
"Mandei um email xingando o diretor da empresa." � assim que o tecn�logo Danilo Perossi, de 34 anos, come�a a contar como conseguiu largar o �lcool e outras drogas h� um ano, quatro meses, dezenove dias e contando...
A resposta � mensagem, enviada em fevereiro de 2020 a todos os chefes dele ("desde o supervisor at� o diretor"), foi a demiss�o. "Por incr�vel que pare�a, sou bastante grato. Se n�o fosse isso, acho que n�o estaria mais vivo", conta � BBC News Brasil.
�quela altura, Perossi, que vive em Santo Andr�, na regi�o metropolitana de S�o Paulo, conta que gastava de R$ 300 a R$ 400 s� com bebidas alco�licas a cada ida ao bar. "Os gar�ons j� ficavam me rodeando, porque eles me conheciam. Era mais ou menos umas 15, 16 canecas de chope, al�m dos drinques e doses depois."
Ele conta que n�o bebia ou consumia outras drogas durante o expediente, mas era a primeira coisa que fazia quando terminava o trabalho. "Em menos de dois minutos, eu j� estava bebendo, todos os dias. Era pisar na escada fora do trabalho e eu j� passava no bar em frente para comprar duas garrafas de cerveja."
Embora ele aponte que o consumo de �lcool ou outras drogas n�o foi o motivo direto da demiss�o, foi sob efeito dessas subst�ncias que mandou o email, durante suas f�rias. "Achei que a empresa tomou uma atitude completamente equivocada e acabei, por conta disso, nominando as pessoas que tomaram essa decis�o", diz. "Quando escrevi o email, eu estava s� b�bado. O que me deu coragem para apertar o enviar foi o uso de droga."
Foi depois da demiss�o que Perossi foi internado e diz que teve oportunidade de fazer um balan�o. "Precisou dessa perda gritante na minha vida, que era a �nica coisa que me dava alguma seguran�a. At� ent�o, como eu trabalhava, achava que n�o tinha problema. Mas todo o restante da minha vida estava em frangalhos — rela��o com a minha fam�lia, com meus amigos, com o dinheiro."
A empreitada de Perossi come�ou em 2020, junto com a pandemia do coronav�rus — momento em que, para muitos, significou o aumento do consumo de �lcool.
Consumo de �lcool e a pandemia de coronav�rus
Al�m de ser usado para socializa��o, o �lcool � buscado por algumas pessoas para lidar com emo��es dif�ceis, aponta a Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas).
"� medida que os �ndices de ansiedade, medo, depress�o, t�dio e incerteza passaram a ser mais comumente notificados durante a pandemia, o consumo de �lcool tamb�m aumentou, apesar do fechamento de estabelecimentos licenciados", aponta relat�rio da Opas feito em 2020.
Segundo a pesquisa, 35% dos entrevistados de 30 a 39 anos responderam que aumentaram a frequ�ncia do "beber pesado epis�dico" (consumo de mais de 60 gramas de �lcool puro em pelo menos uma ocasi�o durante os �ltimos 30 dias) na pandemia, enquanto menos de 30% disseram que diminu�ram.
A pesquisa mostra que o crescimento na frequ�ncia do consumo de bebidas alco�licas foi mais comum entre pessoas de rendas mais altas. Al�m disso, a presen�a de quadros graves de ansiedade aumentou em 73% a chance de maior frequ�ncia no consumo de �lcool.
"Apesar dos altos n�veis de beber pesado epis�dico e dos riscos de sa�de associados, a maioria das pessoas n�o procuram ajuda, e uma pequena propor��o tenta parar por conta pr�pria", diz a Opas.
Perossi, no entanto, diz que, na experi�ncia dele, o isolamento gerado pela pandemia inicialmente ajudou no processo de recupera��o.
"Assim que eu sa� da interna��o, em abril de 2020, parecia uma distopia, tudo fechado. Nesse ponto, a pandemia me ajudou bastante a conseguir me afastar daquilo que, naquele momento, logo ap�s a interna��o, seria muito dif�cil."
Ele diz que seguiu o tratamento com foco em terapia, exerc�cios e apoio de amigos e fam�lia. Al�m de banir o consumo de �lcool e outras drogas, tamb�m perdeu 60kg — depois de anos lidando com a obesidade e tendo chegado a pesar 147kg.
Em agosto de 2020, Perossi conseguiu ser recontratado na mesma empresa, com a mesma fun��o. E esta foi, segundo ele, pe�a fundamental no processo de recupera��o.
"Eu me coloquei em risco, porque sa� quase todo dia para ir trabalhar, pegando o transporte p�blico — �nibus, trem, metr�. Apesar disso, foi algo que me ajudou porque sabia que eu n�o estava preso dentro de casa", diz. "Quando retornei para o trabalho, as coisas ficaram mais tranquilas".
E o chefe? "As coisas no trabalho mudaram completamente — hoje, sou muito bem visto. O pr�prio diretor que me demitiu depois me elogiou."
'Sempre gostei muito de perder o controle'

Perossi tinha 16 anos na primeira vez que bebeu, em uma festa durante o ensino m�dio, e diz que entrou em coma alco�lico. "Sempre gostei muito de perder o controle. Desde a primeira vez, toda vez que eu bebia, eu j� n�o gostava s� de ficar bebendo um pouco."
As drogas, ele diz, eram uma forma de "preencher um vazio". "O �lcool me abriu a porta para sentir coisas que eu n�o sentia, at� ent�o, que me fizeram muito bem, porque eu gostava de ficar daquele jeito, alterado. Mas depois fui buscando cada vez mais outras sensa��es, que a� foram nas drogas il�citas que encontrei."
"O �lcool me dava uma sensa��o de felicidade que normalmente eu n�o sentia. Mas o que eu pude perceber, agora que estou sem �lcool e sem drogas, � que esse estado de felicidade a gente pode construir — com medita��es, terapia, conversa. S� que o �lcool e as drogas trazem uma coisa que � imediata. Hoje, vejo que era falso, porque eu estava tentando modificar minha realidade a partir de algo externo, e n�o de algo interno."
O mais dif�cil, ele diz, foi aceitar que tinha perdido o controle. "Isto que � o louco da depend�ncia qu�mica: voc� precisa estar s�brio para conseguir perceber essas coisas."
Um dos motivos, ele diz, � a cren�a de que existe um perfil de dependente do �lcool. "Aquele senhor que abre a porta do bar, que tem o bigode amarelo, que s� anda cambaleando, sujo, que t� com o p� inchado."
"Na verdade, tem mulheres, homens, tem jovens, tem velhos, tem gordo, tem magro, tem rico, tem pobre — � uma doen�a que n�o escolhe. Tem pessoas que v�o ter predisposi��o para ser dependente qu�mico. Tem pessoas que v�o continuar bebendo todos os dias aquela latinha de cerveja depois que sai do trabalho e aquilo l� t� perfeito pra ela."
"Isto � algo que seria bom as pessoas saberem: a depend�ncia n�o tem rosto, n�o tem cor, n�o tem classe social. Ela ocorre para qualquer pessoa."
Foi s� depois de entender que tinha uma "doen�a progressiva, incur�vel e fatal" que Perossi conseguiu recome�ar. "Agora, eu quero mostrar para outras pessoas que � poss�vel, com ajuda e com esfor�o. Tenho estado muito, muito feliz nesse per�odo de recupera��o."
"�s vezes, n�o acredito que t� acontecendo tudo isso na minha vida. Antes, meu �nico interesse era morrer", diz. "Durante muito tempo, quando eu acordava, eu falava: 'n�o acredito, t� vivo'. N�o queria estar vivo." Por isso, ele aponta que depend�ncia qu�mica "n�o � caso de pol�cia, � caso de sa�de p�blica".
"E a sociedade, infelizmente, v� o alcoolismo e o uso de drogas como coisa de vagabundo, como coisa de quem n�o tem o que fazer. E eu sou prova que n�o � doen�a de vagabundo, porque eu estava trabalhando", diz. "Provavelmente, se eu tivesse sido preso por qualquer coisa que eu fiz, como dirigir b�bado, ou com droga no carro, n�o estaria s�brio hoje."

Agora, Perossi diz que enfim "a vida est� boa". "T� numa sensa��o meio que de plenitude — �bvio que tem um monte de problema, um monte de coisa que ainda me afeta, mas pelo fato de estar s�brio, de estar vivendo uma vida completamente diferente daquilo que eu vivi at� ent�o, apesar dos problemas, eu estou conseguindo lidar com eles, entendeu? Eu n�o preciso mais me entorpecer para lidar com os problemas."
"Vale a pena estar t� vivo, t� gostoso, eu t� muito feliz. � bem da hora."
Buscando ajuda
No Brasil, os Centros de Aten��o Psicossocial (Caps) AD (�lcool e Drogas) promovem atendimento a pessoas de todas as faixas et�rias e s�o especializados em transtornos pelo uso de �lcool e outras drogas.
Os Caps geralmente trabalham com atendimentos sem necessidade de agendamento pr�vio ou encaminhamento, com acolhimento e tratamento multiprofissional aos usu�rios. O usu�rio que procura o Caps � acolhido e participa da elabora��o de um projeto terap�utico singular espec�fico para suas necessidades e demandas, segundo o governo.
Tamb�m existem, no Brasil e em outros pa�ses, os chamados grupos de ajuda m�tua, em que pessoas que vivem situa��es em comum se re�nem em grupos an�nimos para refletir sobre suas dificuldades e encontrar formas de resolv�-las.
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