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Estado de Minas H� 30 ANOS

Irm� Dulce: quem foi a 1� santa nascida no Brasil, que morreu h� 30 anos

Religiosa chegou a ser indicada ao Nobel da Paz e esteve com o papa Jo�o Paulo 2� por duas vezes. Em outubro de 2019, ela se tornou oficialmente santa.


13/03/2022 00:01 - atualizado 12/03/2022 14:41


Irmã Dulce
Com dois milagres reconhecidos pelo Vaticano, Irm� Dulce foi canonizada em outubro de 2019 (foto: ACERVO OSID)

Quem n�o conhecesse e olhasse para aquela velhinha mirrada, medindo apenas 1,50 metro e com a apar�ncia fr�gil em decorr�ncia de problemas respirat�rios que a faziam sofrer h� cinco d�cadas, custaria a acreditar estar diante de uma mulher capaz de erguer um complexo hospitalar com for�a de vontade, doa��es e muito trabalho volunt�rio.

Bem-articulada entre pol�ticos e empres�rios, Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes (1914-1992), conhecida pelo nome religioso de Irm� Dulce, chegou a ser indicada ao Pr�mio Nobel da Paz e esteve com o papa Jo�o Paulo 2° (1920-2005) duas vezes — na segunda, quando ela j� estava prostrada doente, ele a visitou em seu convento para aben�o�-la.

 

 

Menos de cinco meses depois, em 13 de mar�o de 1992, h� exatos 30 anos, Irm� Dulce morreu em seu quarto, ao redor de amigos e religiosos. O seu trabalho social, contudo, continuaria. E se espalharia, cada vez mais, sua fama de santidade.

Apelidada de "o anjo bom da Bahia", Dulce acabou beatificada pela Igreja Cat�lica em 2011 e, na �ltima cerim�nia p�blica de canoniza��o ocorrida antes da pandemia de covid-19, em outubro de 2019, foi oficialmente tornada santa pelo papa Francisco.

Tornou-se a primeira mulher nascida em solo brasileiro a ser santificada.


Cerimônia de beatificação da Irmã Dulce
Freira brasileira foi beatificada pela Igreja em 2011 (foto: ACERVO OSID )

Biografia

Baiana de Salvador, Irm� Dulce era filha de um dentista, professor da Universidade Federal da Bahia, e de uma dona de casa. Desde pequena, demonstrava voca��o religiosa e era fervorosa devota de Santo Ant�nio.

Abra�ou a vida religiosa em 1933, quando entrou para a Congrega��o das Irm�s Mission�rias da Imaculada Concei��o da M�e de Deus. J� em sua primeira miss�o com o h�bito de freira, foi designada para ensinar crian�as e assistir a comunidades pobres da Cidade Baixa, em Salvador.

Ainda nos anos 1930, fundou a Uni�o Oper�ria S�o Francisco, considerado o primeiro movimento crist�o oper�rio baiano, e o C�rculo Oper�rio da Bahia, grupo que se engajava na promo��o cultural e social dos trabalhadores, fomentava a luta dos seus direitos e difundia o conceito de cooperativas.

De acordo com informa��es fornecidas pelas Obras Sociais Irm� Dulce (Osid), nessa �poca ela iniciou "um trabalho assistencial nas comunidades carentes, sobretudo nos Alagados, conjunto de palafitas que se consolidava na parte interna do bairro de Itapagipe, em Salvador".

"Nessa mesma �poca, come�ava a atender tamb�m os oper�rios, que eram numerosos naquele bairro, criando um posto m�dico", ressalta a organiza��o.


Irmã Dulce durante a infância
Maria Rita Pontes, a Irm� Dulce, nasceu em 1914 e desde pequena demonstrava voca��o religiosa (foto: ACERVO OSID)

Em 1939, a religiosa foi uma das fundadoras do Col�gio Santo Ant�nio, uma institui��o voltada aos oper�rios e seus filhos.

J� nessa �poca, ela demonstrava preocupa��o pelos cuidados de sa�de dos pobres. Chegou a promover a invas�o de casas abandonadas para transform�-las em abrigo para doentes mas, expulsa, na d�cada seguinte decidiu transformar em um hospital improvisador o galinheiro de seu convento.

"Em 1949, ap�s a autoriza��o da sua superiora, Irm� Dulce ocupou um galinheiro ao lado do convento inaugurado em 1947", pontua a Osid.

Era o embri�o do Hospital Santo Ant�nio, centro de um complexo m�dico, social e educacional que funciona at� hoje.

"A iniciativa deu origem a tradi��o propagada h� d�cadas pelo povo baiano de que a freira baiana construiu o maior hospital da Bahia a partir de um simples galinheiro", ressalta a organiza��o.

Bi�grafo da religiosa, o jornalista Graciliano Rocha, autor do livro Irm� Dulce: A Santa dos Pobres, enxerga no trabalho de sa�de p�blica realizado pela freira um gesto precursor do que seria o Sistema �nico de Sa�de (SUS), criado apenas em 1988 no Brasil.

"Tinha havido uma explos�o populacional [em Salvador, nas primeiras d�cadas do s�culo 20] e o Estado falhou em promover servi�os p�blicos de atendimento social para a imensa maioria da popula��o pobre de Salvador, a cidade com a maior popula��o de afrodescendentes no hemisf�rio sul fora da �frica", pontua ele. "Um imenso contingente de pessoas estava abandonado."

Em seu primeiro hospital, improvisado no antigo galinheiro, Irm� Dulce tinha um ambulat�rio com capacidade para atender a 70 pessoas. "Captou recursos e em 1960 transformou aquilo em um hospital de verdade, com 150 leitos", diz o bi�grafo.


Irmã Dulce junto com diversas crianças
Religiosa se tornou conhecida principalmente pelo trabalho assistencial nas comunidades carentes (foto: ACERVO OSID)

Uma nova reforma foi feita e, menos de dez anos depois, o hospital tinha capacidade para atender a 300 pacientes. Em 1983, ampliado novamente, chegou a 800. "A cada d�cada, dobrava de tamanho", afirma Rocha.

"E o hospital n�o tinha nenhum pr�-requisito para atender a qualquer pessoa que batesse na porta. Bastava estar doente e ter necessidade", diz.

"Isso hoje pode parecer algo simples, mas antes do advento do SUS, o acesso � sa�de no Brasil n�o era universal. As pessoas mais pobres n�o conseguiam atendimento. O colapso social que Salvador viveu no per�odo teria sido muito mais doloroso para a popula��o pobre, muito pior, se n�o fosse a atua��o de Irm� Dulce."

"Ela antecedeu em muitas d�cadas o papel que o SUS teria no futuro", afirma Rocha.

Atualmente, a organiza��o fundada por Irm� Dulce conta com 21 n�cleos e disp�e de 954 leitos hospitalares. Diariamente ali s�o atendidas 2 mil pessoas.

Por ano, s�o 2,2 milh�es de procedimentos ambulatoriais, 12 mil cirurgias e 19 mil interna��es, segundo informa��es fornecidas pela assessoria de comunica��o da entidade.

Legado

A Osid tamb�m atua em assist�ncia social, ensino em sa�de, pesquisa cient�fica, educa��o do ensino fundamental e preserva��o memorial�stica da hoje santa Dulce.

"O legado de amar e servir deixado por Santa Dulce dos Pobres traz uma enorme responsabilidade e um grande compromisso pela sua perpetua��o e sustentabilidade. A nossa cultura institucional, que carinhosamente chamamos 'dulcismo', nos lembra diariamente sobre a miss�o de acolher os que mais precisam, sempre fi�is a seus princ�pios e valores", comenta M�rcio Didier, o gestor do complexo Santu�rio Santa Dulce dos Pobres.


Irmã Dulce e papa João Paulo 2º
Irm� Dulce esteve com o papa Jo�o Paulo 2� por duas vezes (foto: ACERVO OSID)

Ele ressalta que os n�meros impressionantes que mostram quantos s�o "acolhidos, tratados e curados" na Osid "s� confirmam que esta continua sendo 'a �ltima porta da esperan�a' para os pobres e exclu�dos".

"Como legado de amor com inspira��o divina, [a religiosa] tamb�m se torna refer�ncia e inspira��o para a cria��o de outras institui��es com foco na caridade crist�", diz Didier.

Rocha conta que come�ou a mergulhar no universo de Irm� Dulce depois que, como jornalista, acompanhou o evento de beatifica��o da religiosa, ocorrido em 2011 em Salvador.

Ele ficou impressionado com a manifesta��o popular na missa campal, que reuniu cerca de 70 mil pessoas.

"Elas ficaram horas e horas em p� em um lugar, um grande descampado, inclusive debaixo de chuva. Chamou-me a aten��o que eram pessoas de todos os tipos. Ricos e pobres, brancos e negros, gente de todas as religi�es e sem religi�o nenhuma…", relata.

"Aquela cerim�nia, pelo tamanho dela e pela diversidade dos participantes, me fez entender que havia uma hist�ria a ser contada."

Foram oito anos de pesquisa. Rocha consultou mais de 10 mil documentos, de arquivos do Brasil, dos Estados Unidos e do Vaticano. Teve acesso aos autos da canoniza��o da baiana e entrevistou cerca de 100 pessoas que conviveram com ela, de an�nimos a personalidades como o pol�tico Jos� Sarney e o engenheiro e empres�rio Norberto Odebrecht (1920-2014), amigo e patrocinador de Irm� Dulce por mais de meio s�culo.

"Eles [Dulce e Odebrechet] se conheceram quando ele nem era formado em engenharia e ela ainda uma jovem freira. Ele foi o grande financiador dela, durante a vida toda. Essa hist�ria disseminada que ela sempre foi financiada pelos pobres � parcialmente verdade. Ela teve apoio das pessoas mais simples, mas tamb�m contava com boas rela��es institucionais com diferentes governos e grandes empres�rios. E isso foi fundamental para que a obra dela deslanchasse", afirma Rocha.

Religi�o

O bi�grafo acredita que a canoniza��o de Dulce seja tamb�m um recado do papa Francisco.

"Torn�-la santa combina muito com a mensagem do pontificado dele", argumenta. "Essa abordagem dela de cuidar dos pobres… Ao canoniz�-la, ele afirma implicitamente que essa dedica��o aos pobres � uma caracter�stica exemplar daquela santa."


Irmã Dulce em comunidade carente
'O legado religioso de Irm� Dulce � o amor ao pr�ximo', afirma bi�grafo (foto: ACERVO OSID)

"O legado religioso de Irm� Dulce � o amor ao pr�ximo, o mais bonito dos mandamentos crist�os. Se a santidade � a mais alta honra que a Igreja Cat�lica confere, transformar ou n�o algu�m em santo � passar uma mensagem de qual � a vis�o do pontificado para a santidade."

Postulador do processo de canoniza��o de Irm� Dulce junto ao Vaticano — em outras palavras, uma esp�cie de "advogado" que defende os processos na Santa S� —, o italiano Paolo Vilotta j� admitiu diversas vezes que conhecer a obra da religiosa baiana fez dele tamb�m um devoto dela.

Em entrevista � BBC News Brasil, ele recordou que, em 2010, na primeira das quatro vezes em que esteve ao pa�s para ir � Osid, ele visitou os enfermos atendidos pela institui��o.

"Ver com meus pr�prios olhos o legado deixado pela grande santa, depois de j� ter lido suas informa��es biogr�ficas, fez com que eu me tornasse devoto a ela", comenta.

"Depois, tornei-me postulador [da causa] e isso me honrou, coroou-me de alegria", acrescenta.

"Conheci v�rias pessoas [que conviveram com a freira] e ouvi muitos testemunhos. Tudo isso me fez ver em Irm� Dulce uma gigante da caridade, uma pessoa muito virtuosa. Ela teve a coragem e a vontade de ser um exemplo de vida e isso me deixou impressionado."

Para o pesquisador e estudioso da vida de santos Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Araca�, do Cear�, a imagem de Irm� Dulce � mais contundente aos olhos atuais por conta de sua contemporaneidade. Ele escreveu uma biografia dela em seu livro Candidatos ao Altar.

"Todos a vimos. Muitos pessoalmente, outros pelos meios de comunica��o ou por seu apostolado. Sendo a primeira santa brasileira nata e contempor�nea ela alcan�ou milhares e milhares de cat�licos e n�o cat�licos, visto que sua a��o n�o via religi�o, cor ou qualquer outra quest�o", afirma ele.

"Ela enxergava Deus no irm�o e a ele se dedicava como se ao Cristo o fosse."

Essa n�o distin��o entre cat�licos e n�o cat�licos foi vis�vel na festa de canoniza��o, ocorrida na pra�a S�o Pedro, no Vaticano, em 13 de outubro de 2019.

Na ocasi�o, a reportagem conversou com diversos integrantes da comitiva brasileira presente � missa. E quase um ter�o dos abordados declaravam-se n�o cat�licos — evang�licos, esp�ritas, candomblecistas, umbandistas e seguidores de nenhuma religi�o.

Quando perguntados, diziam estar l� porque viam na religiosa uma figura que transcendia o catolicismo, por seu trabalho na sa�de p�blica.

Desnecess�rio dizer mas praticamente todos tinham alguma hist�ria pessoal ou familiar de atendimento hospitalar na Osid.

"Ela foi uma fortaleza. Dedicou-se integralmente aos mais necessitados", acrescenta Lira.

"Sua mensagem poderia ser aquela atribu�da a S�o Francisco, 'eu fiz a minha parte, que o Senhor vos ensine a vossa'. Mas ela foi al�m: fundou um verdadeiro complexo e eu poderia dizer que a caridade com zelo e amor ao pr�ximo se constituem sua grande mensagem."

'Anjo bom do mundo'

Vice-diretor do Lay Centre em Roma e doutor pela Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma, o vaticanista Filipe Domingues ressalta que o reconhecimento da santidade de Irm� Dulce � importante para o Brasil n�o apenas pelo fato de ela ser uma brasileira. "Mas porque ela representa a realidade brasileira muito bem", enfatiza.

"Quando a Igreja reconhece a santidade de algumas pessoas, h� sempre esse aspecto da representatividade", diz.

"No caso da Irm� Dulce, ela representa a realidade de pobreza e desigualdade que existiu no per�odo dela, existia antes dela e, infelizmente, ainda existe."

N�o � � toa, lembra Domingues, que ela recebeu oficialmente a alcunha de "Santa Dulce dos Pobres".

"Ela conseguiu, numa realidade muito prec�ria, dar algum atendimento aos pobres. Alguns falam que ela foi a Madre Teresa brasileira, porque ela fez algo muito parecido: com uma estrutura muito pequena deu atendimento de sa�de �s pessoas."


Santa da Irmã Dulce
Sinopse biogr�fica publicada pelo Vaticano em 2019 diz que a Irm� Dulce era uma fonte de caridade "maternal, carinhosa" (foto: ACERVO OSID)

Em outras palavras, o trabalho de Irm� Dulce � uma mostra clara de a��o social, "em uma das regi�es mais pobres do Brasil, em que fica claro o papel da Igreja �s vezes entrando para suprir o m�nimo onde o Estado falta", comenta o vaticanista.

Rocha lembra que o legado de Irm� Dulce � reconhecido de forma un�nime, "por pol�ticos dos mais diferentes partidos". E a canoniza��o deu a ela uma visibilidade internacional. "Isso � muito importante, j� que as obras sociais dela continuam cumprindo um papel absolutamente fundamental para a assist�ncia social de Salvador", comenta ele.

O hagi�logo Lira comenta que a religiosa acabou se transformando, "de anjo bom da Bahia para anjo bom do Brasil e, ap�s sua canoniza��o, anjo bom do mundo, com a universaliza��o do culto a ela".

Segundo a sinopse biogr�fica publicada pelo Vaticano e distribu�da durante a missa de canoniza��o, em 2019, Irm� Dulce era uma fonte de caridade "maternal, carinhosa". "A sua dedica��o aos pobres tinha uma raiz sobrenatural e do alto recebia for�as e recursos para dar vida a uma maravilhosa atividade de servi�o aos �ltimos", diz o texto oficial da Santa S�, que ainda acrescenta que quando a religiosa morreu, 30 anos atr�s, j� era uma pessoa "nimbada de grande fama de santidade".

"Com a canoniza��o, Santa Dulce dos Pobres ganhou os altares de todo o mundo e passou a ser conhecida e admirada como exemplo das virtudes crist�s, por cat�licos de outros pa�ses", concorda o gestor do santu�rio, M�rcio Didier. "Como sua obra social tem um car�ter humanista, pessoas de diversas religi�es se interessam, cada vez mais, por conhecer e ajudar a Osid, se encantando ao saber que, al�m da sa�de, ainda atuamos na educa��o, na assist�ncia social e espiritual."

"Nada foi f�cil na caminhada de santidade de Santa Dulce dos Pobres", acrescenta ele "Diariamente lidamos com diversas dificuldades, mas aprendemos com ela a trabalhar duro, fazer a nossa parte, perseverar e confiar na provid�ncia divina e na generosidade daqueles que abra�am a Osid como os doadores e s�cios-protetores. Neste tempo de pandemia, os relatos de gra�as alcan�adas, os pedidos e os agradecimentos pela palavra de esperan�a em tempos de tanta incerteza e dor nos d�o a certeza de que o Brasil e o mundo precisavam de mais esta intercessora no c�u."

Neste domingo, �s 8h30, haver� uma missa especial no Santu�rio Santa Dulce dos Pobres. "Iremos recordar o tr�nsito, a morte [da religiosa], e agradecer por esses 30 anos de presen�a entre n�s, sendo inspira��o constante para todos os que, diariamente, fazem acontecer seu maior milagre: suas obras sociais", afirma Didier.

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