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Estado de Minas COMPORTAMENTO

'Fui contratada gr�vida': desafiando o 'tabu' de empregar gestantes e m�es

Estudo da consultoria iDados mostra que n�o m�es ganham em m�dia 18% a mais que m�es no pa�s


04/09/2021 14:47 - atualizado 04/09/2021 16:52

Grávida trabalhando diante do computador; 'é um tabu gigante' no mercado de trabalho, escreveu uma mulher que foi contratada durante a gestação
Gr�vida trabalhando diante do computador; '� um tabu gigante' no mercado de trabalho, escreveu uma mulher que foi contratada durante a gesta��o (foto: Getty Images)

Quando compartilhou a not�cia de que havia sido contratada por uma nova empresa mesmo estando gr�vida de mais de 20 semanas, a contadora ga�cha Betina Brina Teixeira recebeu olhares incr�dulos at� mesmo de mulheres.

"Me perguntavam: 'te contrataram mesmo? N�o � um emprego tempor�rio?'", conta. "Me chamou a aten��o que isso n�o foi normalizado. Ainda causa um choque."

Betina, que iniciou h� dois meses sua nova posi��o na contabilidade de uma fintech (empresa provedora de produtos financeiros digitais) e concilia o trabalho com as semanas finais da gesta��o, contou sua conquista profissional em um post na rede social corporativa Linkedin:

"CONTRATADA GR�VIDA??? SIMMMM! Ser mulher no mercado de trabalho � desafiador, infelizmente ainda existe uma 'prova��o' extra que precisamos fazer, pelo simples fato de ser. Ser mulher e gestante, a� � um tabu gigante. A maternidade e o mercado de trabalho ainda est�o construindo um relacionamento, aos poucos as pessoas v�o mudando a mentalidade e provavelmente esse tipo de situa��o 'constrangedora' ir� virar hist�ria", escreveu, comemorando a "recep��o acolhedora" que recebeu de seus novos empregadores e colegas de trabalho.

A postagem teve mais de 25 mil curtidas e 740 coment�rios.

"E nesses coment�rios muitas mulheres contaram o inverso (da minha hist�ria), ent�o a gente nota que existe um preconceito muito grande quando a gente se torna m�e."

Caroline dos Santos Gomes, de S�o Paulo, foi chamada para um novo emprego na �rea de governan�a em TI na mesma semana em que descobriu sua gesta��o, ainda no in�cio. "Quando avisei a empresa e a resposta foi 'n�o tem problema nenhum', eu me senti muito valorizada, ainda mais se tratando de gestores homens que eu ainda n�o conhecia", conta ela, agora em sua 15ª semana de gravidez e nos primeiros meses em seu novo trabalho.

"Vi que fui avaliada pelo meu potencial na empresa, e tem sido assim at� hoje", prossegue. "Quando tornei p�blicas a contrata��o e a gravidez, vi que n�o era um caso isolado na empresa e tor�o para que outras empresas ampliem sua vis�o, de que o que elas precisam � da profissional em si."

De um lado, em redes como Linkedin e Instagram, est�o mais comuns relatos de mulheres que, como Betina e Caroline, celebram contrata��es em plena gravidez - e justamente em um per�odo de desemprego alto.

De outro, por�m, dados e estudos apontam que as barreiras e desigualdades para mulheres gr�vidas e m�es persistentem - e s�o bem maiores do que as enfrentadas pelos homens.

As Estat�sticas de G�nero do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), divulgadas em mar�o deste ano, apontaram que o n�vel de ocupa��o das mulheres de 25 a 49 anos que vivem com crian�as de at� tr�s anos era de 54,6%, contra 89,2% dos homens da mesma faixa et�ria e nas mesmas circunst�ncias.

O n�vel de ocupa��o era ainda mais baixo se fossem consideradas apenas as mulheres negras ou pardas.

O sal�rio das mulheres tamb�m � menor, na m�dia, quando elas se tornam m�es. A remunera��o das que t�m filhos � 18,1% menor do que as sem filhos, segundo dados referentes a mulheres de 25 a 35 anos obtidos da partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua, do IBGE, do primeiro trimestre de 2021, levantados pela pesquisadora Mariana Leite, da consultoria iDados, a pedido da BBC News Brasil.

As que t�m tr�s filhos ou mais chegam ganhar 42% a menos do que as sem filhos.


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(foto: Reprodu��o/Linkedin)

E, no per�odo da gravidez, "enquanto a possibilidade de trabalhar dos futuros pais n�o se altera, a das m�es cai fortemente conforme o nascimento de um beb� se aproxima", apontaram os pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada) Marcos Hecksher, Ana Luiza Barbosa e Joana Costa em uma nota t�cnica publicada em abril de 2020 .

"O percentual que nem estuda nem trabalha j� � mais alto entre as futuras m�es do que entre os futuros pais antes mesmo dos trimestres de gravidez, mas a diferen�a se acentua muito durante a espera e ap�s o nascimento dos(as) filhos(as)."

'Pode ser que voc� passe mal'

"Quando vejo postagens de mulheres sendo contratadas gr�vidas, fico feliz por elas - porque muitas empresas n�o gostam quando a gente � m�e, imagina ent�o gr�vida", diz a qu�mica Michelle Silva, de S�o Paulo, ainda traumatizada pela experi�ncia pr�pria, ocorrida poucos meses antes do in�cio da pandemia:

"Havia sido contratada para o meu emprego dos meus sonhos. Passei na entrevista online para uma bolsa de p�s-doutorado e, quando pediram meus documentos, falei que estava gr�vida."

Mas, ao contar da gesta��o, Michelle teve sua contrata��o revogada.

"Eu s� chorava. Entrei em depress�o. Da� a vida seguiu e fui encontrando outros caminhos. Minha beb� tem 1 ano e 4 meses. Ainda sonho em trabalhar l� - gostaria de acreditar que o que aconteceu comigo n�o foi por uma pol�tica da empresa em si, e sim do conjunto de pessoas que estavam l�. E olha que uma delas j� havia passado por uma gesta��o. Eram todos doutores, pessoas muito estudadas."

Elisa Diolinda, do Rio de Janeiro, viveu experi�ncia semelhante ao trocar de emprego recentemente. Depois de muitos anos tentando engravidar, a gesta��o ocorreu simultaneamente ao fim de um longo processo seletivo para trabalhar em uma grande empresa brasileira.


Salário médio da mulher decresce, na média, à medida que ela tem mais filhos, sinalizando uma estagnação profissional
Sal�rio m�dio da mulher decresce, na m�dia, � medida que ela tem mais filhos, sinalizando uma estagna��o profissional (foto: Getty Images)

"Quando o RH contou (da gravidez) ao meu gestor, a contrata��o foi encerrada", conta ela, que � formada em log�stica empresarial e est� agora na trig�sima semana de gesta��o.

"Um deles (gestores) foi bem claro: 'voc� vai ter que se deslocar e com a barriga n�o vai conseguir dirigir. � complicado, pode ser que voc� passe mal'. Eu disse que estava bem disposta, mas que de fato n�o sabia se mais para frente estaria igual. Poderia, de qualquer forma, fazer o trabalho remotamente, ainda mais agora na pandemia. Mas eles j� previam coisas negativas que iam acontecer comigo. � um pr�-julgamento machista", queixa-se.

A volta (ou n�o) ap�s a licen�a-maternidade

E, como atestam as diferen�as salariais entre m�es e n�o m�es, as desigualdades prosseguem quando a mulher volta da licen�a-maternidade.

Em 2016, a economista e professora da FGV-Rio Cecilia Machado e colegas se puseram a analisar o que acontecia com as mulheres no mercado de trabalho formal (ou seja, de carteira assinada) quando sua licen�a-maternidade (de 4 ou 6 meses) chegava ao fim.

Eles descobriram que entre 40% a 50% delas sa�am do mercado formal e dificilmente retornavam depois.

Pode at� ser que parte dessas mulheres tenha conseguido um trabalho informal que lhe fosse mais ben�fico ou flex�vel. Mas, de qualquer modo, o fen�meno gera perdas para essas mulheres e para a economia em geral por dois motivos, explica Machado:

"O primeiro � que se refor�a uma desigualdade no mercado de trabalho - j� sabemos que a produtividade � maior em um ambiente mais diverso", diz ela.

"O segundo � que quem est� no mercado de trabalho formal j� tem um n�vel de educa��o mais alto. O fato de ela n�o voltar ao mercado (ap�s a licen�a-maternidade) significa que n�o haver� um retorno do que foi investido nela."

Na pr�tica, tanto a empresa perde o que investiu no treinamento e no conhecimento daquela profissional espec�fica, quanto ela tamb�m vai ter alguma perda no processo, inclusive porque deixar� de ter la�os com a economia formal.


Estudo da FGV identificou que entre 40% e 50% das mulheres não voltam ao mercado de trabalho formal após o fim de sua licença-maternidade
Estudo da FGV identificou que entre 40% e 50% das mulheres n�o voltam ao mercado de trabalho formal ap�s o fim de sua licen�a-maternidade (foto: Getty Images)

Embora esse problema n�o seja exclusivo do Brasil, Cecilia Machado acredita que, por aqui, o debate costuma ficar restrito � dura��o da licen�a-maternidade, em vez de focar em outros aspectos que podem ter tanto (ou at� mais) impacto na manuten��o - ou na sa�da - da mulher do mercado profissional.

"Aqui a gente s� fala de extens�o dessa licen�a-maternidade, mas n�o fala de pol�ticas de creche, de igualdade (no mercado de trabalho) ou de uma licen�a-parental que n�o seja s� para a m�e, e de incentivos para que o pai tamb�m tire essa licen�a", diz a economista � BBC News Brasil.

E, em parte, diz ela, essas quest�es transcendem as pol�ticas p�blicas e envolvem normas culturais que ainda relegam � mulher a maior parte do cuidado com a fam�lia.

As estat�sticas refor�am isso. Segundo o IBGE, as mulheres dedicam quase o dobro do tempo que os homens aos cuidados dom�sticos ou de pessoas: 21,4 horas semanais para elas, contra 11 horas semanais para eles.

De modo geral, as mulheres est�o (junto a negros e jovens) entre os grupos mais vulner�veis ao desemprego no Brasil, sobretudo no per�odo de pandemia, segundo dados do Ipea.

Em estudo rec�m-publicado , os pesquisadores Hecksher, Costa e Barbosa observaram que, nos primeiros meses da crise do coronav�rus, no ano passado, menos de 40% das mulheres estavam ocupadas no pa�s.

"E sem d�vida gr�vidas e m�es est�o ainda mais vulner�veis", diz Joana Costa � BBC News Brasil. "Esse diferencial j� existia antes da pandemia, que apenas o agravou, porque dificultou o acesso das mulheres �s redes de apoio (para dividir os cuidados com os filhos). Agora, com a retomada da economia, a volta �s aulas presenciais, o aumento da vacina��o e a volta dessa rede de apoio, a expectativa � de que as mulheres consigam diminuir sua sobrecarga e se inserir no mercado" - mas no m�ximo estacionando nos desiguais n�veis pr�-pandemia, agrega Costa.

O reflexo de tudo isso � sentido nas perspectivas de trabalho.

"A gente ouve falar mais de diversidade, mas eu ainda n�o vejo (na pr�tica). A maioria das empresas tem as portas fechadas para a maternidade", opina Jozi Lambert, que fez sua carreira na �rea de Recursos Humanos de empresas mas hoje trabalha por conta pr�pria, com consultoria e palestras, na regi�o de Cambu�, sul de Minas Gerais.

"Comecei a empreender n�o porque achasse lindo ou f�cil, mas porque precisei", conta ela, depois de ter sido demitida durante sua terceira gravidez (ela � m�e de quatro crian�as).

"Nunca fui de faltar ao trabalho porque sempre tive uma boa rede de apoio, mas eu passei muito mal naquela gesta��o. Perdi 11 quilos, tinha muito enjoo."

Ela chegou a ficar temporariamente afastada com atestado m�dico, mas acabou sendo demitida por justa causa, por n�o comparecer ao trabalho.


'Se essa mulher for amparada (na maternidade), ela volta muito mais forte ao trabalho. Uma mãe é alguém que sabe trabalhar sob pressão', defende Jozi Lambert, que foi demitida durante sua terceira gravidez
'Se essa mulher for amparada (na maternidade), ela volta muito mais forte ao trabalho. Uma m�e � algu�m que sabe trabalhar sob press�o', defende Jozi Lambert, que foi demitida durante sua terceira gravidez (foto: Arquivo pessoal)

"Foi uma das piores coisas da minha vida, mas tamb�m uma das melhores, porque sei como n�o quero ser (no caso de se tornar chefe de mulheres gr�vidas)", diz ela.

Embora tenha encontrado prazer, flexibilidade e prop�sito no seu trabalho atual, Jozi continua procurando emprego porque sente falta da estabilidade proporcionada por um emprego fixo.

"Infelizmente prevalece nas empresas, principalmente as de pequeno porte, a mentalidade de que a 'mulher vai se ausentar' (por causa da gesta��o e do nascimento do beb�). Mas se essa mulher for amparada, ela volta muito mais forte ao trabalho. Quando as mulheres s�o acolhidas, elas usam de sua pot�ncia para performar. Uma m�e � algu�m que sabe trabalhar sob press�o. Estou aqui falando com voc� e cuidando das minhas quatro crian�as", defende.

Betina, a gr�vida cuja hist�ria abre essa reportagem, concorda. Ela, que j� � m�e de um menino de quase dois anos, acha que voltou da primeira gesta��o com mais resili�ncia e capacidade de "gest�o do caos".

Agora, na segunda gravidez, Betina diz que a seguran�a que recebeu de sua nova empresa lhe deu tranquilidade para "acelerar o trabalho e deixar tudo organizado para a minha aus�ncia na licen�a".

"Acho que as empresas t�m de pensar (a contrata��o) como um investimento a longo prazo no perfil daquela profissional - ela vai precisar se ausentar, mas vai valer a pena. Aqui, eu mergulhei de cabe�a para criar templates e automatizar os processos. Mas consegui fazer isso porque a empresa encarou isso comigo - e � preciso respeitar o limite de cada pessoa", diz.

"A gente (mulheres) est� numa luta. Se pararmos para pensar, n�o faz nem cem anos que temos direito a voto no Brasil. Que legal que agora podemos discutir isso, empregos na gravidez. Quanto mais a gente falar, menos tabu vai ser."

Mas ela tamb�m reflete: "Ningu�m pergunta ao meu marido (em entrevistas de emprego) se ele vai ser pai. � como se fosse um problema s� da mulher."

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