalhou sob a supervis�o de Arthur Weintraub, ent�o assessor especial de Bolsonaro.
Em todas as conversas com m�dicos como Nise e o virologista Paulo Zanotto para se chegar � proposta de mudan�a na bula da cloroquina, o tenente Azevedo deixou claro que o tema era prioridade para o Pal�cio do Planalto, pois o presidente Bolsonaro precisava refor�ar o discurso dele em favor do tratamento precoce contra a COVID-19. O gabinete paralelo, que tamb�m inclu�a o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho 02 do presidente, foi incumbido de dar suporte a Bolsonaro, que enfrentava fortes cr�ticas por se opor a medidas de isolamento social e minimizar a pandemia.
Apesar de a minuta de decreto para a mudan�a da bula da cloroquina ter ido para o lixo, diante da recusa do presidente da Anvisa em sancion�-la, o tenente Azevedo continuou auxiliando Arthur Weintraub em suas perip�cias no gabinete paralelo, que foi revelado pelo ex-ministro da Sa�de Luiz Henrique Mandetta em depoimento � CPI da COVID.
Ativo nos bastidores do governo, o tenente tamb�m foi a p�blico defender o uso da cloroquina, sempre citando como exemplo a It�lia, que teria usado o medicamento no momento mais cr�tico da primeira onda da pandemia do novo coronav�rus. Ele dizia que todos estavam no meio de uma guerra. “Era a �ltima sa�da”, dizia.
Pelos bons servi�os, o tenente Azevedo ganhou um cargo do ent�o ministro da Educa��o, Abraham Weintraub. Em junho de 2020, ele foi nomeado para o Conselho Superior da Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior (Capes). A liga��o do militar com os irm�os Weintraub, que ganharam cargos nos Estados Unidos, indicados pelo governo, permanece forte. Assim como ele continua dando consultoria ao gabinete paralelo, segundo fontes.
Al�m disso, Azevedo defende, nas redes sociais, Arthur e Abraham como candidatos � sucess�o de Bolsonaro. Diz que, depois das mudan�as promovidas por Bolsonaro, ser� a vez de os Weintraub comandarem o pa�s. Procurado pela reportagem por meio do Minist�rio da Defesa, o tenente n�o foi encontrado at� o fechamento desta mat�ria.
Hist�rico
Azevedo se aproximou de Bolsonaro logo nos primeiros meses ap�s a chegada da COVID-19 ao pa�s, em fevereiro do ano passado. O contato inicial do militar com o presidente aconteceu na tarde de 6 de abril de 2020, no Pal�cio do Planalto. Al�m dele, Nise Yamaguchi esteve no encontro, assim como alguns ministros de Bolsonaro.
Naquela ocasi�o, os dois sugeriram a Bolsonaro protocolos para tratamento contra a COVID-19 � base de hidroxicloroquina. Ministro at� ent�o, Luiz Henrique Mandetta dava constantes declara��es de que era contra a indica��o do rem�dio para pacientes infectados com a doen�a. Ap�s a reuni�o com o presidente, Azevedo e Yamaguchi procuraram o ex-titular da Sa�de para que ele assinasse um decreto autorizando as recomenda��es, mas Mandetta recusou o pleito.
Em agosto �ltimo, o governo organizou um evento no Planalto intitulado “Brasil vencendo a COVID-19” em que diversos m�dicos favor�veis � utiliza��o da hidroxicloroquina sa�ram em defesa do tratamento precoce � enfermidade com o rem�dio. Azevedo foi um dos convidados. No seu discurso, ele elogiou Bolsonaro por ter se medicado com hidroxicloroquina quando contraiu o novo coronav�rus e disse que o rem�dio pode salvar vidas. O tenente ainda entregou uma carta a Bolsonaro, em nome de 10 mil m�dicos do pa�s, incentivando o uso da subst�ncia.
“Aprendemos, com o atendimento precoce, que atacar o v�rus j� na fase inicial da doen�a usando rem�dios simples, como a hidroxicloroquina, a azitromicina, o zinco, junto com outros medicamentos, torna essa doen�a mais branda e impede que a maioria dos doentes se agrave. Isso faz com que consigamos tratar a maioria dos pacientes, ainda que piorem, sem a necessidade de interna��o e no conforto dos seus lares”, declarou.
O que � uma CPI?
As comiss�es parlamentares de inqu�rito (CPIs) s�o instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relev�ncia ligado � vida econ�mica, social ou legal do pa�s, de um estado ou de um munic�pio. Embora tenham poderes de Justi�a e uma s�rie de prerrogativas, comit�s do tipo n�o podem estabelecer condena��es a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um ter�o dos 81 parlamentares. Na C�mara dos Deputados, tamb�m � preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
H� a possibilidade de criar comiss�es parlamentares mistas de inqu�rito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, � preciso obter assinaturas de um ter�o dos integrantes das duas casas legislativas que comp�em o Congresso Nacional.
Ap�s a coleta de assinaturas, o pedido de CPI � apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo � oficialmente criado ap�s a leitura em sess�o plen�ria do requerimento que justifica a abertura de inqu�rito. Os integrantes da comiss�o s�o definidos levando em considera��o a proporcionalidade partid�ria — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideran�as de cada agremia��o s�o respons�veis por indicar os componentes.
Na primeira reuni�o do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto � respons�vel por conduzir as investiga��es e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relat�rio final do inqu�rito, contendo as conclus�es obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomenda��es para evitar que as ilicitudes apuradas n�o voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a �rg�os como o Minist�rio P�blico e a Advocacia-Geral da Uni�o (AGE), na esfera federal.
Conforme as investiga��es avan�am, o relator come�a a aprimorar a linha de investiga��o a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pr�-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um per�odo, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
convocar suspeitos para prestar depoimentos (h� direito ao sil�ncio)
executar pris�es em caso de flagrante
solicitar documentos e informa��es a �rg�os ligados � administra��o p�blica
convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secret�rios, no caso de CPIs estaduais — para depor
ir a qualquer ponto do pa�s — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audi�ncias e dilig�ncias
quebrar sigilos fiscais, banc�rios e de dados se houver fundamenta��o
solicitar a colabora��o de servidores de outros poderes
elaborar relat�rio final contendo conclus�es obtidas pela investiga��o e recomenda��es para evitar novas ocorr�ncias como a apurada
pedir buscas e apreens�es (exceto a domic�lios)
solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI n�o pode fazer?
Embora tenham poderes de Justi�a, as CPIs n�o podem:
julgar ou punir investigados
autorizar grampos telef�nicos
solicitar pris�es preventivas ou outras medidas cautelares
declarar a indisponibilidade de bens
autorizar buscas e apreens�es em domic�lios
impedir que advogados de depoentes compare�am �s oitivas e acessem
documentos relativos � CPI
determinar a apreens�o de passaportes
A hist�ria das CPIs no Brasil
A primeira Constitui��o Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas � C�mara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado tamb�m passou a poder instaurar investiga��es. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a C�mara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro come�ou a funcionar em 1935, para investigar as condi��es de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comit� similar foi criado em 1952, quando a preocupa��o era a situa��o da ind�stria de com�rcio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constitui��o foi redigida. O texto m�ximo da na��o passou a atribuir poderes de Justi�a a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atua��o do sistema de alfabetiza��o adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos An�es do Or�amento (C�mara) - apurou desvios do Or�amento da Uni�o
2000: CPIs do Futebol - (Senado e C�mara, separadamente) - rela��es entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Pre�o do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formula��o dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar den�ncias de corrup��o na empresa estatal
2005: CPMI do Mensal�o - apurar poss�veis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (C�mara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (C�mara) - apurou poss�vel desvio de verbas destinadas � Sa�de
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar poss�vel corrup��o na estatal de petr�leo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comit� organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - dissemina��o de not�cias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do C�rrego do Feij�o