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Estado de Minas RIO DE JANEIRO

Kathlen Romeu: 'troia', a tocaia policial por tr�s da morte de gr�vida

Moradores de favela disseram � OAB do RJ que policiais faziam emboscada quando Kathlen foi atingida por tiro. Circunst�ncias da morte da jovem de 24 anos ainda est�o sendo investigadas.


16/06/2021 10:09 - atualizado 16/06/2021 10:46


Moradores de favelas do Rio relatam diversos casos de invasões de casas por policiais(foto: Tathiana Gurgel / Defensoria Pública do Estado do )
Moradores de favelas do Rio relatam diversos casos de invas�es de casas por policiais (foto: Tathiana Gurgel / Defensoria P�blica do Estado do )

A hist�ria do cavalo de Troia na Gr�cia Antiga � conhecida: ao final da guerra entre gregos e troianos, os gregos fingem desistir da disputa e deixam aos port�es da cidade de Troia um presente, um imenso cavalo de madeira.

Troianos levam o cavalo para dentro de sua cidade e s�o surpreendidos ao ver sair de dentro dele soldados gregos, que estavam escondidos l�.

Adaptada ao contexto do Rio de Janeiro, a 'troia' veio a significar uma emboscada feita por policiais para atacar supostos criminosos. A pr�tica n�o � oficialmente reconhecida pelas for�as policiais, mas moradores de favelas, organiza��es que atuam nelas e entidades de defesa de direitos denunciam esse tipo de estrat�gia h� anos.

morte de Kathlen Romeu, de 24 anos e gr�vida, numa a��o policial no Complexo do Lins trouxe novamente � luz a pr�tica. A din�mica do que ocorreu ainda est� sendo investigada, mas alguns moradores disseram � fam�lia de Kathlen e � Comiss�o de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que, antes do assassinato, policiais estavam dentro de uma casa pr�xima, numa esp�cie de "tocaia", para surpreender supostos traficantes.

"� uma metodologia conhecida como 'Troia'. Agora cabe � Pol�cia apurar o que aconteceu", diz Rodrigo Mondego, Procurador da Comiss�o de Direitos Humanos da OAB/RJ.

Pessoas ouvidas pela BBC News Brasil dizem que a pr�tica pode ter varia��es, mas elas t�m em comum a ideia de agentes se esconderem para atacar supostos criminosos sem serem percebidos.

"� uma t�tica de guerra, um ataque sem chance de defesa para o alvo da opera��o. Muitas vezes � usada n�o para prender, mas para execu��o. Esses casos pouco repercutem porque diz-se que quem morreu era suspeito de ser criminoso, e isso se torna uma senha para legitimar qualquer coisa, e assim esse tipo de execu��o passa batido", diz Daniel Lozoya, do N�cleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria.

Procuradas, as pol�cias Militar e Civil e o Minist�rio P�blico do Rio, respons�vel por fiscalizar a a��o das pol�cias, n�o responderam �s perguntas da BBC News Brasil sobre a pr�tica.

O que se sabe sobre a din�mica da a��o que matou Kathlen

Kathlen e sua av�, Sayonara F�tima de Oliveira, caminhavam por um via de acesso � favela quando tiros de fuzil foram disparados, um deles atingindo Kathlen no peito.


Kathlen Romeu, em foto no Instagram; 'estou me sentindo muito feliz e preenchida' com a gravidez, escreveu ela em uma de suas últimas postagens(foto: Reprodução Instagram)
Kathlen Romeu, em foto no Instagram; 'estou me sentindo muito feliz e preenchida' com a gravidez, escreveu ela em uma de suas �ltimas postagens (foto: Reprodu��o Instagram)

� imprensa, a av� de Kathlen disse que n�o havia um tiroteio naquele momento, e que elas foram surpreendidas pelos disparos.

"Quando passamos, a rua estava tranquila. Foi tudo muito de repente, a minha neta caiu. (...) Quando olhei era pol�cia de tudo o que � lado", disse Sayonara.

A corpora��o diz que agentes estavam em patrulhamento, quando foram atacados por criminosos e reagiram. Os 12 agentes que estavam na favela naquele dia foram afastados das ruas.

A av� e a m�e de Kathlen, Jaqueline de Oliveira Lopes, ouviram de moradores que a din�mica foi outra. "Eu fui informada por todos de que n�o foi troca de tiros. A pol�cia estava dentro de uma casa, viu os bandidos e atirou. Se a pol�cia estava dentro de uma casa, por que n�o olhou quem estava passando?", questionou Jaqueline diante do Instituto M�dico Legal no dia da morte de sua filha.

A Comiss�o de Direitos Humanos da OAB esteve no Complexo do Lins e ouviu de tr�s moradores o mesmo relato. Eles dizem ter presenciado os movimentos de policiais antes do assassinato de Kathlen, ainda que n�o tenham testemunhado o momento exato em que ela foi alvejada.

Contam ter visto um grupo de policiais "de troia", dentro de uma casa numa viela pr�xima � rua onde Kathlen estava, aguardando para surpreender supostos criminosos. Alguns tamb�m descrevem agentes correndo pela viela e atirando. Ainda n�o est� claro de onde partiu o tiro que a matou.

Muitos moradores n�o prestaram depoimento oficialmente, diz Rodrigo Mondego, Procurador da Comiss�o de Direitos Humanos da OAB/RJ, pois t�m medo de repres�lias, mas a Pol�cia Civil foi informada desses relatos.

H� tr�s investiga��es em curso, da Pol�cia Civil, da Pol�cia Militar, e do Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro.


Protesto contra morte de Kathlen na autoestrada Grajaú-Jacarepaguá; quase 75% das vítimas de homicídio no Brasil são negros(foto: Reprodução PMRJ)
Protesto contra morte de Kathlen na autoestrada Graja�-Jacarepagu�; quase 75% das v�timas de homic�dio no Brasil s�o negros (foto: Reprodu��o PMRJ)

A PM diz que os policiais militares envolvidos foram ouvidos e suas armas foram apresentadas � per�cia. O MPRJ diz que est� nos primeiros passos da investiga��o e que ser� necess�ria uma prova t�cnica para afirmar de que arma partiu o disparo que atingiu a v�tima.

A Promotoria de Justi�a junto � Auditoria Militar do MPRJ disse que est� reunindo os documentos e providenciando as oitivas dos PMs e das testemunhas, e diz que acionou a Corregedoria da PM-RJ requisitando a instaura��o de Inqu�rito Policial Militar. A Pol�cia Civil n�o deu informa��es sobre o andamento da investiga��o nem sobre a pr�tica das emboscadas.

Anonimamente, policiais admitem a pr�tica da 'troia'

A pr�tica n�o � reconhecida pelas pol�cias, mas policiais j� falaram sobre ela de forma an�nima. Em entrevistas � organiza��o internacional de defesa de direitos humanos Human Rights Watch, publicada num relat�rio de 2016 da ONG, policiais relatam alguns casos.

Um dos policiais entrevistado disse que, durante uma a��o numa favela, ele e alguns colegas se esconderam em um apartamento que ficava diante de uma boca de fumo. Da janela, atiraram de fuzil em tr�s homens que portavam rev�lveres. Mataram dois e um ficou ferido. Esse �ltimo foi executado em seguida pelos policiais, disse o policial � Human Rights Watch.

Em outra entrevista citada no relat�rio, um policial descreve outra forma de "troia''. Ele e colegas se esconderam na mata, perto de uma via que sabiam ser rota de fuga de traficantes. Outro grupo de policiais invadiu a favela e quando os supostos criminosos fugiram, os policiais que os aguardavam em emboscada atiraram.

O ex-comandante das Unidades de Pol�cia Pacificadora (UPPs), ex-chefe do Estado Maior da Pol�cia Militar do Rio de Janeiro e antrop�logo Robson Rodrigues diz que a pr�tica da emboscada n�o � reconhecida oficialmente pela pol�cia mas � praticada de forma clandestina.

Em seu tempo na pol�cia, n�o presenciou nem participou de nenhuma a��o do tipo, mas ouvia falar de casos que haviam resultado em "erros" e que eram apurados pela corregedoria da PM.

A PM n�o respondeu a perguntas da BBC sobre a pr�tica.

"Alguns policiais acham que isso faz parte do rol de t�ticas, mas n�o faz. Quando h� uma infiltra��o, ela tem que ser feita de forma controlada, autorizada pela justi�a, e geralmente ser� conduzida pela Pol�cia Civil, que tem atribui��o de investigar. Uma emboscada n�o tem base legal, n�o tem sustentabilidade dentro dos procedimentos e � crime", diz ele.

Segundo a organiza��o Anistia Internacional, � comum alguns agentes permanecerem numa favela depois do fim de uma opera��o policial para praticar a "troia''.

Em entrevista � organiza��o, um policial civil deu um exemplo: "um grande grupo de policiais, com v�rias viaturas, entra na favela fazendo muito barulho e depois sai. S� que dentro da favela ficam alguns policiais escondidos em alguma casa esperando os traficantes aparecerem. � uma t�tica para execu��o. Ningu�m est� querendo prender ningu�m. N�o d� nem pra chamar isso de t�tica, n�? Mas a l�gica, qual �? Quando os traficantes aparecem, os policiais que est�o escondidos os executam."

Caso revelado por investiga��o e testemunhos de moradores

Em janeiro de 2020, um porteiro, um entregador de mercado e dois traficantes foram mortos numa "troia" na favela do Vidigal. Os policiais disseram em depoimento que foram alvejados por criminosos e apenas revidaram, mas a investiga��o da Delegacia de Homic�dios, revelada pelo jornal Extra, mostrou que os policiais haviam invadido e se escondido num apartamento que fica diante de uma boca de fumo, lugar onde drogas s�o vendidas, e dali atiraram em dire��o aos traficantes, que estavam almo�ando no momento em que foram atingidos. A DH pediu o afastamento dos policiais, segundo o jornal.


Kathlen Romeu, em foto no Instagram; 'perdi minha neta desse jeito estúpido', disse a avó aos prantos(foto: Reprodução Instagram)
Kathlen Romeu, em foto no Instagram; 'perdi minha neta desse jeito est�pido', disse a av� aos prantos (foto: Reprodu��o Instagram)

A Pol�cia Civil n�o respondeu �s perguntas da BBC Brasil sobre investiga��es de emboscadas.

Moradores de favelas tamb�m denunciam a pr�tica das tocaias. Um relat�rio de 2015 da organiza��o Anistia Internacional feito a partir de relatos de testemunhas cita dois casos de "troia'', na favela de Acari, no Rio.

A Defensoria P�blica diz que moradores com frequ�ncia relatam tamb�m invas�es de suas casas por policiais. S�o ocupadas lajes e at� casas inteiras, quando o morador n�o est�, ou a casa est� em obras, diz Daniel Lozoya, do N�cleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria. O defensor afirma que h� casos em que policiais fazem seteiras - pequenas frestas nas paredes por onde pode se colocar uma arma.

Em 2020, um ex-comandante da UPP Nova Bras�lia, no Complexo do Alem�o, foi condenado por ordenar que seus subordinados montassem esp�cies de bases policiais em im�veis. Segundo a Defensoria P�blica, relatos de moradores mostram que o epis�dio est� longe de ser um caso isolado.

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