
O uso de c�meras de filmagens nas fardas policiais resultou em uma queda de at� 61,2% no uso de for�a pelos agentes de seguran�a, incluindo uso de for�a f�sica, armas letais e n�o letais, algemas e realiza��o de pris�es em ocorr�ncias com a presen�a de civis.
� o que revela estudo realizado por pesquisadores das universidades de Warwick, Queen Mary e da London School of Economics, no Reino Unido, e da PUC-Rio (Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio de Janeiro), no Brasil, com base em experimento realizado junto � Pol�cia Militar de Santa Catarina.
Segundo o estudo, o uso de c�meras resulta tamb�m em uma melhora na qualidade dos dados reportados pelos policiais, com maior produ��o de boletins de ocorr�ncia encaminhados � Pol�cia Civil.
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Em casos de viol�ncia dom�stica, por exemplo, a frequ�ncia de registro aumentou 67,5% durante o experimento, o que sugere que, sem as c�meras, esse tipo de ocorr�ncia muitas vezes deixava de ser reportado ou era registrado sob outras classifica��es.
"O uso de c�meras nas fardas pelos policiais � uma das poucas interven��es que t�m um efeito t�o forte e significativo em melhorar a rela��o entre pol�cia e sociedade", observa Pedro Souza, professor de economia na Queen Mary University e um dos autores do estudo ao lado de Daniel Barbosa (PUC-Rio), Thiemo Fetzer (Warwick) e Caterina Soto (LSE).
"Nosso estudo � uma comprova��o cient�fica, com os melhores padr�es, que de fato as c�meras t�m esse efeito", acrescenta.
Os resultados do estudo foram publicados como texto para discuss�o em setembro e est�o submetidos para publica��o em peri�dico cient�fico. Os dados foram coletados entre setembro e dezembro de 2018.
Desde a realiza��o do experimento, as pol�cias de Santa Catarina e S�o Paulo j� adotaram o uso de c�meras nas fardas e a implementa��o da tecnologia est� em debate tamb�m em ao menos outros seis Estados - Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Amap�, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
S�o Paulo adotou o uso de c�meras acopladas ao uniforme de policiais em ao menos 18 batalh�es da Pol�cia Militar. O �ndice de mortes decorrentes de interven��o policial caiu em junho deste ano ao menor patamar desde maio de 2013.
O processo de implementa��o das c�meras, por�m, tem seus percal�os.
Em Santa Catarina, policiais reivindicam que as c�meras sejam acionadas pelos pr�prios agentes, e n�o automaticamente como ocorre atualmente. Eles tamb�m defendem o sigilo das filmagens, ap�s epis�dio em que um v�deo produzido por uma c�mera na farda foi divulgado pela imprensa, gerando forte clamor na opini�o p�blica antes do julgamento dos policiais.
O pesquisador Pedro Souza avalia que as preocupa��es dos policiais s�o leg�timas, mas ele considera que a redu��o do uso de for�a possibilitada pelas c�meras n�o � ben�fica apenas para os cidad�os, mas tamb�m para a pol�cia. "Isso faz o dia a dia do policial mais pac�fico", afirma.

Experimento num pa�s com alta taxa de homic�dios
O estudo foi realizado em cinco munic�pios de Santa Catarina (Florian�polis, S�o Jos�, Bigua�u, Tubar�o e Jaragu� do Sul) e envolveu 450 policiais escolhidos aleatoriamente, sendo 150 designados para usar as c�meras em seus uniformes e 300 que formaram o chamado grupo de controle, que n�o usaram as c�meras e serviram de base de compara��o.
Por protocolo, os policiais com as c�meras foram instru�dos a filmar todas as ocorr�ncias que envolvessem intera��es com civis (com poucas exce��es, como opera��es sens�veis ou com agentes infiltrados). Os policiais tamb�m eram obrigados a informar os cidad�os sobre a realiza��o da filmagem.
"O que nos levou a realizar esse experimento foi acreditarmos que esse � um tipo de tecnologia que ajuda na rela��o entre pol�cia e cidad�o e que ela poderia ter efeitos positivos", explica Souza. "Por outro lado, t�nhamos uma inquieta��o com a literatura acad�mica que mostrava que n�o tinha nenhum resultado ou bem pr�ximo de zero."
O pesquisador lembra que todos os estudos at� ent�o tinham sido feitos nos Estados Unidos ou Reino Unido. A t�tulo de compara��o, a taxa de homic�dios no Brasil em 2018 era de 27,4 a cada 100 mil habitantes, comparado a 5,0 nos Estados Unidos e 1,2 no Reino Unido. Em Santa Catarina especificamente, a taxa de homic�dios naquele ano era tr�s vezes maior que a americana e 12 vezes superior � brit�nica.
O pesquisador diz que essa diferen�a de contexto para a atua��o das pol�cias pode ser uma das explica��es para os resultados encontrados no estudo feito no Brasil.

Os resultados
Os pesquisadores apontam que as c�meras t�m um efeito grande na rela��o entre policiais e civis em ocorr�ncias, com redu��o de 28,5% na apresenta��o de acusa��es de desacato, desobedi�ncia ou resist�ncia contra cidad�os; diminui��o de 61,2% do uso de for�a (f�sica, letal ou n�o letal); e queda de 6,2% no uso de algemas e realiza��o de pris�es.
A produ��o de registros das ocorr�ncias para encaminhamento � Pol�cia Civil cresceu 9,2%, o registro de ocorr�ncias com v�timas aumentou 19,2% e, como j� mencionado, houve um crescimento significativo nos registros de ocorr�ncias relacionadas a viol�ncia dom�stica.
"A observa��o do policial no despacho � possivelmente o in�cio de um processo criminal", diz o professor da Queen Mary University, sobre a import�ncia da melhora dos registros de casos de viol�ncia dom�stica.
"Em segundo lugar, isso permite a elabora��o de pol�ticas p�blicas espec�ficas para a viol�ncia dom�stica. Em terceiro, permite metrificar e avaliar se as a��es est�o tendo um efeito para a redu��o desse tipo de viol�ncia."
Os dados tamb�m indicam que o efeito � maior nas ocorr�ncias de baixo risco — a classifica��o � feita pela pr�pria Pol�cia Militar considerando se h� feridos, se o suspeito ainda est� no local, se esse suspeito est� armado e se h� risco de tumulto. Nesse tipo de ocorr�ncia, a queda no �ndice de intera��es negativas foi de 48% durante o experimento.
"A interpreta��o disso � que a c�mera n�o vai alterar a situa��o quando h� algum confronto entre a pol�cia e o cidad�o. Ela tem efeito numa situa��o mais simples, prevenindo que ela escale para uma outra situa��o em que o uso da for�a se fa�a necess�rio", diz Souza.
O estudo mostrou ainda que os resultados s�o maiores quando a c�mera � utilizada por um policial de mais baixa patente — os policiais de patentes mais altas gravaram as ocorr�ncias 22,8% menos do que os profissionais mais juniores.
"Policiais em in�cio de carreira s�o mais propensos a mostrar melhorias de comportamento e de cumprimento de protocolo quando na presen�a de uma c�mera", observam os pesquisadores, no estudo. "Isso sugere que a redu��o de eventos negativos entre policiais e cidad�os � impulsionada principalmente por mudan�as no comportamento do policial, mais do que por mudan�as de conduta dos cidad�os quando em presen�a da c�mera", avaliam.

Os policiais e as c�meras
Depois da realiza��o dos experimento pelos pesquisadores, o uso de c�meras corporais pelos policiais militares em Santa Catarina foi implementado oficialmente em julho de 2019. Desde ent�o, o uso dos equipamentos tem gerado diversos embates.
O primeiro deles foi com rela��o ao momento de acionamento da filmagem. Pelo protocolo adotado inicialmente, a c�mera iniciava automaticamente a grava��o no momento em que a ocorr�ncia era comunicada pela Central — diferentemente do estudo, em que o acionamento era feito pelos pr�prios policiais.
Segundo Mariana Lixa, advogada da Aprasc (Associa��o de Pra�as do Estado de Santa Catarina) e da Fenepe (Federa��o Nacional de Entidades de Pra�as Estaduais), isso gerou situa��es de invas�o da privacidade de policiais, com a filmagem de policiais no banheiro ou de liga��es telef�nicas pessoais ou profissionais que n�o poderiam ser filmadas.
Para evitar esse tipo de situa��o, a c�mara passou a ser acionada pela Central um pouco antes da chegada da viatura ao local de ocorr�ncia, relata a advogada.
Segundo ela, um problema, no entanto, � que o policial tem atividade "exclusiva e permanente", o que significa que ele continua sendo policial nos seus momentos de folga. Assim, o policial que se depara com uma ocorr�ncia fora do seu hor�rio de trabalho � obrigado a agir, mas ele n�o disp�e nesse momento de seu equipamento completo, incluindo a c�mera.
Outra situa��o � que, em determinados casos, as viaturas de ronda que atuam em �reas problem�ticas se deparam com ocorr�ncias e n�o t�m tempo de ligar para a Central, para gerar uma despacho que acionaria a c�mera. Assim, esses dois tipo de ocorr�ncia �s vezes n�o s�o filmadas, deixando o policial vulner�vel a ser penalizado.
"A c�mera � uma ferramenta muito importante, � uma tend�ncia mundial, mas entendemos que essa ferramenta ainda precisa de ajustes", diz Lixa.
Segundo ela, um outro problema relacionado ao uso das c�meras diz respeito ao sigilo das imagens. A advogada lembra de um caso que se tornou not�rio ap�s um site publicar, em mar�o deste ano, imagens produzidas por uma c�mera corporal usada por policial, que mostravam uma comerciante sendo estrangulada e borrifada com spray de pimenta a curta dist�ncia durante uma ocorr�ncia.
Segundo ela, a circula��o das imagens aconteceu antes do julgamento dos policiais em processo administrativo e do oferecimento de den�ncia, e os policiais sofreram amea�as devido � forte repercuss�o do caso e tiveram que se afastar do servi�o.
Depois desse epis�dio, houve novo ajuste, e o download das imagens foi impossibilitado, sendo acess�vel apenas a visualiza��o pelo Minist�rio P�blico, mediante disponibiliza��o de uma senha. Na perspectiva da advogada, a popula��o em geral s� deve ter acesso �s imagens relacionadas a uma ocorr�ncia depois do tr�nsito em julgado dos processos.
Ela defende ainda que o acionamento das c�meras n�o deve ser autom�tico, mas realizado pelo policial. Os contr�rios a essa medida argumentam que o sistema perde credibilidade se h� sele��o de imagem e que � importante que o sistema seja cr�vel e tenha a confian�a da popula��o.
O pesquisador Pedro Souza concorda que as filmagens produzidas t�m que ser tratadas com seguran�a e que o vazamento de v�deos n�o � aceit�vel.
"Mas os policiais tamb�m precisam ver os benef�cios que o uso da c�mera traz para o dia a dia da opera��o policial. Nosso estudo comprova como os efeitos positivos ocorrem n�o s� para os cidad�os, mas tamb�m para os policiais, por isso acredito que a resist�ncia a esse tipo de dispositivo — que existe n�o s� em Santa Catarina, mas em outras pol�cias do mundo — pode ser resolvida, � medida que eles se deem conta dos benef�cios", argumenta Souza.
"Defendemos o uso das c�meras", diz a advogada militar. "No entanto, defendemos o uso delas dentro da prote��o do policial militar, protegendo a abordagem, n�o o suspeito."
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