
A Pol�cia Federal disse nesta sexta-feira (17/06), por meio de nota, que as investiga��es sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips apontam que seus supostos assassinos teriam agido sozinho e que o crime n�o teria sido ordenado por um mandante ou estaria ligado a uma fac��o criminosa.
Bruno e Dom desapareceram no dia 5 de junho enquanto viajavam pelo Vale do Javari, no Oeste do Amazonas.
"As investiga��es prosseguem e h� indicativos da participa��o de mais pessoas na pr�tica criminosa. As investiga��es tamb�m apontam que os executores agiram sozinhos, n�o havendo mandante nem organiza��o criminosa por tr�s do delito. Por fim, esclarece que, com o avan�o das dilig�ncias, novas pris�es poder�o ocorrer", diz um trecho da nota enviada pela Pol�cia Federal.
Na quarta-feira (15/06), o superintendente da Pol�cia Federal, Alexandre Eduardo Fontes, disse que um dos dois homens presos durante as investiga��es, Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como "Pelado", teria confessado que enterrou os corpos de Bruno e Dom em uma �rea de mata de dif�cil acesso.Ainda segundo Fontes, "Pelado" guiou os investigadores at� o local onde os corpos teriam sido enterrados. L�, as equipes de busca encontraram remanescentes humanos que foram enviados a Bras�lia para serem periciados. Segundo o delegado, h� "grandes chances" de o material ser de Bruno e Dom.
A declara��o de que as investiga��es n�o teriam apontando que o crime teve mandante foi rebatida pela Uni�o dos Povos Ind�genas do Vale do Javari (Univaja).
Em nota divulgada nesta sexta-feira, a entidade diz que enviou informa��es ao Minist�rio P�blico Federal (MPF), Pol�cia Federal e Funda��o Nacional do �ndio (Funai) apontando que os suspeitos presos faziam parte de um grupo criminoso respons�vel pelas invas�es � Terra Ind�gena Vale do Javari. A entidade cobrou a continuidade das investiga��es. Bruno era servidor licenciado da Funai e atuava como consultor da Univaja
"A nota � imprensa, emitida pela PF hoje, corrobora com aquilo que j� destacamos: as autoridades competentes, respons�veis pela prote��o territorial e de nossas vidas, t�m ignorado nossas den�ncias, minimizando os danos, mesmo ap�s os assassinatos de nossos parceiros, Pereira e Phillips", disse um trecho da nota da Univaja.
"O requinte de crueldade utilizado na pr�tica do crime evidencia que Pereira e Phillips estavam no caminho de uma poderosa organiza��o criminosa que tentou � todo custo ocultar seus rastros durante a investiga��o. Esse contexto evidencia que n�o se trata apenas de dois executores, mas sim de um grupo organizado que planejou minimamente os detalhes desse crime", diz outro trecho da nota.
Os remanescentes humanos localizados pela Pol�cia Federal e apontados inicialmente como sendo do indigenista Bruno Pereira e do jornalista brit�nico Dom Phillips chegaram a Bras�lia no in�cio da noite de quinta-feira (16/06).
Os remanescentes foram transportados em caix�es de madeira em um avi�o da PF. O material foi encaminhado ao Instituto Nacional de Criminal�stica, onde os peritos v�o indicar se ele pertence, de fato, � dupla.
Na quinta-feira, a PF deu mais detalhes sobre os primeiros exames feitos em amostras de sangue encontradas em uma canoa atribu�da a um dos suspeitos. As amostras foram comparadas com material gen�tico de refer�ncia de Bruno e Dom. Em rela��o ao jornalista brit�nico, a PF disse que o exame excluiu a possibilidade de que o sangue encontrado fosse dele. Em rela��o a Bruno Pereira, a PF disse que os resultados foram inconclusivos, o que demandaria exames complementares.
A nota disse ainda que os exames n�o identificaram DNA humano nas v�sceras encontradas em um rio da regi�o onde ocorreu o desaparecimento. Ainda de acordo com a pol�cia, isso pode ter ocorrido porque o material estava muito degradado ou porque n�o pertencia, de fato, a um ser humano.

A investiga��o
O outro suspeito preso at� o momento, Oseney da Costa de Oliveira, que seria irm�o de Amarildo, negou participa��o no crime.
Segundo a PF, "Pelado" levou integrantes das equipes de busca ao local, que fica a 3,1 km da margem do rio, em local de dif�cil acesso.
"No final da noite (ter�a-feira), [Amarildo] resolveu confessar a pr�tica criminosa. Durante a confiss�o da pr�tica criminosa, perante delegados da PF, da Pol�cia Civil, da for�a-tarefa, que estamos realizando, ele narra com detalhes o crime realizado e aponta o local onde havia enterrado os corpos", disse Fontes.
Alexandre Fontes disse que as investiga��es ainda est�o em curso e que novas pris�es relacionadas ao crime devem acontecer "a qualquer momento". H� ind�cios, segundo ele, da participa��o de pelo menos mais uma pessoa no crime.
A PF n�o quis divulgar � imprensa quais s�o as principais hip�teses para os motivos por tr�s dos assassinatos. Mas informa��es vazadas a ve�culos de imprensa brasileiros, de forma an�nima e atribu�da � PF, t�m apontado para liga��es com den�ncias de atividades ilegais na regi�o.
Na noite de quarta-feira, depois do an�ncio de novas informa��es pela PF, a esposa de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, divulgou para a imprensa um comunicado afirmando: "Embora ainda estejamos aguardando as confirma��es definitivas, este desfecho tr�gico p�e um fim � ang�stia de n�o saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos lev�-los para casa e nos despedir com amor." "Hoje, se inicia tamb�m nossa jornada em busca por justi�a. Espero que as investiga��es esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente poss�vel", continua o comunicado assinado por Sampaio.
Pouco antes da entrevista coletiva da PF, o ministro da Justi�a, Anderson Torres, disse em uma postagem no Twitter ter sido informado pela Pol�cia Federal que "remanescentes humanos" foram encontrados no local onde se concentravam as buscas.
Confira abaixo o que se sabe sobre o caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Quem s�o Bruno Pereira e Dom Phillips e o que eles estavam fazendo na Amaz�nia?
Bruno da Cunha de Ara�jo Pereira � indigenista e servidor da Funai (Funda��o Nacional do �ndio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e Uni�o dos Povos Ind�genas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar ind�genas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones. A terra demarcada no Vale do Javari � constantemente invadida por criminosos.
Bruno � tido como um dos maiores especialistas sobre a regi�o e um dos principais indigenistas do pa�s. Em 2019, ele foi exonerado de um cargo de chefia na Funai, mas seguiu como servidor licenciado.

Dom Phillips � jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o brit�nico The Guardian. Phillips mora no Brasil h� 15 anos e � casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amaz�nia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.
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Ele viajou para o extremo oeste da Amaz�nia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta. Os dois eram amigos e j� haviam viajado juntos � Amaz�nia em outras ocasi�es profissionais.
Dias antes de se encontrar com Dom Phillips fora do Vale do Javari, Bruno manteve reuni�es com l�deres ind�genas dentro da reserva ind�gena.
O que aconteceu?
No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quil�metros do Vale do Javari, que � a segunda maior reserva ind�gena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao munic�pio de Atalaia do Norte. Na �ltima vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de S�o Rafael, �s 6h, onde tinham uma reuni�o marcada com o l�der pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.
Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os ind�genas da Univaja. Segundo a associa��o, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combust�vel suficiente para a viagem.

A Univaja disse que �s 14h enviou uma equipe "formada por ind�genas extremamente conhecedores da regi�o". A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaqua�, mas nenhum vest�gio foi encontrado.
H� relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de amea�as feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Al�m disso, a Univaja tamb�m relatou amea�as a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorr�ncia na pol�cia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.
O que se descobriu at� agora?
Buscas foram feitas pelas pol�cias Federal, Militar e Civil, al�m da For�a Nacional, Ex�rcito, Marinha e grupos de ind�genas. Duas aeronaves, tr�s drones, 16 embarca��es e 20 viaturas foram usados nas buscas.
Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a pol�cia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado", e o nomeou como suspeito no caso — mas n�o forneceu detalhes sobre qualquer rela��o entre ele e os desaparecidos. "Pelado" foi preso com drogas e muni��es de uso restrito de autoridades. H� relatos de que ele estaria amea�ando ind�genas que trabalham nas buscas.

A sua lancha tinha rastros de sangue. Segundo a PF, os exames deram indicam que o sangue n�o pertenceria a Dom Phillips e foram inconclusivos em rela��o a Bruno Pereira. Em uma audi�ncia de cust�dia, Amarildo acusou policiais de espanc�-lo.
As fam�lias de Bruno e Dom cederam material gen�tico dos dois para ajudar na per�cia.
Ind�genas tamb�m alertaram para um local no curso do rio onde h� sinais de que um barco do tamanho da lancha usada por Bruno e Dom poderia ter parado — com um buraco formado na mata. O local est� sendo periciado pela pol�cia, que busca qualquer vest�gio de que a embarca��o tenha passado por ali.
No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio.

O que se sabe sobre a regi�o do Vale do Javari?
Bruno Pereira e Dom Phillips estavam perto da reserva ind�gena do Vale do Javari — mas fora dela — quando desapareceram.
Com �rea equivalente � de Portugal, o territ�rio abriga uma floresta bem preservada. Nele vivem cerca de 6 mil integrantes de sete etnias, al�m de membros de v�rios grupos em isolamento volunt�rio.
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A regi�o � conhecida por intensos conflitos entre diversos grupos criminosos (como quadrilhas de madeireiros e pescadores ilegais) contra ind�genas. Alguns estudos sugerem que existe liga��o entre essas atividades e o narcotr�fico, que est� presente na regi�o desde os anos 1970.
Pesquisadores tamb�m apontam para o enfraquecimento da Funai nos �ltimos anos — o que aumentou ainda mais a atividade criminosa no Vale do Javari. Nos �ltimos anos, houve v�rios ataques na regi�o atribu�dos a pescadores e ca�adores ilegais.
Os atos foram interpretados como repres�lias a tentativas de reprimir a a��o dos grupos na terra ind�gena. Entre 2018 e 2019, uma base da Funai que controla o acesso � Terra Ind�gena Vale do Javari foi alvejada em oito ocasi�es distintas.
Em 2019, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da regi�o. Meses antes, ele havia participado de uma opera��o que apreendeu grande quantidade de pesca e ca�a ilegal. N�o houve pris�es nem condena��es pelo crime.
Qual foi a resposta das autoridades brasileiras?
Dois dias depois do desaparecimento, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro disse que a viagem de Bruno e Dom era uma "aventura n�o-recomend�vel".
"Realmente, duas pessoas apenas em um barco, em uma regi�o daquela, completamente selvagem, � uma aventura que n�o � recomend�vel que se fa�a. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados. Tudo pode acontecer. A gente espera e pede a Deus que sejam encontrados brevemente", disse o presidente.
A fala foi criticada pelos familiares de Bruno e Dom, que acusaram o Estado brasileiro de fracassar na seguran�a da regi�o.

O governo brasileiro tamb�m foi criticado por n�o agir rapidamente nas buscas. No dia seguinte ao desaparecimento, o Comando Militar da Amaz�nia, do Ex�rcito brasileiro, emitiu nota afirmando que estava "em condi��es de cumprir miss�o humanit�ria de busca", mas que a a��o s� seria tomada "mediante acionamento por parte do Escal�o Superior".
Em discurso na C�pula das Am�ricas, nos EUA, Bolsonaro disse que "desde o primeiro dia, quando foi dado o sinal de alerta, a Marinha entrou em campo, e no dia seguinte as For�as Armadas e a Pol�cia Federal". Bolsonaro afirmou que o Estado brasileiro j� gastou mais de meio milh�o de reais nas buscas.
Familiares tamb�m criticaram a falta de suporte da Funai e declara��es feitas pelo seu presidente, Marcelo Xavier. O presidente da Funai disse que Bruno Pereira e Dom Phillips precisavam ter pedido autoriza��o para viajar para a reserva ind�gena na Amaz�nia.
"A Funai, de forma nenhuma, emitiu nenhum tipo de autoriza��o para ingresso nessa �rea ind�gena", disse Xavier � Voz do Brasil.
No entanto, Bruno e Dom n�o estavam na �rea ind�gena quando sumiram. Documentos revelados pela TV Globo mostram que semanas antes de desaparecer, Bruno solicitou autoriza��o da Funai para ingressar na reserva do Vale do Javari, e teve seu pedido aceito — o que contradiz as declara��es do presidente da Funai.
Bruno ingressou na �rea, onde se reuniu com ind�genas, e posteriormente encontrou Dom Phillips fora da reserva. Dom n�o esteve na reserva e o desaparecimento de ambos ocorreu fora da �rea de prote��o.
Qual foi a repercuss�o internacional do caso?
A repercuss�o do caso � global, tendo sido noticiada nos principais ve�culos de comunica��o do mundo. Ao longo da �ltima semana, atos no Brasil e no mundo cobraram uma resolu��o do caso. Parentes e ativistas se reuniram em frente � embaixada brasileira em Londres. Tamb�m houve atos em cidades como Rio de Janeiro e Salvador.

Na C�pula das Am�ricas, evento do qual Bolsonaro participou em Los Angeles na semana passada, circulou um ve�culo com um cartaz que perguntava "Onde est�o Dom e Bruno?"
A ONG Human Rights Watch pediu maior empenho do governo brasileiro.
"Dom Phillips e Bruno Pereira desapareceram em 5 de junho. Jair Bolsonaro disse que eles estavam em 'uma aventura que n�o � recomendada'. A aventura deles foi cuidar dos ind�genas e da Amaz�nia durante um governo que n�o se preocupou com nada disso", disse a entidade no Twitter.
A Anistia Internacional tamb�m pediu empenho das autoridades brasileiras, al�m de apoio internacional do Peru e da Col�mbia.
"A coopera��o internacional � mais vital do que nunca em situa��es de crise como esta", disse a Anistia, em nota.
O Escrit�rio de Direitos Humanos da ONU expressou "preocupa��o com a quest�o mais ampla dos constantes ataques e ass�dios contra ativistas, ambientalistas e jornalistas no Brasil, enfatizando que as autoridades s�o respons�veis por proteg�-las e garantir que possam exercer seus direitos".
Alguns parentes dos desaparecidos disseram que t�m poucas esperan�as de encontrar os dois com vida.
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