
Celebrado em 16 de agosto, S�o Roque costuma ser, por causa de sua trajet�ria, invocado para a cura de epidemias — e tamb�m para a prote��o dos m�dicos.
Nascido em Montpellier, atual Fran�a, provavelmente em 1295, as hagiologias indicam que ele era de fam�lia rica. Contudo, uma reviravolta teria feito dele um peregrino pronto para assistir aos doentes — em um perigoso contexto de peste negra pela Europa.
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"De fam�lia pol�tica e economicamente influente, ele teria estudado Medicina. Perdeu os pais quando tinha uns 20 anos de idade", narra o escritor e pesquisador J. Alves, membro da Academia Brasileira de Hagiologia e autor de Os Santos de Cada Dia (Paulinas).
"Tomou ent�o uma decis�o radical: vendeu tudo o que herdara e distribuiu o dinheiro aos pobres. Vestiu o h�bito dos franciscanos da Ordem Terceira de S�o Francisco e partiu em peregrina��o para Roma, a fim de visitar os santu�rios."Padre da Par�quia de S�o Roque da cidade de Taquarituba, no interior de S�o Paulo, durante 13 anos, Eug�nio Ferreira de Lima lembra que, de acordo com relatos religiosos, Roque tinha uma marca de nascen�a que indicaria sua santidade.
"Como muitos santos, seu pr�prio nascimento j� mostra um milagre. Sua m�e j� seria uma mulher de certa idade e com dificuldade para engravidar. Ela era devota de Nossa Senhora e rezava diariamente pedindo a gra�a de um filho", narra Lima.
"Quando ele nasceu, tinha uma marca no peito, uma mancha avermelhada em forma de cruz. E isso deixou as pessoas muito impressionadas."
Peregrino
Quando se viu �rf�o e partiu a Roma, Roque deparou-se com uma Europa profundamente afetada pela epidemia de peste bub�nica. E este n�o era o �nico problema.
Alves ressalta que aquele per�odo era "uma �poca conturbada na Igreja". Em um "contexto hist�rico turbulento", havia "intrigas pol�tico-religiosas" por toda a parte.
Era o cen�rio que acabaria desencadeando, entre 1378 e 1417, o chamado Grande Cisma do Ocidente, quando coexistiram dois papas, o de Roma e o antipapa em Avinh�o, na Fran�a.
Nesse contexto, "agravado pela peste negra que grassava por toda a Europa", como frisa Alves, "S�o Roque viveu a sua f� na radicalidade da pobreza evang�lica".
Para o escritor, o santo conseguiu mostrar que "o esp�rito de Deus atua nos cora��es, suscitando exemplos vivos de sua presen�a amorosa em todo tempo e lugar" de forma a transcender "as idiossincrasias das vaidades humanas transit�rias".

Conta-se que, no caminho at� Roma, Roque teria cuidado de diversos doentes. Usava um bisturi e seus conhecimentos de Medicina. Ele passou um bom tempo em Acquapendente, na regi�o de Viterbo, n�o longe de Roma.
Mas tamb�m h� relatos de que teria visitado cidades como Cesena, M�ntua, Modena e Parma. As hagiologias indicam que ele se dirigia a locais onde aumentava o foco da peste, voluntariando-se para a linha de frente.
"Naquele tempo, era muito comum pessoas peregrinarem ou para a Terra Santa ou para Roma. S�o Roque escolheu Roma. N�o para fazer turismo, mas para rezar", pontua Lima. "Mas os dados s�o vagos."
Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acara�, no Cear�, confirma: "Pouco se sabe sobre a biografia de S�o Roque".
Ele � retratado como um peregrino. "Andava com um cajado na m�o, um cantil de �gua e um pouco de p�o", diz Alves.
"� representado com o chap�u nas costas, um chap�u de peregrino, de andarilho", acrescenta Lima.
Alves afirma que, "ao longo de sua viagem, ele viu com os pr�prios olhos o sofrimento da popula��o que estava sendo dizimada pela peste negra". "Movido pela compaix�o, p�s-se ent�o a servi�o dos dentes e a muitos curou."
Em Roma, teria visitado principalmente os t�mulos dos primeiros ap�stolos. Algumas biografias dizem que ele teria ficado tr�s anos na cidade, rezando diariamente em frente � sepultura de S�o Pedro e cuidando dos doentes.
Ele ficou doente
Na volta para casa, contudo, foi a vez do santo ser acometido pela peste. E a� come�ou a fase de sua vida que acabou sendo eternizada no imagin�rio sacro — resultando na representa��o conferida a S�o Roque nos altares.

"Com uma ferida [causada pela doen�a] e n�o querendo dar trabalho para os outros, ele foi para uma floresta. Sua ideia era morrer l�. Milagrosamente, houve a interven��o de Deus, e o milagre aconteceu", diz Lima.
"Deus n�o queria que ele morresse ali sozinho na floresta, porque se isso ocorresse ningu�m ia conhecer esse mo�o."
S�o Roque se deparou com uma fonte de �gua, que saciou sua sede nesse per�odo. E, todos os dias, passou a receber a visita de um c�o que trazia um peda�o de p�o.
Por isso, ele � representado nas imagens presentes em igrejas com a cal�a arrega�ada mostrando o ferimento e tendo ao lado um cachorro com um peda�o de p�o na boca.

"Sua vida envolve muitos epis�dios de cunho lend�rio, frutos de narrativas edificantes, que sempre t�m enriquecido a religiosidade popular", pontua Alves.
Lima lembra que, "se o cachorro � o melhor amigo dos homens e h� tantas hist�rias muito bonitas sobre a fidelidade do cachorro ao homem", foi o animal quem acabou salvando Roque — de morrer de fome e, em �ltima inst�ncia, do ostracismo hist�rico.
"Porque, um dia, o dono do cachorro ficou intrigado com aquele comportamento, decidiu seguir o animal e encontrou Roque", conta o padre.
"Deve ter levado Roque para sua casa, cuidado dele. Roque se curou e acabou conseguindo a convers�o daquele homem, um fazendeiro, um homem rude que n�o era crist�o e acabou se convertendo gra�as ao exemplo de Roque."
Depois desse epis�dio, o peregrino seguiu viagem, pretendendo retornar � sua terra natal. E, aqui, h� duas vers�es para o final da hist�ria.
A mais famosa afirma que foi em Montpellier que ele acabaria sendo preso, a mando do governador. Outra situa essa pris�o em Angera, perto de Mil�o — quem teria determinado sua deten��o seria um duque da regi�o.
Ambas as vers�es t�m, em comum, uma mesma acusa��o: a de que S�o Roque foi confundido com um espi�o. Ele ent�o amargou cerca de cinco anos de c�rcere.
"Na pris�o, foi maltratado, mal-alimentado… Imagine as condi��es carcer�rias daquele tempo", comenta Lima.
Foi definhando, sua sa�de cada vez mais se deteriorando. Provavelmente em 1237, enfim, acabou encontrado morto na pris�o. E, logo, houve o relato do primeiro milagre.
"O carcereiro, para certificar-se que ele estava morto, deu um empurr�o nele com o p�", relata Lima.
"Ocorre que o homem era manco desde o nascimento e, imediatamente, quando tocou o corpo de Roque, ficou curado."
Quando o despiram para prepar�-lo para o sepultamento, viram a cruz em seu peito e o identificaram como aquele �rf�o nascido em fam�lia importante. "Mas j� era tarde. Ele j� estava morto", narra o padre.
Fama de santidade
Logo, sua fama de santo se espalhou. Aos poucos, a f� popular passou a consider�-lo digno dos altares. Alves lembra, entretanto, que sua canoniza��o ocorreu s� "dois s�culos ap�s sua morte" — feita pelo papa Greg�rio 14, no fim do s�culo 16. "Roque ent�o teve seu nome no santoral cat�lico, com o dia 16 de agosto", afirma.
"Sua canoniza��o tardia, segundo consta, foi preconizada durante o Conc�lio de Constan�a, em 1414, j� que o santo foi invocado e teria livrado a cidade da peste", conta Alves. "Sua devo��o j� havia se espalhado pelo mundo crist�o."
Lima observa que a hist�ria de S�o Roque no Brasil � mais difundida no interior de S�o Paulo do que no restante do pa�s. Isso se d�, segundo explica o religioso, por conta da influ�ncia dos italianos. "Eles trouxeram essa devo��o."

"Roque se tornou santo n�o tanto pelos milagres, pelas curas fant�sticas, mas pelo que ele foi. A santidade est� mais no ser do que no fazer, mais no ser do que no fazer e no ter", acrescenta Lima.
Alves frisa que "S�o Roque se tornou santo pela sua ardente caridade e compaix�o para com os pobres e doentes".
"Por eles, se fez pobre e indigente, distribuindo todos os seus bens e dedicando-se totalmente a serv�-los, n�o apenas invocando o poder de Deus sobre eles, mas se valendo dos seus conhecimentos de Medicina."
Tornou-se um santo para muitas causas. "Por ter sofrido as consequ�ncias da peste negra e ter-se isolado de todos para que a peste n�o passasse para outras pessoas � considerado protetor dos inv�lidos, dos cirurgi�es e dos c�es", explica Lira.
"Ao longo do tempo t�m-se invocado o santo contra a peste, no tratamento de animais e, principalmente, na prote��o aos c�es."
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62546867
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