
Em entrevista � BBC News Brasil, o delegado da Divis�o Antissequestro do Garra Dope, da Pol�cia Civil, Tarcio Severo, o n�mero de sequestros-rel�mpago, crime considerado adormecido, disparou ap�s a implanta��o do Pix no Brasil.
Segundo ele, h� inclusive quadrilhas especializadas em outros crimes que est�o 'migrando' para roubos envolvendo a ferramenta eletr�nica.
"A gente observa criminosos especializados em outros segmentos, como roubo e furto de condom�nio, que passaram a aproveitar a oportunidade para fazer o sequestro-rel�mpago. Eles perceberam que o Pix permite que eles consigam transferir uma grande quantidade de dinheiro num per�odo curto de tempo.
Desta forma, eles mant�m a v�tima detida e tiram uma vantagem significativa", afirmou o delegado.
Ele contou que, nessa ocorr�ncia relatada no in�cio da reportagem, os criminosos ainda levaram diversos objetos pessoais da v�tima, como rel�gio e celular.
O Pix entrou em vig�ncia no Brasil em novembro de 2020. A pol�cia disse � reportagem que ainda n�o tem dados suficientes para fazer um comparativo m�s a m�s para fazer um diagn�stico mais completo. No entanto, o delegado do Garra disse que o crime de sequestro-rel�mpago cresceu 100% em rela��o ao m�s em que o Pix foi inaugurado.

Grupos altamente especializados
O delegado contou � reportagem que as quadrilhas que cometem esse tipo de crime s�o altamente especializadas e formadas por t�cnicos em diferentes �reas.
"Eles atuam em duas c�lulas. Esse crime � de oportunidade, ent�o eles estudam para encontrar uma v�tima em potencial. Geralmente, as mais distra�das e descuidadas, que ficam paradas dentro do carro com o farol aceso e falando ao celular, por exemplo", explicou o delegado do Garra.
Nessas quadrilhas, h� um grupo respons�vel por fazer a sele��o das v�timas. Essas pessoas ficam fazendo rondas em motos, carros e at� mesmo a p� em bairros nobres. Elas estudam hor�rios, comportamentos e rotina dessas pessoas antes de atac�-las.
Quando as v�timas s�o escolhidas, entram em cena outros membros da quadrilha — aqueles que s�o especializados em atacar, amea�ar e mant�-la em c�rcere. Eles atuam simultaneamente com outros dois grupos: os especialistas em tecnologia e os "laranjas", que apenas t�m suas contas banc�rias usadas para receber as transfer�ncias dos assaltos e sacar o dinheiro.
"Quando eles obt�m os dados banc�rios da v�tima, eles passam para essa segunda c�lula, um elo financeiro acostumado a mexer com cart�es e Pix. Esse grupo tem contas de aluguel ou de passagem, na qual as pessoas recebem dinheiro ao final do crime", afirmou o delegado Tarcio Severo.
Ele explica que, nessa c�lula, h� cart�es e contas "frias", principalmente de bancos digitais. O delegado explica que os bandidos as criam em bancos digitais porque n�o precisam ir a uma ag�ncia banc�ria para abri-la.
Isso facilita que eles mandem uma foto de documento falso para abrir uma conta. Em alguns casos, usam verdadeiros, roubados de v�timas de crimes anteriores. Al�m disso, os bancos digitais t�m a vantagem de fazer transa��es em valores mais altos

Por que � t�o dif�cil prender essas quadrilhas?
Recentemente, programas de TV t�m mostrado ao vivo opera��es policiais em busca de quadrilhas investigadas por aplicar o "Golpe do Pix". Em algumas delas, criminosos s�o presos, mas nem sempre � poss�vel identific�-los ou comprovar os crimes por conta da velocidade em que o dinheiro � retirado das contas que recebem.
O delegado Severo disse que j� fez reuni�es com a Federa��o Brasileira de Bancos (Febraban) e com o Banco Central para solicitar que as equipes de fraudes monitorem e informem a pol�cia sobre algumas transa��es suspeitas. O Banco Central � o respons�vel pela regula��o das transfer�ncias banc�rias e tem o poder de criar novas regras para o Pix.
"O banco tem que ter uma equipe de anti-fraude que detecte isso. Um cliente que n�o costuma movimentar dinheiro naquelas quantias, o banco deveria habilitar uma trava at� checar essa informa��o para saber se � realmente o cliente dela que est� fazendo aquela transa��o", afirmou.
Ele citou como exemplo o caso descrito na reportagem, no qual os criminosos fizeram mais de 20 transa��es at� transferir mais de R$ 100 mil. Na vis�o dele, o banco "falha na preven��o" e deveria impor ao menos um bloqueio tempor�rio de duas horas na conta em casos como esses.
O delegado contou que os bancos alegam que um mecanismo como esse colocaria a vida das v�timas em risco, uma vez que os criminosos se irritariam pelo fato de n�o conseguirem dinheiro.
"Mas, por experi�ncia, sabemos que os criminosos est�o interessados no patrim�nio, n�o em matar a v�tima. As pessoas que cometem esses crimes est�o focadas no dinheiro", afirmou.
Procurado pela reportagem, o Banco Central afirmou que "por seu desenho tecnol�gico, todas as opera��es com o Pix s�o 100% rastre�veis, o que permite a identifica��o das contas recebedoras de recursos produtos de golpe/crime, permitindo a a��o mais incisiva da pol�cia e da Justi�a, o que n�o acontece com saques em caixas eletr�nicos, por exemplo. Dados recentes do Pix mostram haver suspeita de fraude em apenas 0,001% das transa��es de Pix. Essa fra��o � �nfima e se mant�m constante ao longo do tempo".
Por fim, o �rg�o disse que "est� � disposi��o das for�as de seguran�a p�blica e da Justi�a para colaborar no que puder para a preven��o e o combate a golpes/crimes envolvendo o Pix ou qualquer outro meio de transfer�ncia de recursos no �mbito do Sistema Financeiro".
A Febraban informou em nota que, caso algu�m seja v�tima de assalto ou sequestro-rel�mpago e obrigado a fazer um Pix, "deve registrar um boletim de ocorr�ncia e procurar imediatamente seu banco atrav�s de um de seus canais de atendimento dispon�veis para receber as orienta��es de como dever� proceder".
O �rg�o disse ainda que "desde abril, os usu�rios podem controlar seu limite no sistema de pagamento instant�neo, permitindo que ele reduza ou aumente o valor dispon�vel para realizar transa��es e pagamentos, seguindo � risca as instru��es normativas do Banco Central".
O Banco Central informou ainda que o Pix tem "tr�s caracter�sticas que previnem a transfer�ncia de grandes valores por meio de golpes ou sob coa��o".
A primeira s�o os "motores antifraude" que permitem identificar transa��es at�picas, que bloqueiam para an�lise as transa��es suspeitas por at� 30 minutos, durante o dia, ou 60 minutos � noite.
Segundo, os bancos podem estabelecer limites m�ximos de valores para as transa��es com base no perfil de cada cliente, titularidade da conta, canal de atendimento e procedimento para inicia��o. Podem ser menores � noite e seguir os mesmos padr�es de TED e cart�o de d�bito.
E, por �ltimo, os clientes podem diminuir os limites pelo aplicativo do banco. "Por raz�o de seguran�a, aumentos de limites n�o s�o imediatos e s�o analisados pelas institui��es para verificar a compatibilidade ao perfil do cliente".
Fazendo o dinheiro 'sumir'
A pol�cia tem dificuldade para reprimir as quadrilhas rapidamente porque elas atuam em diferentes �reas da cidade simultaneamente. E, logo depois de cometer o crime, elas conseguem se dispersar rapidamente.
Depois disso, o bra�o financeiro das "Quadrilhas do Pix" t�m diversas t�cnicas para fazer o dinheiro das v�timas "sumir" do rastro da pol�cia e dos bancos at� que seja dividido entre os criminosos.
Com diversas contas abertas, os criminosos colocam limites elevados — at� R$ 10 mil — de saque. Desta maneira, assim que a quadrilha faz um Pix para uma dessas contas, outro criminoso saca o valor imediatamente em um caixa eletr�nico.
"A gente consegue rastrear onde o saque foi feito, mas muitas vezes n�o conseguimos chegar a tempo de prender as pessoas. Nos dizem: 'Acabaram de fazer saques em S�o Mateus (extremo leste da capital paulista)', mas nosso deslocamento � enorme at� l�", contou.
O delegado explica que as pessoas que cedem as contas para fazer esses saques s�o investigadas como coautores do crime.
"Muitas vezes vamos na casa dessas pessoas e elas dizem que apenas sacaram o dinheiro que caiu na conta delas via Pix de um conhecido. Elas falam que n�o sabiam que a origem daquela quantia era de uma pessoa sequestrada e chegam a falar que a conheceram numa tabacaria, mas dizem que n�o tem nenhum contato dela, como telefone, nem mesmo s�o amigas em nenhuma rede social", relata o delegado.
Ele tamb�m explica que, muitas vezes, tamb�m s�o feitas transa��es com cart�es de d�bito e cr�dito em maquininhas de pagamento. Com isso, os criminosos passam os cart�es em aparelhos adquiridos com documentos falsos e tamb�m sacam o valor instantaneamente, enquanto a v�tima � mantida ref�m.
Essa � uma evolu��o do sequestro tradicional, quando os bandidos precisavam usar os cart�es em compras no shopping ou pela internet. Ou at� mesmo lev�-la a um caixa eletr�nico para for��-la a sacar dinheiro. Dessa maneira, eles se expunham muito mais e corriam o risco de n�o conseguir a mercadoria. Hoje, tudo acontece de maneira mais r�pida e, ao inv�s de produtos, eles recebem dinheiro.
Questionado pela reportagem, o delegado disse que os bancos costumam reembolsar apenas algumas das v�timas desse tipo de crime. Quem tem seguro do cart�o recupera o dinheiro com mais facilidade. Quem n�o tem, precisa aguardar a conclus�o do procedimento administrativo aberto pelo banco.
Ele disse que, nesses casos, orienta que as v�timas fa�am um protocolo de reclama��o no Site do Banco Central — algo semelhante a um Procon dos bancos.
Mas qual a diferen�a entre sequestro e sequestro-rel�mpago?
O delegado do Garra explica que o primeiro ocorre quando a v�tima vai para um cativeiro e quem paga o resgate � outra pessoa e est� enquadrada no artigo 159 do C�digo Penal. No sequestro-rel�mpago, a pr�pria v�tima � quem paga para ser solta, artigo 158.
Como evitar ser uma v�tima
Para efeito de compara��o com o sequestro-rel�mpago, no primeiro semestre de 2020, foram registrados quatro sequestros em todo o Estado de S�o Paulo, segundo dados da Secretaria da Seguran�a P�blica. J� no mesmo per�odo de 2021, foram registradas oito ocorr�ncias, um aumento de 100%.
O delegado disse que � dif�cil prever e evitar quando um sequestro-rel�mpago pode acontecer. Ele cita como exemplo de vulnerabilidade o apresentador Silvio Santos, que j� foi sequestrado duas vezes.
"Mesmo em condom�nios de alto padr�o e com equipamentos modernos de seguran�a, os bandidos entram, roubam, furtam e fica dif�cil evitar. Mas voc� pode tomar alguns cuidados. Entre eles, voc� pode estabelecer limites de transfer�ncia na sua conta banc�ria para que os assaltantes n�o consigam transferir", afirmou.
No entanto, o delegado afirmou que a pessoa deve procurar um gerente para alterar esse valor para alterar o limite de transfer�ncia da conta, n�o apenas do Pix. Isso porque o limite da conta se sobrep�e ao das transfer�ncias via Pix e, caso ele continue alto, o assaltante conseguir� concluir a opera��o.
Tamb�m h� cuidados para n�o se tornar um alvo f�cil dos bandidos. Um deles, segundo o delegado, � n�o ficar dentro do carro parado na rua ou falando ao celular. Ele tamb�m orienta que as pessoas sejam breves ao entrar e sair de casa, pois � um dos principais momentos de distra��o que os bandidos aproveitam para atacar.
A delegacia antissequestro do Garra tem 13 policiais para investigar todos os sequestros-rel�mpago que acontecem na cidade de S�o Paulo, que possui 12 milh�es de habitantes.
"Todo dia a gente est� ralando para investigar e prender esses bandidos. Mas a seguran�a � um dever de todo mundo, ent�o pedimos sempre o apoio dos bancos e da pr�pria popula��o para que a gente evite esse tipo de ocorr�ncia que est� crescendo numa propor��o enorme", concluiu o delegado Tarcio Severo.
A pena para quem pratica sequestro-rel�mpago pode chegar a mais de 20 anos de pris�o, dependendo dos agravantes.
Em m�dia, a pena � de 18 a 22 anos, pois acumula os crimes de roubo e extors�o mediante sequestro. Em alguns casos, tamb�m h� associa��o criminosa pela quantidade de integrantes e por envolvimento em outros crimes.
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