(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas POL�MICA

� proibido se dizer nazista ou negar Holocausto no Brasil? O que dizem leis e especialistas

A resposta n�o � clara e �bvia, afirmam especialistas, mas o esp�rito e as inten��es da legisla��o brasileira e decis�es anteriores da Justi�a tendem a levar sim � condena��o de quem se diz nazista ou defende a exist�ncia de um partido nazista no Brasil.


11/02/2022 07:06 - atualizado 11/02/2022 08:49


Himmler e Hitler inspecionam soldados da SS
Debate sobre o que deve ser proibido em torno do nazismo teve in�cio ao redor do mundo logo ap�s o genoc�dio cometido pelo regime liderado por Hitler (foto: Getty Images)

A Lei do Racismo (nº 7.716/89) estabelece que � crime no Brasil "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular s�mbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz su�stica ou gamada, para fins de divulga��o do nazismo", sob pena de dois a cinco anos de pris�o e multa. Mas o que dizer de outros atos n�o expressamente previstos na lei, como fazer uma sauda��o nazista, se declarar antijudeu, defender a exist�ncia de um partido nazista ou negar o Holocausto?

A resposta n�o � clara e �bvia, dizem especialistas, mas o esp�rito e as inten��es da legisla��o brasileira como um todo (a come�ar pela Constitui��o) e decis�es anteriores da Justi�a tendem a levar sim � condena��o de quem praticar esses atos no Brasil.

- Leia: Homens pedem tatuagem de su�stica, mas tatuadores se negam a fazer

Condutas como negar o Holocausto, algo proibido na Alemanha e em outra dezena de pa�ses, poderiam ser enquadradas tanto na Lei do Racismo quanto em incita��o ou apologia ao crime ou crime contra a honra, por exemplo. Mas isso n�o � consenso entre juristas, e no fim cada caso � um caso.

"Pode haver um juiz que diga que n�o est� previsto na lei (que seria proibido defender a exist�ncia do partido nazista). Mas o nazismo representa o mal, a crueldade, a intoler�ncia, o racismo, e por isso deve-se n�o se atentar apenas ao que est� estritamente no texto da lei, mas aos valores fundamentais da dignidade humana, inclusive previstos na Constitui��o. Seria um racioc�nio raso entender que seria permitido negar o Holocausto", afirmou Milena Gordon Baker, advogada criminalista e autora do livro "Criminaliza��o da Nega��o do Holocausto no Direito Penal Brasileiro", em entrevista � BBC News Brasil. "Quando se defende o partido nazista, n�o se defende a democracia. Pelo contr�rio, est� se querendo destruir a democracia."

� importante deixar claro ainda que a liberdade de express�o n�o � um direito absoluto em nenhum pa�s, e no Brasil n�o serve de salvaguarda para quem comete outros crimes, como o de racismo. "A Constitui��o consagra o bin�mio: liberdade e responsabilidade. O direito fundamental � liberdade de express�o n�o autoriza a abomin�vel e criminosa apologia ao nazismo", escreveu no Twitter o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O debate sobre o que deve ser proibido em torno do nazismo teve in�cio ao redor do mundo logo ap�s o genoc�dio cometido pelo regime liderado por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), que matou mais de 6 milh�es de judeus, al�m de advers�rios pol�ticos, negros, homossexuais, pessoas com defici�ncia, comunistas, integrantes da etnia roma e outras minorias.

E voltou � tona no Brasil recentemente depois que o apresentador Monark e o deputado federal Kim Kataguiri (que se filiar� ao Podemos) defenderam em um podcast ao vivo que o pa�s deveria permitir a exist�ncia de um partido nazista, sob o ponto de vista da liberdade de express�o (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos). Pouco depois, em um programa da Jovem Pan, o comentarista Adrilles Jorge, ao tratar do tema, fez um gesto entendido como uma sauda��o nazista.

Monark acabou desligado do programa do qual era apresentador e s�cio, Kataguiri deve enfrentar um processo na Comiss�o de �tica da C�mara dos Deputados e ambos ainda s�o alvo de investiga��o da Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR) sob suspeita de apologia ao nazismo. Adrilles, por sua vez, foi demitido da emissora e denunciado ao Minist�rio P�blico Estadual, que tamb�m deve abrir uma investiga��o sobre o caso.

Os tr�s pediram desculpas, mas negaram qualquer ilegalidade.

Explicando a resposta que dei no Flow
%u25B6%uFE0Fhttps://t.co/ge4M8SnFYS pic.twitter.com/CNuqFrtNGO

— Kim Kataguiri %uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 %u2618%uFE0F (@KimKataguiri) February 10, 2022

A lei brasileira pro�be algu�m de ser nazista ou racista?

O advogado criminalista Davi Tangerino, professor de direito da FGV-SP, entende que n�o. Segundo ele, o Direito n�o tem como regular o que uma pessoa �, mas o que ela faz. "Qual � que � o poder do Direito de mudar a ess�ncia de uma pessoa? Mas o que uma pessoa anti-qualquer-coisa n�o pode fazer? Assumir condutas discriminat�rias ou que fa�am apologia ou incita��o da discrimina��o. A sauda��o � uma apologia porque ela traduz um valor. Quando voc� termina sua fala, que primeiro relativiza o nazismo e depois termina com uma sauda��o nazista, ele est� propagando a ideia nazista", afirmou em entrevista � BBC News Brasil.

Em seu Twitter, Adrilles afirmou que toda sua fala sobre o caso foi cr�tica � defesa de um partido nazista e que "imputar um falso crime a algu�m � um crime. Ser�o responsabilizados todos aqueles que exercem seu �dio me colando falso discurso de �dio por um gesto deturpado".

E no caso da defesa da exist�ncia de um partido nazista, isso seria enquadrado como apologia? Mais uma vez Tangerino argumenta que n�o.

"Ele (Monark) n�o estava dizendo que as pessoas deveriam ser nazistas, n�o estava dizendo que o nazismo � bacana. Estava apenas, por mais odioso que isso seja, levando um argumento liberal tosco �s �ltimas consequ�ncias de que todo mundo pode pensar o que quiser. Isso, para mim, n�o � nem incita��o nem apologia ao nazismo. No final do dia, n�o pode ser crime voc� sustentar que um determinado crime deixe de ser crime, porque sen�o voc� fecha de maneira autorit�ria o debate p�blico sobre o que deve ser crime ou n�o."

O especialista compara o caso com a Marcha da Maconha. "� apologia �s drogas? As decis�es dos tribunais foram se consolidando mostrando que n�o. Voc� pedir a descriminaliza��o de uma conduta n�o � apologia �quela conduta. Ent�o, eu acho que a mesma l�gica se aplica aqui, muito embora, � claro, voc� advogar o consumo de maconha, do ponto de vista material, � totalmente diferente de voc� sustentar a exist�ncia do nazismo. Mas a metarregra � a mesma."

Ivar Hartmann, advogado e professor associado do Insper, tem entendimento semelhante. "Existe uma diferen�a entre incentivar pessoas a cometer um crime e defender altera��es na lei para que essa mesma pr�tica deixe de ser considerada um crime", disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

Thiago Amparo, advogado e professor de direito internacional e direitos humanos na FGV-SP e da FGV-Rio, discorda da distin��o entre tese processual (defender que exista o partido nazista) e tese substantiva (defender a tese nazista). "Sustento que, aqui, n�o h� essa divis�o: defender que um partido busque pol�ticas nazistas � o mesmo que toler�-las", escreveu em seu perfil no Twitter.

Nega��o do Holocausto como discurso de �dio e incita��o � viol�ncia

Tangerino tamb�m n�o considera a nega��o do Holocausto um crime previsto na legisla��o do pa�s, porque seria a contesta��o sem fundamentos de um fato hist�rico, mas a relativiza��o do Holocausto, seria sim um crime. "Voc� n�o pode justificar o Holocausto comparando com outra experi�ncia, n�o pode dizer que algo como 'o Holocausto comparado com o exterm�nio comunista mostra que foi menos'. Voc� n�o pode comparar valorativamente o Holocausto porque, ao fazer isso, voc� est� de alguma forma justificando, corroborando, aceitando a pr�tica nazista."

Baker discorda. Ela defende que haja a tipifica��o expressa da nega��o do Holocausto no C�digo Penal brasileiro, mas argumenta que hoje essa pr�tica seria considerada crime na Justi�a brasileira mesmo n�o estando expressamente prevista na lei. "A lei tenta ser a mais clara poss�vel, porque no Brasil temos um princ�pio da legalidade, ou seja, tudo que a gente quer proibir tem que estar previsto na lei. Mas evidentemente � imposs�vel que uma lei preveja todas as incid�ncias, e por isso que existem os ju�zes, que v�o interpretar o texto legal, e as emendas nas leis originais. Mas a inten��o da lei e da Constitui��o � clara."

Ela cita como exemplo o caso do editor Siegfried Ellwanger, condenado em 2000 no Supremo Tribunal Federal pelo crime de incita��o ao racismo por contestar a exist�ncia do Holocausto e propagar outras ideias antissemitas em um livro. O debate no Supremo girou principalmente em torno da liberdade de express�o e de discurso de �dio.

A advogada menciona tamb�m o artigo 17 da Conven��o Europeia de Direitos Humanos, que pro�be o uso de um direito (como a liberdade de express�o) para a destrui��o de outros direitos ou liberdades. Assim, a nega��o do Holocausto tem sido entendida por Cortes europeias como um abuso da liberdade de express�o, incita��o � viol�ncia e ataque � honra e � dignidade do povo judeu.


Soldado da SS inspeciona judeus no gueto de Varsóvia, na Polônia, em 1943
Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista (foto: Getty Images)

"A nega��o do Holocausto representa a ideia de que os judeus como pessoas manipuladoras, enganosas, controladoras e mentem em rela��o ao Holocausto, querendo gerar benef�cios para eles como se estivessem conspirando contra o mundo. � evidente que essa mensagem promove uma animosidade em rela��o ao povo judeu", escreve ela em sua tese de doutorado sobre a tipifica��o do crime de nega��o do Holocausto.

Para Baker, esse negacionismo � um discurso de �dio que ataca tr�s bens jur�dicos (a igualdade, a honra e a paz) e por isso deve ser punido pela lei. "O pior e mais relevante s�o as consequ�ncias pr�ticas no dia a dia das pessoas alvo dessas mensagens (negacionistas). Essas minorias se sentem inibidas, intimidadas no seu ir e vir; muitas vezes largam o emprego, deixam de ir � escola, evitam ir a certos lugares, ficam e se sentem desprovidas de poder dar uma resposta."

H� diversos projetos de lei em tramita��o no Congresso para criminalizar expressamente a nega��o ou relativiza��o do Holocausto (ou shoah, em hebraico, que remete a cat�strofe, destrui��o). Mas o que seria esse crime na pr�tica? O projeto de lei do deputado federal Roberto de Lucena (Podemos-SP), por exemplo, cita oito aspectos mostrando que o negacionismo n�o se resume apenas a argumentar que o genoc�dio n�o aconteceu.

"A deprecia��o (ou a minimiza��o de sua escala e impacto), a deflex�o (ou minimiza��o de responsabilidades individuais ou nacionais), as alus�es de equival�ncia antes da guerra e em tempo de guerra (como forma de banalizar o ocorrido, quando os fatos colacionados pelas For�as Aliadas em campos de concentra��o demonstram a n�o preced�ncia da escala e dos requintes de crueldade), as alus�es de equival�ncia p�s-guerra (por raz�es assemelhadas), a invers�o (culpabiliza��o dos judeus pelo pr�prio destino ou culpabiliza��o dos judeus por supostas a��es assemelhadas, quando, novamente, os fatos hist�ricos confirmam n�o haver crit�rio de compara��o), as acusa��es de abuso da mem�ria (forma de zombaria aos judeus alegando que enfatizam demais o tema do Holocausto), a oblitera��o ou o silenciamento da mem�ria (o impedimento de que a��es de mem�ria ocorram) ou a universaliza��o ou trivializa��o do Holocausto como crimes (a compara��o leviana do Holocausto com qualquer quadro de gravidade e n�o desejado supostamente atentat�rio das direitos humanos)."

Liberdade de express�o no 'mercado de ideias' dos EUA

Em debates sobre liberdade de express�o e discurso de �dio, os EUA costumam ser citados como exemplo m�ximo de se dizer o que pensa, inclusive ofensas raciais.

N�o h� uma defini��o universal sobre o que � discurso de �dio, mas segundo a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), ele pode ser entendido como qualquer tipo de comunica��o que ataque ou use termos pejorativos contra uma pessoa ou um grupo com base em sua religi�o, nacionalidade, etnia, cor de pele, ra�a, g�nero ou qualquer outro elemento de identidade.

A toler�ncia ao discurso de �dio varia de um pa�s para outro. "O sistema jur�dico americano pro�be o discurso do �dio o mais tarde poss�vel - apenas quando h� perigo iminente de atos il�citos. A jurisprud�ncia alem� co�be o discurso do �dio o mais cedo poss�vel", exemplifica o jurista alem�o Winfried Brugger. No Brasil, a lei federal 7.716/89 prev� pris�o para quem comete discrimina��o contra os outros por causa de "ra�a, cor, etnia, religi�o ou proced�ncia nacional."

O ordenamento jur�dico alem�o � o melhor exemplo do que ficou conhecido como "democracia militante" ou "democracia defensiva". "� um requisito de uma democracia em funcionamento que as pessoas tolerem ideias com as quais discordam. No entanto, alguns discursos, alguns grupos, alguns partidos podem ser t�o prejudiciais que os pol�ticos e o p�blico concluem que os riscos que eles representam superam os benef�cios de proteg�-los. Os alem�es viram em primeira m�o onde o nazismo pode levar e por isso mesmo a Alemanha est� entre os defensores mais ativos do que � chamado de 'democracia militante' - em outras palavras, a no��o de que a democracia deve ser defendida, mesmo ao custo de restringir algumas liberdades quando essas liberdades est�o sendo exploradas para minar a democracia", afirmou Erik Bleich, professor da Faculdade Middlebury College, em entrevista � BBC News Brasil.

Segundo ele, a Alemanha � a democracia mais restritiva enquanto os Estados Unidos, onde � relativamente comum ver manifesta��es da extrema direita com su�sticas e s�mbolos de supremacia branca, t�m menos regula��es. "Ambos os pa�ses ainda permitem uma variedade muito grande de discursos e a��es, em diversos espectros ideol�gicos. A parte dif�cil dessa hist�ria para as democracias � descobrir como restringir, banir ou punir apenas os discursos, grupos e partidos realmente perigosos, deixando o escopo mais amplo poss�vel do que � permitido. Diferentes pa�ses desenvolveram solu��es diferentes para este enigma".

Tangerino, da FGV-SP, afirmou que o Brasil adotou uma esp�cie de caminho do meio entre esses dois polos. Ou seja, no entendimento dele, no pa�s "pode-se admitir no campo da ideia da exist�ncia de uma organiza��o nazista no Brasil, isto n�o � crime, mas n�o se pode agir inspirado por essa ideia nazista, e isto � crime".

"No final do dia, � sempre uma pondera��o entre o que voc� considera mais nocivo. � mais nocivo tolher a possibilidade de determinadas ideias circulem ou as ideias que se quer proibir s�o mais nocivas? H� tr�s paradigmas. Nos EUA, entendeu-se que era mais nocivo o controle de ideias, mas bem mais ou menos, � s� lembrar do que foi o macarthismo e a persegui��o aos comunistas. Esse mercado de ideias � livre, pero no mucho."


Monark
Monark fez coment�rio sobre nazismo durante podcast e foi repudiado por diversas entidades (foto: Divulga��o)

Inspirado em pensadores como o fil�sofo brit�nico John Stuart Mill, o mercado de ideias � o nome dado a um conceito jur�dico americano de uma livre circula��o de ideias em que quase nada � proibido (salvo raras exce��es, como obscenidades e algo que gere perigo iminente ou atente contra a seguran�a nacional) e que as "melhores ideias" se sobressaem com a demanda no debate e as ruins desaparecem.

Gordon Baker considera esse conceito bastante perigoso. "Cass Sunstein, constitucionalista e professor de Harvard, defende que mesmo o mercado de sapato, de xampu ou de sab�o tem regulamento. Al�m disso, certas mentiras e quest�es conspirat�rias acabam n�o morrendo, elas continuam. Na quest�o da verdade, eu acredito que deve haver um debate sim, distribuir o livro 'Minha Luta', do Hitler, com pref�cio explicativo. Mas � preciso ter muito cuidado e responsabilidade ao se usar a liberdade de express�o para tratar da maior crueldade e destrui��o da dignidade humana".

"J� tentamos um mercado livre de ideias antijudeu e sabe o que aconteceu? O Holocausto. N�o h� sociedade que permita liberdade irrestrita sem responsabilidade pelo dano a outrem", escreveu Amparo.

Para a jurista e feminista americana Catharine MacKinnon, no �ltimo s�culo, a discuss�o sobre liberdade de express�o tamb�m acabou sendo usada como arma em debates pol�ticos. Segundo a especialista, ela deixou de ser "uma prote��o para dissidentes, radicais, artistas, ativistas, socialistas, pacifistas e desvalidos para se tornar uma arma para autorit�rios, racistas, mis�ginos, nazistas, supremacistas, porn�grafos e corpora��es que compram elei��es na surdina".

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)