
"Eu estou preocupado com eles. Eles ser�o mortos e n�o haver� mais nenhum de n�s."
Quando Rita Piripkura falou � c�mera, o que mais chamou aten��o foi o tom de resigna��o em sua voz.
A idosa se referia ao irm�o Baita e ao sobrinho Tamandu� em uma entrevista divulgada em setembro.
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Os tr�s s�o os �ltimos integrantes conhecidos do povo isolado Piripkura, uma tribo ind�gena do Centro-Oeste brasileiro que est�o sob amea�a de "extin��o iminente" devido � pecu�ria e ao corte de madeira realizados de forma ilegal em sua reserva, segundo especialistas.

Enquanto Rita vive em contato regular com pessoas de fora, Baita e Tamandu� passam os dias vivendo isolados nessa parte do territ�rio amaz�nico.
Ela teme que a ocupa��o ilegal na reserva pode ser mortal para os dois.
Batalha perdida
Localizada em Mato Grosso, uma regi�o vital para o agroneg�cio brasileiro, a reserva Piripkura est� perdendo a batalha contra os invasores de seu territ�rio, apesar da prote��o prevista por lei.As incurs�es de fora contra o povo ind�gena n�o s�o um fen�meno recente, mas o ritmo de destrui��o se acelerou: a partir do relat�rio divulgado no come�o de novembro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), uma rede de organiza��es n�o-governamentais observou que uma �rea de 24 km² do territ�rio piripkura foi devastada apenas entre agosto de 2020 e julho deste ano.
Essa extens�o equivale a mais de 3 mil campos de futebol.

Enquanto outras reservas ind�genas tamb�m lutam contra madeireiros, mineradoras e ocupa��es ilegais para pecu�ria e agricultura, o povo Piripkura enfrenta uma situa��o dram�tica.
"Eles est�o � beira da extin��o e podem ser mortos em quest�o de dias", afirma Sarah Shenker, da entidade brit�nica Survival International, focada na prote��o de povos ind�genas.
"Os invasores est�o se aproximando de Baita e Tamandu� a todo momento."
H� fortes evid�ncias de que pessoas de fora estejam ocupando partes da reserva, diz Leonardo Lenin, que trabalhou na Funda��o Nacional do �ndio (Funai) diretamente com tribos de Mato Grosso.
Hoje ele � secret�rio-geral do Observat�rio dos Direitos Humanos dos Povos Ind�genas (OPI), uma das organiza��es que produziram o relat�rio sobre a tribo Piripkura. De acordo com Lenin, o desmatamento foi constatado em �reas a cerca de 5 km de onde Baita e Tamandu� foram vistos ou deixaram marcas de sua presen�a.
O que parece ser uma dist�ncia segura � na verdade muito pr�ximo — considerado que a �rea da reserva ind�gena tem 2.430 km².
"Eles est�o sob grande perigo, n�o h� d�vida disso", afirma Lenin.
"N�s tamb�m ouvimos relatos vindos de funcion�rios da Funai e de ag�ncias ambientais sobre amea�as feitas pelos invasores."

A dif�cil situa��o das tribos isoladas
Os Piripkura s�o um exemplo do que especialistas em quest�es ind�genas chamam de tribos isoladas ou n�o-contactadas — povos ou grupos menores que n�o mant�m contato com vizinhos ou qualquer um do mundo exterior.
� estimado que existam mais de 100 desses grupos espalhados pelo mundo, e 50 deles est�o localizados na regi�o amaz�nica.
A atitude de isolamento � muitas vezes derivada de confrontos com invasores. Os Piripkura, por exemplo, j� enfrentaram grandes problemas.


V�rios membros da tribo foram mortos na d�cada de 1970 por assassinato ou ap�s contra�rem doen�as como gripe, contra as quais os �ndios n�o desenvolveram prote��o em seu sistema imunol�gico.
Rita se recorda de um massacre em que nove de seus parentes foram mortos.
"Eles (os invasores) mataram e n�s tivemos que fugir", disse.
Al�m das perdas humanas, Lenin explica que os confrontos tiveram um gigantesco impacto sobre o modo de vida da tribo.
"A l�ngua deles tem palavras que descrevem pr�ticas de agricultura, o que sugere que eles tinham alguma forma de sociedade agr�ria no passado."
"Mas desde os anos 1970 eles se tornaram ca�adores-coletores n�mades. � uma estrat�gia de sobreviv�ncia estar sempre em movimento."
Quando os Piripkura foram contatados pela primeira vez pela Funai em 1984, t�cnicos relataram que havia apenas de 15 a 20 integrantes da tribo em toda a reserva.
Mas apenas Baita e Tamandu� foram avistados desde a d�cada de 1990.

Fabr�cio Amorim, especialista em povos ind�genas isolados e que trabalhou com os Piripkura, afirma que Baita e Tamandu� mencionaram anteriormente a exist�ncia de "parentes" espalhados pela floresta.
"O problema � que eles n�o falam desses parentes h� anos. Isso n�o significa automaticamente que eles estejam mortos, mas tampouco � um bom sinal", diz Amorim.
"O fato de n�o termos certeza que n�o h� mais piripkuras na regi�o torna ainda mais importante a preserva��o dessa terra."
Um presidente hostil

Defensores dos direitos ind�genas atribuem a culpa pela escalada na destrui��o da reserva dos Piripkura especificamente ao presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo antes de tomar posse como presidente em 2019, Bolsonaro expressou apoio ao aumento da explora��o comercial da Amaz�nia e oposi��o a uma pol�tica de reservas ind�genas, apesar do direito � terra ser garantida pela Constitui��o brasileira.
Em 1998, quando ainda era deputado federal, o atual presidente disse ao jornal Correio Braziliense que era uma "vergonha" as for�as militares brasileiras n�o serem t�o eficientes como as norte-americanas em "exterminar povos ind�genas".
O presidente sustenta que os �ndios — 1,1 milh�o do total de 213 milh�es da popula��o brasileira — n�o deveriam ter direito a 13% da �rea territorial do pa�s, embora isso esteja determinado pela Constitui��o de 1988.
Bolsonaro � o primeiro presidente brasileiro desde ent�o a n�o assinar demarca��es de terras ind�genas. Grupo de direitos humanos relatam um aumento em epis�dios de conflito envolvendo povos ind�genas a partir do momento em que assumiu o poder.
Disputas legais
A reserva piripkura � atualmente protegida por um dispositivo legal voltado para �reas ind�genas que n�o passaram pelo processo oficial de demarca��o de terras.
O instrumento precisa ser renovado periodicamente, mas a ordem expedida em setembro s� prev� prote��o por mais 6 meses — nos anos anteriores esse per�odo variava entre 18 meses e tr�s anos.
"Essa decis�o manda a todos uma mensagem errada e est� dando esperan�a aos invasores de que eles v�o se apoderar de terras ind�genas cedo ou tarde", acredita Amorim.
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Outro sinal de preocupa��o apareceu no final do ano passado: o Servi�o Geol�gico do Brasil come�ou a publicar mapas detalhados da localiza��o de poss�veis reservas de min�rios (entre eles, ouro) no territ�rio brasileiro.
O primeiro conjunto de mapas focou especificamente na regi�o norte de Mato Grosso, onde fica o territ�rio piripkura.
Em comunicado, a Funai disse � BBC que vem fornecendo ao povo Piripkura "toda a assist�ncia em termos de prote��o territorial, seguran�a alimentar e acesso a servi�os de sa�de".

"Tamb�m t�m sido realizadas opera��es coordenadas com objetivo de combater transgress�es na �rea", afirma o comunicado.
Rita � firme ao dizer que essa promessa n�o � suficiente para salvaguardar o futuro de seu povo.
Ap�s se casar com um integrante dos Karipuna, ela atualmente vive perto da reserva dessa tribo e ajuda ocasionalmente a Funai em expedi��es no Estado de Mato Grosso. Mas ela n�o visitou a �rea piripkura desde o in�cio da pandemia de covid-19 e teme se tornar a �nica remanescente de seu povo.
"Toda vez que eu visito a reserva, vejo mais e mais �rvores derrubadas. H� muitos forasteiros por l�", ela alerta. "Eles podem facilmente matar meu irm�o e meu sobrinho."
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