
“CPF Cancelado”. A express�o policial utilizada pelo presidente Jair Bolsonaro para “comemorar” a morte de L�zaro Barbosa, 32, nesta segunda-feira (28/6), ap�s 20 dias foragido da pol�cia, exemplifica um pensamento comum e v�rias vezes repetido: o de que “bandido bom � bandido morto”. Ao se olhar por este lado, n�o poderia ser outro o resultado esperado da opera��o conjunta entre o DF e as for�as de seguran�a de Goi�s - resultando na maior opera��o policial do estado. Mas especialistas em seguran�a p�blica, consultados pelo Correio, alertam que n�o h� muito o que comemorar.
Por 20 dias, o Brasil acompanhou o cerco policial a L�zaro Barbosa, que teve in�cio com o assassinato da fam�lia Vidal no Incra 9, na Ceil�ndia. A ca�ada tomou propor��es gigantescas, mais de 270 policiais envolvidos de diferentes for�as, helic�pteros, c�es farejadores e a estimativa de um gasto de mais de R$ 19 milh�es. Ao fim, muitas d�vidas permanecem.
Segundo Rafael Alcadipani, membro do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica e professor da Funda��o Getulio Vargas (FGV), ser� a hora das corpora��es refletirem sobre como se deu esta opera��o. “Qualquer pol�cia s�ria agora iria fazer uma an�lise de caso para saber quais erros e acertos”, destaca.

Para Pedro Abramovay, diretor para Am�rica Latina e Caribe da Open Society Foundations, ainda n�o d� para fazer uma an�lise definitiva, mas � preciso refletir sobre aprendizados. “Ainda � cedo para cravar. Tanto quem est� comemorando quanto quem diz que foi um fracasso est� se precipitando. Tratar como sucesso uma opera��o que termina em morte � sempre muito dif�cil”, afirma.
Segundo C�ssio Thyone, do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica e ex-perito da Pol�cia Civil do DF, a opera��o conseguiu chegar ao objetivo final, mas o resultado poderia ter sido melhor. “Eles conseguiram cessar a a��o de L�zaro na regi�o, trouxeram de volta a tranquilidade, mas isso n�o � sucesso. O melhor resultado seria a apreens�o do L�zaro vivo. Primeiro, porque a investiga��o poderia continuar de forma mais f�cil”, analisa.

A grande cr�tica n�o se restringe ao fato de L�zaro ter acabado por morrer na opera��o, j� que esse era um desfecho poss�vel, mas o caminho percorrido at� chegar a esta finaliza��o. “L�zaro precisava ser detido, inclusive neutralizado se fosse preciso. Mas n�o tem como comemorar. Foi um gasto milion�rio, 20 dias de buscas, e deixa em aberto uma lacuna de 'a quem L�zaro servia?'. No interior do Brasil, existem v�rios L�zaros, que servem a madeireiros, grileiros e aterrorizam as fam�lias no campo”, destaca Rodrigo Mondego, procurador da Comiss�o de Direitos Humanos da OAB/RJ.
Antes mesmo da captura de L�zaro, um fazendeiro de Cocalzinho foi preso suspeito de ajud�-lo na fuga. A Secretaria de Seguran�a P�blica de Goi�s disse que, mesmo com L�zaro morto, as investiga��es continuar�o para saber quem mais pode ter ajudado o criminoso ou at� mesmo financiado seus crimes. “Se criou uma narrativa de um serial killer, mas essa n�o � a denomina��o correta. Se trata de um jagun�o. Este � um termo muito mais apropriado”, explica Rodrigo Mondego, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro.

O ex-perito C�ssio Thyone tamb�m aponta outros ind�cios que levantam a suspeita de que havia mais pessoas o ajudando. “O cara foi encontrado com um agasalho da pol�cia, com mantimentos na mochila, quatro mil reais, barbeado. A quem interessava que ele escapasse desse cerco? Existe algum mandante por tr�s do L�zaro?”, questiona.
O ex-secret�rio Nacional de Seguran�a P�blica Jos� Vicente da Silva tamb�m destaca que essa investiga��o n�o deveria ter sido divulgada. “O secret�rio ter anunciado essa rela��o (com fazendeiros da regi�o) como uma certeza, eu acho que foi uma a��o irrespons�vel, uma preocupa��o midi�tica. Nem � o papel dele”, diz.
Para Pedro Abramovay, o resultado de morte em uma opera��o sempre � ruim, mas muitas vezes � a �nica op��o. “A pior coisa que podemos ter � uma pol�cia que n�o cumpre a lei e, no ponto de vista da investiga��o, as informa��es que o L�zaro tinha, se ele estava a mando de algu�m, essa estrutura criminosa que pode envolver v�rias outras pessoas, quando ele morre, isso se perde. � sempre ruim quando uma opera��o policial termina em morte, mas pode ser a �nica alternativa. Policial n�o � pago para levar tiro”, analisa.

Jos� Vicente da Silva diz que normalmente outras alternativas s�o poss�veis. Principalmente com tantos policiais envolvidos. “O natural seria negociar uma rendi��o. Mesmo que ele atirasse n�o precisava o revide de imediato, j� que os policiais estavam abrigados”, avalia. Al�m disso, ele explica que uma pol�cia profissional jamais comemoraria uma opera��o que termina em morte. “N�o se comemora morte de ningu�m, nem de criminoso. N�o fica bem. Quando o policial diz que vai respeitar a vida, � a vida de todo mundo. E a pol�cia n�o pode infringir a lei.”
O fim da opera��o
Inicialmente, a pol�cia de Goi�s disse que L�zaro foi acertado por 38 tiros dos 125 disparados. A pol�cia diz que ele reagiu � pris�o e descarregou duas armas contra as for�as de seguran�a.
Inicialmente, a pol�cia de Goi�s disse que L�zaro foi acertado por 38 tiros dos 125 disparados. A pol�cia diz que ele reagiu � pris�o e descarregou duas armas contra as for�as de seguran�a.
Imagens mostram que o corpo de L�zaro ficou totalmente perfurado por balas. Ele chegou a ser levado para o Hospital Municipal Bom Jesus e a pol�cia t�cnico-cient�fica de Goi�s confirmou a morte.
Para Rodrigo Mondego, n�o h� d�vidas de que a pol�cia tenha que agir em caso de resist�ncia � pris�o. A vida dos policiais n�o pode ser colocada em risco, por�m houve um exagero na a��o. “H� ind�cios de execu��o; s�o mais de 30 tiros, ou de vilip�ndio de cad�ver, que �, mesmo depois de morto, ter levado tiro”, explica.
Caso ele j� estivesse morto quando foi removido, houve uma transgress�o da lei, acrescenta Jos� Vicente da Silva. “As imagens que foram divulgadas mostram um corpo com todas as caracter�sticas de que tenha morrido; mesmo assim, ele foi colocado em uma ambul�ncia. Se ele j� estava morto, isso tem que ser investigado, porque foram descumpridas normais legais”, destaca.

Segundo C�ssio Thyone, as circunst�ncias da morte precisam ser apuradas.”Esse confronto tem que ser explicado, porque a gente s� tem uma vers�o. Tem que ter exame pericial, provas t�cnicas. Vai dar muito trabalho. E ningu�m est� falando que foi solicitado uma per�cia. Por que? Qual a raz�o disso?”, questiona. “Olha a quantidade de tiros, foi quase um suic�dio, porque uma arma no poder m�ximo pode efetuar 15 disparos sem ser recarregada. Est� meio desproporcional”, completa.
Essa falta de per�cia no local onde L�zaro foi atingido � a cr�tica feita pela vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), Cristiane Damasceno. Em entrevista ao Correio, ela destacou que esclarecer as d�vidas que ficam podem ajudar a melhorar o sistema de buscas brasileiro. "Estado n�o pode agir na clandestinidade", destacou.
Ap�s a divulga��o da morte de L�zaro, foram muitas as comemora��es nas redes sociais e nas ruas de Cocalzinho. Thyone analisa que as comemora��es vistas nas redes sociais s�o um sinal de “banaliza��o da viol�ncia” pela popula��o. “As pessoas acham que as coisas v�o ser resolvidas dessa forma. Muita gente festejou, mas acho que devemos ficar tristes. Assim como temos que ficar tristes pela fam�lia Vidal. Foi como uma ca�ada a um animal e n�s acompanhamos como expectadores”, lamenta.
De acordo com o professor Rafael Alcadipani, a rea��o da popula��o s� reflete a forma como a sociedade pensa em seguran�a. “O povo do Brasil � muito pouco educado e deixou claro que � b�rbaro. N�o se quer policial, se quer um jagun�o”, afirma.

Caso L�zaro e a “espetaculariza��o”
Nesta segunda-feira (28/6) foi dif�cil escapar dos v�rios v�deos compartilhados nas redes sociais do momento da captura de L�zaro Barbosa. Imagens dos policiais colocando o corpo do criminoso na ambul�ncia e comemorando em seguida repercutiram. Para Rodrigo Mondego, n�o tinha como o desfecho ser diferente j� que, desde o in�cio, se criou um espet�culo em torno da fuga de L�zaro. Ele critica como outros crimes n�o recebem o mesmo tratamento.
“A pol�cia parece que estava mais preocupada em criar mat�rias para programas policiais do que em garantir a seguran�a da popula��o. Foi esse show, soltaram fogos. Isso n�o � o papel da seguran�a p�blica. Deveria ter tido mais investiga��o e menos pirotecnia”, afirma.
Ele destaca que, no Brasil, ocorrem em torno de 170 homic�dios por dia, mas 75% deles n�o chegam sequer � investiga��o. “Durante estes 20 dias, diversos assaltos, homic�dios e estupros devem ter ocorrido no DF e em Goi�s que nem investiga��o teve porque a prioridade era pegar o L�zaro. A busca por um homicida deveria ser uma prioridade, mas a grande maioria n�o � nem apurado”, acrescenta.
Jos� Vicente da Silva ainda frisa que o papel da pol�cia � de prote��o da popula��o e n�o de “ca�a a bandidos”. "Naturalmente, estes recursos fizeram falta. Nesses 20 dias, deve ter tido uns 70 assassinatos e esses assassinos estavam � solta. O que mostra que o papel da pol�tica n�o � ca�ar bandido e sim a prote��o da popula��o. Bastava algumas equipes de investiga��o e vigiar as casas de parentes e amigos”, explica.
O caso parecia obra cinematogr�fica, com direito at� mesmo a especula��es sobre “pactos com o diabo” que supostamente o criminoso teria feito e que desencadeou uma onda de intoler�ncia religiosa. De acordo com C�ssio Thyone, o caso tomou propor��es t�o grandes devido ao tempo de busca ser t�o longo.
“Tomou notoriedade e estamos em um processo irrevers�vel. Boa parte da m�dia usou muito sensacionalismo. Se ele tivesse sido pego em dois dias, nada disso teria acontecido. Foram 20 dias que s� se falava nisso. At� a vacina��o perdeu espa�o”, avalia. A grande quest�o � que a espetaculariza��o � um problema que pode atrapalhar as investiga��es de casos como este.
“Aquilo que agrada, muitas vezes n�o � o mais eficiente. Muitas vezes at� d� elementos para ele fugir. Isso tem muito mais a ver com pol�tica do que com pol�cia. Para criar essa sensa��o de que algo est� sendo feito”, destaca Pedro Abramovay.
Sucess�o de erros
Sucess�o de erros
Esta n�o � a primeira opera��o policial que resulta em mortes e n�o em pris�es. Este ano, uma opera��o policial resultou em 27 mortes no Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. A pol�cia brasileira � uma das que mais mata e mais morre no mundo. O Brasil tamb�m tem a segunda maior popula��o carcer�ria mundial. Para Rodrigo, o resultado do Caso L�zaro demonstra a falha de seguran�a p�blica no Brasil em v�rios aspectos e institui��es. “Um laudo mostrou que ele tinha problemas de sa�de grav�ssimo, que n�o permitia que ele voltasse para o conv�vio. Ele poderia ficar em um manic�mio judici�rio, mas colocam ele em liberdade, o que � um erro. Depois ele volta � pris�o e consegue fugir, o que demonstra uma falha do sistema prisional. S�o erros do Estado ”, elucida.
Apesar de L�zaro Barbosa ter se tornado conhecido este m�s pelos brasilienses, os rastros de crime cometidos por ele j� vinham h� muito tempo. Ele j� tinha sido condenado e preso por roubo e estupro. Na Papuda, um laudo psicol�gico de L�zaro atestou que caso ele voltasse para o conv�vio social ele voltaria a cometer crimes. Mesmo assim, ele conseguiu o direito ao semiaberto em 2016, quando ele fugiu do Centro de Progress�o Penitenci�ria (CPP). Em 2018, ele foi recapturado em �guas Lindas e quatro meses depois ele fugiu por um buraco no teto do pres�dio.
Com tudo isso, segundo Rafael Alcadipani, o resultado da opera��o � “uma cr�nica da fal�ncia da seguran�a p�blica”. “tem uma cadeia que n�o consegue fazer an�lise de periculosidade e uma pol�cia de confronto. Tudo isso mostra que o Brasil precisa organizar seu sistema de seguran�a”, afirma.
Falta de integra��o entre as for�as
Uma outra quest�o que a opera��o escancarou, segundo C�ssio Thyone, foi a falta de coordena��o entre diferentes for�as de seguran�a. Um problema, que segundo ele, atinge todo o pa�s.
Ao fim da primeira semana de buscas, policiais denunciaram que n�o tinham um comando �nico, cada corpora��o tomava suas decis�es de forma isolada. “Temos que tentar melhorar a intera��o entre diferentes for�as, porque a integra��o foi uma dificuldade. O que aconteceu nessa opera��o � um reflexo do que acontece na seguran�a p�blica do Brasil. A gente v� acontecer todos os dias”, afirma.
Apesar desses pontos negativos, Jos� Vicente da Silva, que � coronel reformado da Pol�cia Militar de S�o Paulo (PMSP) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Seguran�a P�blica (IBSP), diz que a experi�ncia de coopera��o entre as for�as � uma experi�ncia boa. “Eu vi poucos acertos. Talvez um ponto positivo tenha sido usar uma coopera��o de for�as. Essa coopera��o � sempre conveniente, principalmente quando existe problemas de vizinhan�a.”
Essa pr�pria press�o dos meios de comunica��o e da popula��o pode ter ajudado a criar o cen�rio para este desfecho, segundo C�ssio. “S�o pessoas que est�o sendo submetidas a uma grande press�o, uma cobran�a midi�tica. N�o parecia a busca por um fugitivo. A pol�cia comemorando como se fosse um jogo do Brasil”, lembra.
Essa pr�pria press�o dos meios de comunica��o e da popula��o pode ter ajudado a criar o cen�rio para este desfecho, segundo C�ssio. “S�o pessoas que est�o sendo submetidas a uma grande press�o, uma cobran�a midi�tica. N�o parecia a busca por um fugitivo. A pol�cia comemorando como se fosse um jogo do Brasil”, lembra.
Pedro Abramovay cita at� mesmo a falta de apoio aos policiais que estavam nessa ca�ada. “Temos que considerar que as condi��es de trabalho s�o muito ruins. O governo n�o estava dando alimenta��o. O governo podia mobilizar esse tanto de policiais?”, questiona.
Disputa pol�tica
Com toda esta movimenta��o e aten��o ao caso, n�o demorou para que a busca por L�zaro tamb�m virasse palco para uma disputa pol�tica, o que, segundo C�ssio Thyone, ainda piorou a press�o em cima das for�as policiais.
Ap�s oito dias de buscas, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), chegou a dizer que L�zaro faz pol�cia 'quase de boba'. N�o demorou muito para o governador de Goi�s, Ronaldo Caiado (DEM), respondesse com “N�o se atreva a desrespeitar policiais goianos”. “O caro escuta o governador falando que ele est� sendo feito de bobo. Eles foram levados a este clima”, analisa o ex-perito C�ssio Thyone.
Al�m disso, ele destaca que teve muita disputa de egos. “Muitas vezes chegaram a dizer ‘vamos pegar o L�zaro amanh�’, voc� n�o controla todas as vari�veis. Temos que ser humildes. Para reconhecer que nem sempre vamos ter sucesso. Teve templos que foram profanados. Foi um absurdo. Mostrou mais um lado da intoler�ncia religiosa. Teve de tudo, fake news, intoler�ncia, vaidade entre as corpora��es”, analisa.