
Ainda assim, pouco se conhece at� agora sobre o melanophryniscus setiba (seu nome cient�fico), para al�m do fato de sua condi��o ser extremamente fr�gil.
Desde 2014, o sapinho-da-restinga figura na lista de esp�cies de anf�bios amea�adas de extin��o, na categoria de criticamente sob perigo.
"Ele s� � conhecido em uma localidade, cercada de desenvolvimento urbano. Qualquer dist�rbio no ambiente, como um fogo fora de controle, pode lev�-lo � extin��o", explica Peloso � BBC News Brasil.
A perda de habitats, o desmatamento, as queimadas e o aquecimento global s�o amea�as, direta ou indiretamente, a muitas formas de vida do planeta. Mas anf�bios anuros, como o sapinho-da-restinga e demais sapos, r�s e pererecas, s�o particularmente sens�veis a pequenas mudan�as de temperatura, a parasitas ou altera��es nos locais onde vivem.
Por isso, e por ocuparem um papel importante no ecossistema, sua preserva��o tem despertado a preocupa��o de ambientalistas.
�s vezes, esses anuros desaparecem de seus habitats e os bi�logos sequer conseguem entender o porqu�, diz Pedro Peloso, que � professor de zoologia da p�s-gradua��o da Universidade Federal do Par� e idealizador do projeto DoTS , que registra esp�cies de anf�bios amea�adas no Brasil.
Em abril deste ano, um estudo de pesquisadores brasileiros publicado no peri�dico cient�fico Biological Conservation detectou um "cont�nuo e cr�ptico" decl�nio de popula��es de anuros no Sudeste do Brasil, provavelmente em decorr�ncia das mudan�as clim�ticas.
Em 2018, outro estudo apontou que at� 10% das esp�cies end�micas de sapos, r�s e pererecas da Mata Atl�ntica podem ser extintas ao longo de 50 anos, � medida que as temperaturas locais e globais aumentam.

O decl�nio de popula��es de anf�bios tem ocorrido em todo o mundo, muitas vezes de modo intrigante para pesquisadores.
Mas o Brasil � um dos pa�ses que mais t�m a perder em termos absolutos, por concentrar uma variedade t�o grande de esp�cies, explica � BBC News Brasil Felipe Andrade, bi�logo e doutor em biologia animal pela Unicamp, que se especializou em micro-sapinhos.
Algumas esp�cies podem ser perdidas antes mesmo de serem estudadas ou sequer descobertas, diz Andrade.
"Se ainda n�o conhecemos e descrevemos toda a biodiversidade brasileira desse grupo animal, ser� que conseguimos estimar de fato tudo que estamos perdendo?", questiona.
Segundo um amplo mapeamento de anf�bios feito em 2019, a Am�rica do Sul abrigava mais de 2,6 mil esp�cies de anuros, e as maiores concentra��es dessa biodiversidade eram a Amaz�nia Ocidental e a Mata Atl�ntica do Sudeste brasileiro.
Mas o que torna esses animais t�o vulner�veis?
Inc�gnitas
"Os anf�bios anuros s�o um dos grupos animais mais vulner�veis ao aquecimento global, por conta, sobretudo, de suas peles finas e perme�veis, bem como sua depend�ncia da �gua para reprodu��o", prossegue Andrade.
"Qualquer diminui��o nas chuvas tem implica��o aos anf�bios, que precisam de �reas �midas", agrega Peloso.
No entanto, ainda h� muitas lacunas sobre o que a ci�ncia sabe a respeito dos perigos que amea�am esses animais e quais deles est�o sob maior risco.

"O dif�cil � saber quais (anf�bios), quando e onde estar�o sob risco de extin��o", explica � reportagem o bi�logo Agust�n Camacho, que desenvolve algoritmos e sistemas dedicados justamente a tentar prever o comportamento de ecossistemas complexos.
De um lado, diz ele, os anf�bios t�m algumas vantagens interessantes que podem ajud�-los a sobreviver: como s�o pequenos e rasteiros, s�o capazes de buscar ref�gio com alguma facilidade.
"E o fato de eles respirarem pela pele ainda gera debate entre cientistas quanto a se traz vulnerabilidade ou uma certa resili�ncia, porque eles conseguem reduzir suas temperaturas corporais em rela��o ao ambiente", agrega Camacho.
Uma disserta��o de mestrado orientada por Camacho no Instituto de Bioci�ncias da USP, de autoria de Caroline Guevara Molina, sinaliza que a toler�ncia t�rmica pode ser determinante para definir quais anuros conseguir�o sobreviver em um mundo mais quente.
O estudo coloca em xeque a antiga sabedoria popular de que uma r�, ao ser colocada em uma panela de �gua fervida lentamente, vai se adaptar � nova temperatura e ser� cozida sem perceber.
Na verdade, a r� estudada rem laborat�rio fez exatamente o contr�rio: ela foi ficando cada vez mais intolerante ao calor do recipiente onde estava.

"Essa toler�ncia vinha sendo estudada como uma carater�stica fixa dos animais (anuros), mas na verdade ela pode variar", diz Camacho.
Isso, prossegue ele, acrescenta uma camada adicional de complexidade na tentativa de se mapear as popula��es mais vulner�veis.
"Voc� pode dizer: 'um animal nunca vai viver isso (de estar em um ambiente em aquecimento lento e constante) na vida real'. Talvez n�o vivencie o tempo todo durante sua exist�ncia, mas pode vivenciar em alguns per�odos determinados."
E a quest�o ser� saber quais delas sobreviver�o a esses aumentos cont�nuos de calor.
O fungo 'apocal�ptico' e a �gua mais escassa
Para al�m disso, existe um inimigo dos anuros que j� � fartamente documentado: o fungo Bd, ou Batrachochytrium dendrobatidis , "um dos principais respons�veis pela redu��o da abund�ncia e riqueza de anf�bios dos biomas brasileiros", explica Felipe Andrade.
Essa amea�a do Bd � mundial: em 2019, uma reportagem da revista National Geographic culpou o fungo pelo "apocalipse" sofrido por sapos e salamandras ao redor do mundo, uma vez que o pat�geno, atra�do pela prote�na da pele dos anf�bios, "come-a viva".
A reportagem cita um estudo publicado na revista Science que atribu�a ao Bd o decl�nio de ao menos 501 esp�cies de anf�bios no planeta - ou uma em cada 16 esp�cies conhecidas da ci�ncia at� ent�o.
E a associa��o desse fungo com as mudan�as clim�ticas e com o aumento da temperatura das �guas tamb�m � objeto de estudo. "O Bd est� presente no mundo inteiro, mas uma altera��o do clima pode fazer com que ele se manifeste mais em alguma �rea onde talvez j� estivesse sob controle", explica Peloso.
Segundo Peloso, no Brasil, a principal amea�a a sapos, r�s e salamandras ainda recai sobre o desmatamento, que destr�i habitats e deixa as �reas de floresta cada vez mais fragmentadas e, por consequ�ncia, tamb�m mais secas.
Nesse contexto, � bom lembrar que o Brasil est� com cada vez menos �reas �midas : levantamento recente da organiza��o MapBiomas mostra que o pa�s perdeu 15% de sua superf�cie de �gua desde o in�cio dos anos 1990.
E, novamente, mesmo pequenas altera��es j� colocam muitas esp�cies em perigo.
Peloso cita o exemplo dos sapos pingo-de-ouro, que habitam as partes mais montanhosas da Mata Atl�ntica e gostam de chuva fina e neblina. "S�o bichos restritos a um ambiente bem espec�fico e a condi��es clim�ticas bem espec�ficas", aponta o bi�logo.

Outro exemplo � o da salamandra-do-Par�. "� um animal bastante �nico, que tem sido afetado pelo desmatamento em Bel�m (PA) e seu entorno. E mudan�as no regime das chuvas podem afetar muito essa esp�cie."
Ao mesmo tempo, novas esp�cies s�o frequentemente descobertas com base em min�cias invis�veis ao olho nu, explica Felipe Andrade:
"A olho nu elas at� parecem iguais, mas quando vamos analisar seu DNA, seu canto ou seu comportamento, encontramos diferen�as muito grandes e vemos que se trata de uma esp�cie nova. Exige um trabalho de formiguinha dos cientistas".
Alguns sobreviveram, ao menos temporariamente, a amea�as iminentes. Na Serra Ga�cha, a preserva��o do sapinho-admir�vel-de-barriga-vermelha, anuro de at� 4cm que ocupa uma �rea de apenas 700m � beira do rio Forqueta, levou ao cancelamento de uma licen�a ambiental para a constru��o de uma usina hidrel�trica ali.
Classificado como criticamente em perigo - al�m da possibilidade de constru��o da barragem, ele � amea�ado pela polui��o de agrot�xicos no rio e pela perda de habitat, informa o projeto DoTS -, o sapinho virou s�mbolo ao ser destacado na capa do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Amea�ada de Extin��o, publicado em 2018 pelo ICMBio, �rg�o do Minist�rio do Meio Ambiente.
Por que os sapinhos importam
Nem todo mundo tem apre�o por sapos, r�s e pererecas, mas eles s�o importantes para o ecossistema.
"S�o predadores de mosquitos e demais insetos, e sua pele tem compostos qu�micos que podem ser a base de princ�pios farmacol�gicos - mas isso requer estudos e financiamento", explica Andrade. "Al�m disso, eles s�o bioindicadores da sa�de de um bioma: quando os anf�bios somem de um determinado lugar, � um sinal de que algo est� acontecendo naquele ecossistema."
Por fim, a amea�a que recai sobre eles serve de advert�ncia e permite estudos que ajudem a prever como o aquecimento do planeta vai acabar afetando outros animais - inclusive n�s, humanos, conclui Andrade.
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