
Quando compartilhou a not�cia de que havia sido contratada por uma nova empresa mesmo estando gr�vida de mais de 20 semanas, a contadora ga�cha Betina Brina Teixeira recebeu olhares incr�dulos at� mesmo de mulheres.
"Me perguntavam: 'te contrataram mesmo? N�o � um emprego tempor�rio?'", conta. "Me chamou a aten��o que isso n�o foi normalizado. Ainda causa um choque."
Betina, que iniciou h� dois meses sua nova posi��o na contabilidade de uma fintech (empresa provedora de produtos financeiros digitais) e concilia o trabalho com as semanas finais da gesta��o, contou sua conquista profissional em um post na rede social corporativa Linkedin:
"CONTRATADA GR�VIDA??? SIMMMM! Ser mulher no mercado de trabalho � desafiador, infelizmente ainda existe uma 'prova��o' extra que precisamos fazer, pelo simples fato de ser. Ser mulher e gestante, a� � um tabu gigante. A maternidade e o mercado de trabalho ainda est�o construindo um relacionamento, aos poucos as pessoas v�o mudando a mentalidade e provavelmente esse tipo de situa��o 'constrangedora' ir� virar hist�ria", escreveu, comemorando a "recep��o acolhedora" que recebeu de seus novos empregadores e colegas de trabalho.
A postagem teve mais de 25 mil curtidas e 740 coment�rios.
"E nesses coment�rios muitas mulheres contaram o inverso (da minha hist�ria), ent�o a gente nota que existe um preconceito muito grande quando a gente se torna m�e."
Caroline dos Santos Gomes, de S�o Paulo, foi chamada para um novo emprego na �rea de governan�a em TI na mesma semana em que descobriu sua gesta��o, ainda no in�cio. "Quando avisei a empresa e a resposta foi 'n�o tem problema nenhum', eu me senti muito valorizada, ainda mais se tratando de gestores homens que eu ainda n�o conhecia", conta ela, agora em sua 15ª semana de gravidez e nos primeiros meses em seu novo trabalho.
"Vi que fui avaliada pelo meu potencial na empresa, e tem sido assim at� hoje", prossegue. "Quando tornei p�blicas a contrata��o e a gravidez, vi que n�o era um caso isolado na empresa e tor�o para que outras empresas ampliem sua vis�o, de que o que elas precisam � da profissional em si."
De um lado, em redes como Linkedin e Instagram, est�o mais comuns relatos de mulheres que, como Betina e Caroline, celebram contrata��es em plena gravidez - e justamente em um per�odo de desemprego alto.
De outro, por�m, dados e estudos apontam que as barreiras e desigualdades para mulheres gr�vidas e m�es persistentem - e s�o bem maiores do que as enfrentadas pelos homens.
As Estat�sticas de G�nero do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), divulgadas em mar�o deste ano, apontaram que o n�vel de ocupa��o das mulheres de 25 a 49 anos que vivem com crian�as de at� tr�s anos era de 54,6%, contra 89,2% dos homens da mesma faixa et�ria e nas mesmas circunst�ncias.
O n�vel de ocupa��o era ainda mais baixo se fossem consideradas apenas as mulheres negras ou pardas.
O sal�rio das mulheres tamb�m � menor, na m�dia, quando elas se tornam m�es. A remunera��o das que t�m filhos � 18,1% menor do que as sem filhos, segundo dados referentes a mulheres de 25 a 35 anos obtidos da partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua, do IBGE, do primeiro trimestre de 2021, levantados pela pesquisadora Mariana Leite, da consultoria iDados, a pedido da BBC News Brasil.
As que t�m tr�s filhos ou mais chegam ganhar 42% a menos do que as sem filhos.

E, no per�odo da gravidez, "enquanto a possibilidade de trabalhar dos futuros pais n�o se altera, a das m�es cai fortemente conforme o nascimento de um beb� se aproxima", apontaram os pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada) Marcos Hecksher, Ana Luiza Barbosa e Joana Costa em uma nota t�cnica publicada em abril de 2020 .
"O percentual que nem estuda nem trabalha j� � mais alto entre as futuras m�es do que entre os futuros pais antes mesmo dos trimestres de gravidez, mas a diferen�a se acentua muito durante a espera e ap�s o nascimento dos(as) filhos(as)."
'Pode ser que voc� passe mal'
"Quando vejo postagens de mulheres sendo contratadas gr�vidas, fico feliz por elas - porque muitas empresas n�o gostam quando a gente � m�e, imagina ent�o gr�vida", diz a qu�mica Michelle Silva, de S�o Paulo, ainda traumatizada pela experi�ncia pr�pria, ocorrida poucos meses antes do in�cio da pandemia:
"Havia sido contratada para o meu emprego dos meus sonhos. Passei na entrevista online para uma bolsa de p�s-doutorado e, quando pediram meus documentos, falei que estava gr�vida."
Mas, ao contar da gesta��o, Michelle teve sua contrata��o revogada.
"Eu s� chorava. Entrei em depress�o. Da� a vida seguiu e fui encontrando outros caminhos. Minha beb� tem 1 ano e 4 meses. Ainda sonho em trabalhar l� - gostaria de acreditar que o que aconteceu comigo n�o foi por uma pol�tica da empresa em si, e sim do conjunto de pessoas que estavam l�. E olha que uma delas j� havia passado por uma gesta��o. Eram todos doutores, pessoas muito estudadas."
Elisa Diolinda, do Rio de Janeiro, viveu experi�ncia semelhante ao trocar de emprego recentemente. Depois de muitos anos tentando engravidar, a gesta��o ocorreu simultaneamente ao fim de um longo processo seletivo para trabalhar em uma grande empresa brasileira.

"Quando o RH contou (da gravidez) ao meu gestor, a contrata��o foi encerrada", conta ela, que � formada em log�stica empresarial e est� agora na trig�sima semana de gesta��o.
"Um deles (gestores) foi bem claro: 'voc� vai ter que se deslocar e com a barriga n�o vai conseguir dirigir. � complicado, pode ser que voc� passe mal'. Eu disse que estava bem disposta, mas que de fato n�o sabia se mais para frente estaria igual. Poderia, de qualquer forma, fazer o trabalho remotamente, ainda mais agora na pandemia. Mas eles j� previam coisas negativas que iam acontecer comigo. � um pr�-julgamento machista", queixa-se.
A volta (ou n�o) ap�s a licen�a-maternidade
E, como atestam as diferen�as salariais entre m�es e n�o m�es, as desigualdades prosseguem quando a mulher volta da licen�a-maternidade.
Em 2016, a economista e professora da FGV-Rio Cecilia Machado e colegas se puseram a analisar o que acontecia com as mulheres no mercado de trabalho formal (ou seja, de carteira assinada) quando sua licen�a-maternidade (de 4 ou 6 meses) chegava ao fim.
Eles descobriram que entre 40% a 50% delas sa�am do mercado formal e dificilmente retornavam depois.
Pode at� ser que parte dessas mulheres tenha conseguido um trabalho informal que lhe fosse mais ben�fico ou flex�vel. Mas, de qualquer modo, o fen�meno gera perdas para essas mulheres e para a economia em geral por dois motivos, explica Machado:
"O primeiro � que se refor�a uma desigualdade no mercado de trabalho - j� sabemos que a produtividade � maior em um ambiente mais diverso", diz ela.
"O segundo � que quem est� no mercado de trabalho formal j� tem um n�vel de educa��o mais alto. O fato de ela n�o voltar ao mercado (ap�s a licen�a-maternidade) significa que n�o haver� um retorno do que foi investido nela."
Na pr�tica, tanto a empresa perde o que investiu no treinamento e no conhecimento daquela profissional espec�fica, quanto ela tamb�m vai ter alguma perda no processo, inclusive porque deixar� de ter la�os com a economia formal.

Embora esse problema n�o seja exclusivo do Brasil, Cecilia Machado acredita que, por aqui, o debate costuma ficar restrito � dura��o da licen�a-maternidade, em vez de focar em outros aspectos que podem ter tanto (ou at� mais) impacto na manuten��o - ou na sa�da - da mulher do mercado profissional.
"Aqui a gente s� fala de extens�o dessa licen�a-maternidade, mas n�o fala de pol�ticas de creche, de igualdade (no mercado de trabalho) ou de uma licen�a-parental que n�o seja s� para a m�e, e de incentivos para que o pai tamb�m tire essa licen�a", diz a economista � BBC News Brasil.
E, em parte, diz ela, essas quest�es transcendem as pol�ticas p�blicas e envolvem normas culturais que ainda relegam � mulher a maior parte do cuidado com a fam�lia.
As estat�sticas refor�am isso. Segundo o IBGE, as mulheres dedicam quase o dobro do tempo que os homens aos cuidados dom�sticos ou de pessoas: 21,4 horas semanais para elas, contra 11 horas semanais para eles.
De modo geral, as mulheres est�o (junto a negros e jovens) entre os grupos mais vulner�veis ao desemprego no Brasil, sobretudo no per�odo de pandemia, segundo dados do Ipea.
Em estudo rec�m-publicado , os pesquisadores Hecksher, Costa e Barbosa observaram que, nos primeiros meses da crise do coronav�rus, no ano passado, menos de 40% das mulheres estavam ocupadas no pa�s.
"E sem d�vida gr�vidas e m�es est�o ainda mais vulner�veis", diz Joana Costa � BBC News Brasil. "Esse diferencial j� existia antes da pandemia, que apenas o agravou, porque dificultou o acesso das mulheres �s redes de apoio (para dividir os cuidados com os filhos). Agora, com a retomada da economia, a volta �s aulas presenciais, o aumento da vacina��o e a volta dessa rede de apoio, a expectativa � de que as mulheres consigam diminuir sua sobrecarga e se inserir no mercado" - mas no m�ximo estacionando nos desiguais n�veis pr�-pandemia, agrega Costa.
O reflexo de tudo isso � sentido nas perspectivas de trabalho.
"A gente ouve falar mais de diversidade, mas eu ainda n�o vejo (na pr�tica). A maioria das empresas tem as portas fechadas para a maternidade", opina Jozi Lambert, que fez sua carreira na �rea de Recursos Humanos de empresas mas hoje trabalha por conta pr�pria, com consultoria e palestras, na regi�o de Cambu�, sul de Minas Gerais.
"Comecei a empreender n�o porque achasse lindo ou f�cil, mas porque precisei", conta ela, depois de ter sido demitida durante sua terceira gravidez (ela � m�e de quatro crian�as).
"Nunca fui de faltar ao trabalho porque sempre tive uma boa rede de apoio, mas eu passei muito mal naquela gesta��o. Perdi 11 quilos, tinha muito enjoo."
Ela chegou a ficar temporariamente afastada com atestado m�dico, mas acabou sendo demitida por justa causa, por n�o comparecer ao trabalho.

"Foi uma das piores coisas da minha vida, mas tamb�m uma das melhores, porque sei como n�o quero ser (no caso de se tornar chefe de mulheres gr�vidas)", diz ela.
Embora tenha encontrado prazer, flexibilidade e prop�sito no seu trabalho atual, Jozi continua procurando emprego porque sente falta da estabilidade proporcionada por um emprego fixo.
"Infelizmente prevalece nas empresas, principalmente as de pequeno porte, a mentalidade de que a 'mulher vai se ausentar' (por causa da gesta��o e do nascimento do beb�). Mas se essa mulher for amparada, ela volta muito mais forte ao trabalho. Quando as mulheres s�o acolhidas, elas usam de sua pot�ncia para performar. Uma m�e � algu�m que sabe trabalhar sob press�o. Estou aqui falando com voc� e cuidando das minhas quatro crian�as", defende.
Betina, a gr�vida cuja hist�ria abre essa reportagem, concorda. Ela, que j� � m�e de um menino de quase dois anos, acha que voltou da primeira gesta��o com mais resili�ncia e capacidade de "gest�o do caos".
Agora, na segunda gravidez, Betina diz que a seguran�a que recebeu de sua nova empresa lhe deu tranquilidade para "acelerar o trabalho e deixar tudo organizado para a minha aus�ncia na licen�a".
"Acho que as empresas t�m de pensar (a contrata��o) como um investimento a longo prazo no perfil daquela profissional - ela vai precisar se ausentar, mas vai valer a pena. Aqui, eu mergulhei de cabe�a para criar templates e automatizar os processos. Mas consegui fazer isso porque a empresa encarou isso comigo - e � preciso respeitar o limite de cada pessoa", diz.
"A gente (mulheres) est� numa luta. Se pararmos para pensar, n�o faz nem cem anos que temos direito a voto no Brasil. Que legal que agora podemos discutir isso, empregos na gravidez. Quanto mais a gente falar, menos tabu vai ser."
Mas ela tamb�m reflete: "Ningu�m pergunta ao meu marido (em entrevistas de emprego) se ele vai ser pai. � como se fosse um problema s� da mulher."
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