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Estado de Minas ERROS B�SICOS

Como erro da pol�cia libertou da pris�o 138 suspeitos de integrarem o PCC

Pol�cia do Cear� entrou na casa de um homem que seria chefe da fac��o. A partir de dados de seu celular, prendeu 219 pessoas sob acusa��o de serem do bando


26/08/2022 15:22 - atualizado 26/08/2022 15:50
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Homem presos atrás do arame farpado
PCC � uma das tr�s fac��es que controlam o crime organizado no Cear� (foto: Getty Images)

Quando a pol�cia entrou na casa, em 28 de dezembro de 2018, encontrou dois gramas de coca�na em uma mesa, duas balan�as e comprovantes de dep�sitos banc�rios. Na sala estava James Machado Cordeiro, um microempres�rio conhecido como "Irm�o Simpson" e que depois seria apontado pela investiga��o como um dos chefes da fac��o criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no Cear�.




O celular do homem foi imediatamente apreendido. Depois, os policiais vasculharam os contatos e as mensagens que Simpson trocara em grupos de WhatsApp. O material encontrado no aparelho levaria a pris�o do empreendedor e de outras 219 pessoas nos meses seguintes, todas sob acusa��o de pertencerem ao PCC, grupo criminosos que surgiu nos pres�dios de S�o Paulo e se espalhou pelo Brasil.

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Mas, segundo a Justi�a, os policiais da Delegacia de Repress�o �s A��es Criminosas Organizadas (Draco) cometeram duas irregularidades que colocaram toda a opera��o em xeque: invadiram a casa de James Cordeiro sem mandado judicial e n�o tinham autoriza��o da Justi�a para acessar os dados de seu celular.

 

O resultado do "erro" s� chegou em maio deste ano: toda a investiga��o, pris�es e condena��es foram anuladas pelo Tribunal de Justi�a do Cear� (TJ-CE), levando � soltura do "Irm�o Simpson" e mais 138 pessoas.

Desde o in�cio, a opera��o policial "Aditum 3" foi anunciada como um duro golpe da pol�cia na fac��o — uma das tr�s que controlam o crime organizado no Cear�, junto ao Comando Vermelho (CV) e aos Guardi�es do Estado (GDE).

Segundo a den�ncia do Minist�rio P�blico (MP), no celular de Simpson havia um grupo de WhatsApp com 400 membros do PCC. Desses, "240 foram identificados, sendo 46 lideran�as, dois suspeitos de ocuparem cargos de confian�a e 192 membros".

 

 

Havia at� fichas com o nome dos inscritos na quadrilha, apelido, bairro de origem, data do "batismo" na fac��o, n�mero de matr�cula e "padrinhos". E, nos grupos, supostos integrantes decidiam at� se uma pessoa deveria ser assassinada ou n�o.

Nos meses seguintes, 219 pessoas foram presas e acusadas de integrarem a organiza��o criminosa.

Simpson foi condenado em primeira inst�ncia a 12 anos e seis meses de reclus�o em regime fechado. S� foi solto neste ano, depois da anula��o de todo o processo pela Justi�a.

Na den�ncia, o MP apontou que ele usava sua "condi��o de microempres�rio do ramo de festas e buffet para passar despercebido e se inserir na sociedade". Ele teria entrado na quadrilha ao ser "batizado" por dois "padrinhos" quando esteve preso em uma cadeia no interior do Estado.

"(Ele) descreveu seu papel na mencionada fac��o como 'geral do estado', que consiste em propagar a disciplina e a ideologia da fac��o dentro dos pres�dios e para os integrantes que se encontram soltos. Proclama possuir fun��es espec�ficas e de destaque", narra a den�ncia.

Segundo a investiga��o, o r�u se comunicava com outros chefes do PCC por meio de confer�ncias telef�nicas, pelas quais "s�o tratados assuntos diversos sobre acontecimentos envolvendo membros da fac��o, tais como: cobran�as de d�vidas, batismos de novos membros, atualiza��o de cadastro de membros, e as demais decis�es."

'Voluntariamente'


Cela
(foto: Getty Images)

O caso come�ou no final de dezembro de 2018. A Pol�cia Civil afirmou que recebeu uma "den�ncia an�nima" de que um homem conhecido como "Irm�o Simpson", morador de uma casa em uma vila de Fortaleza, era um traficante de drogas e ocupava a fun��o de "conselheiro geral" do PCC no Cear�.

O Minist�rio P�blico afirmou que os policiais, ao chegarem ao local, encontraram "os port�es da vila e da casa abertos". Quando entraram, viram um p� branco, duas balan�as de precis�o e comprovantes banc�rios que seriam oriundos do tr�fico de drogas.

A Constitui��o determina que a pol�cia s� pode entrar em uma casa com consentimento do morador ou em posse de um mandado judicial. Mas h� exce��es, como ind�cios claros de que algum crime est� sendo cometido, como um homic�dio, ou para prestar socorro.

"Se os policiais tivessem feito campana na frente da casa poderiam ter elementos para pedir um mandado de buscas para a Justi�a. Mas eles s� disseram que receberam uma den�ncia an�nima, e isso n�o � um elemento que justifica a entrada", explica um defensor p�blico que atuou no caso — ele pediu para n�o ser identificado nesta reportagem.

Embora o juiz de primeira inst�ncia n�o tenha considerado isso um problema, os desembargadores do TJ-CE concordaram com a tese da Defensoria P�blica. "Nesse caso se observa situa��o de flagrante nulidade absoluta, na medida em que se constata que houve viola��o injustificada do domic�lio do r�u", escreveram.

"Fica evidente que a dilig�ncia policial foi originada t�o somente em virtude de uma den�ncia an�nima, n�o tendo sido mencionada a exist�ncia de qualquer investiga��o para apurar a ocorr�ncia do com�rcio esp�rio na localidade ou para monitorar as a��es do acusado", disseram os magistrados.

Outro ponto crucial foi o celular.

Os policiais encontram Simpson com um aparelho. "O denunciado voluntariamente teria fornecido a senha para acesso �s informa��es nele contidas", narra a den�ncia do MP.


Guarda no complexo penitenciário de Itatinga
O PCC sugiu dentro dos pres�dios paulistas e se espalhou pelo Brasil (foto: Reuters)

A palavra "voluntariamente" � a chave para entender por que o processo criminal foi anulado quase quatro anos depois.

O juiz de primeira inst�ncia considerou que o microempres�rio de fato forneceu a senha de seu celular aos agentes.

Mas, na segunda, os desembargadores disseram que todos os dados extra�dos do aparelho foram obtidos ilegalmente, porque a pol�cia n�o tinha autoriza��o judicial para acessar o celular, como manda a lei.

"Eles consideraram que n�o fazia sentido o r�u ter dado sua senha voluntariamente. Por que ele produziria provas contra ele mesmo? A den�ncia tamb�m n�o explica em que circunst�ncias isso aconteceu", diz o defensor.

O tribunal ent�o inocentou o microempres�rio por conta das ilegalidades, o que gerou um efeito cascata nos outros processos que se seguiram.

'Frutos da �rvore envenenada'

O argumento seguiu uma teoria jur�dica conhecida como "frutos da �rvore envenenada". Ela sustenta que se a prova de um crime foi obtida de maneira il�cita, isso contamina todo o processo e invalida outras evid�ncias — ou seja, uma �rvore envenenada s� d� frutos envenenados.

"N�o � apenas uma elabora��o te�rica, mas uma determina��o expressa do C�digo Processo Penal", explica Ma�ra Zapater, professora de Direito Penal da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp).

"A lei diz que tudo o que decorre de uma prova il�cita � nulo. Esse � um limite que se coloca para que o Estado investigue um cidad�o dentro da lei, que n�o seja por meio de tortura, por exemplo, ou com invas�o de domic�lio."

Mas nem sempre a Justi�a brasileira segue essa determina��o, segundo defensores e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. Condena��es de r�us que tiveram suas casas invadidas por policiais sem mandado, por exemplo, costumam chegar a cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justi�a (STJ).

"� muito frequente o uso de provas il�citas nos processos penais no Brasil. Muitas vezes, isso s� � discutido quando o processo chega em tribunais superiores. Quando aplicam a lei, todo aquele conte�do probat�rio precisa ser refeito", afirma Zapater.

No caso cearense, os desembargadores disseram que os policiais deveriam ter investigado o empres�rio antes de entrar na casa dele, e que um pedido de autoriza��o judicial provavelmente seria atendido.

"Teria sido poss�vel obter as provas necess�rias validamente para instruir a a��o", escreveram.

Segundo eles, os policiais fizeram uma "investiga��o especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que 'lan�ou' suas redes com a esperan�a de 'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusa��o."

O Minist�rio P�blico n�o recorreu da decis�o, e o processo foi encerrado.

Em nota � BBC News Brasil, a Pol�cia Civil do Cear� afirmou que a opera��o "Aditum 3" respeitou "as normas do C�digo de Processo Penal, atrav�s de dilig�ncias policiais, levantamentos de campo e constata��o de den�ncias sigilosas da popula��o."

E continuou: "Cabe destacar que o argumento utilizado pelo Poder Judici�rio se baseou em um entendimento, ainda n�o consolidado e vinculante, que somente passou a ser utilizado no in�cio deste ano".

Tribunal do crime


Balas no chão
O microempres�rio foi acusado de participar de 'tribunais do crime', quando membros da fac��o decidem se uma pessoa deve ou n�o ser assassinada (foto: Getty Images)

Na den�ncia, o MP acusou Simpson de participar dos chamados "tribunais do crime", quando membros de fac��es decidem em conjunto qual seria a puni��o para algu�m.

Em uma das conversas, Simpson e outros homens discutiram se um rapaz deveria ser assassinado — ele fora acusado de estuprar uma mulher na periferia de Fortaleza. Depois do apelo da m�e do jovem e de um morador do bairro, eles desistiram de cometer o crime.

Em outra discuss�o, supostos integrantes do PCC, entre eles o microempres�rio, foram cobrados por uma mulher cujo marido havia sido assassinado por criminosos da quadrilha rival, os Guardi�es de Estado. Ela pedia prote��o � fam�lia, que estava sendo amea�ada.

Relatos como esses e outros dados do celular de James Machado Cordeiro levaram a pris�o dele, de 216 homens e mais tr�s mulheres.

A Justi�a dividiu os processos em grupos de 10 a 15 r�us, mas todos foram absolvidos de serem membros da fac��o depois da decis�o sobre Simpson em maio deste ano. Essas a��es secund�rias eram os "frutos" da "�rvore envenenada" do processo anterior — ou seja, eles foram anulados pela Justi�a.

Ao todo, 138 pessoas foram soltas nos �ltimos meses — o restante cumpre penas por outras condena��es.

Quando foram detidos, todos prestaram depoimento � pol�cia. A grande maioria j� tinha cumprido pena em alguma pris�o do Cear� — grande parte das cadeias do Estado nordestino � dominada por alguma fac��o.

Mas a maioria negou ter liga��o com a quadrilha, segundo os testemunhos anexados ao processo. Outros disseram que s� entraram para a fac��o para ter prote��o nos pres�dios — um deles relatou que foi obrigado a se filiar, pois "em caso contr�rio, seria morto."

Um dos acusados, por exemplo, afirmou que o PCC n�o fazia grandes exig�ncias para batizar novos membros no Cear�. "S� pediam o nome completo, o bairro, e a caixinha", disse.

"Caixinha" � a contribui��o que os integrantes t�m de pagar mensalmente. Segundo os depoimentos, a taxa variava entre R$ 20 e R$ 30, mas o valor "dependia da situa��o financeira do preso".

Outro r�u contou ter conhecido membros do PCC ao ser mandado para um pres�dio dominado pela organiza��o. "A depender da cadeia onde voc� entra, vai para um lado ou para o outro", disse, em refer�ncia �s outras fac��es. Mas ele negou a filia��o. "Eles exigem que voc� mate, roube. Falam um monte de baboseiras para te convencer", disse.

Em outro caso, um homem reconheceu sua inscri��o, mas disse que isso n�o rendia muito dinheiro. O que ganhava com o tr�fico de drogas s� "servia para a subsist�ncia" e para criar uma filha beb�, disse. Embora o PCC exigisse 30% de seu lucro, "n�o pago nada, porque n�o sobra nada."

J� uma mulher, m�e de um beb� nascido um m�s antes de sua pris�o, contou ter feito parte da quadrilha por alguns meses por ordem do ex-marido, que a obrigava a transportar drogas.

"Eu fugi para outro bairro, pois n�o aguentava mais fazer tudo o que ele mandava. Ele me amea�ou de morte. Fugi dele e da fac��o", relatou.

Para um defensor que atuou nos processos, a investiga��o e a den�ncia do MP n�o conseguiram demonstrar como cada um dos acusados atuava na organiza��o.

"N�o ficou provado qual era o papel de cada um, quais crimes eles cometeram, o que eles faziam dentro da fac��o...", disse.

Para outra defensora, que tamb�m pediu anonimato, "basicamente, as pessoas foram acusadas porque estavam na lista de contatos do empres�rio. Em alguns casos havia fotos com eles fazendo s�mbolos e gestos em alus�o � organiza��o, mas n�o havia outras provas robustas para condenar. O MP sequer recorreu", afirma.

Em nota � reportagem, a Secretaria de Seguran�a P�blica e Defesa Social do Cear� afirmou que a opera��o Aditum 3 "foi fundamental para a desarticula��o da estrutura de uma organiza��o criminosa e as capturas de seus integrantes envolvidos em homic�dios, tr�fico de drogas, associa��o para o tr�fico e lavagem de dinheiro no Estado."

Fac��es no Cear�


Veículo incendiado em Fortaleza
Caminh�es tamb�m foram alvo de ataques incendi�rios na capital cearense em janeiro de 2019 (foto: AFP)

O PCC divide e disputa o controle do crime organizado no Cear� com outras duas fac��es, o carioca Comando Vermelho e a local GDE — essa �ltima surgiu em 2016, em contraposi��o aos dois grupos nacionais.

Nos �ltimos anos, houve epis�dios de viol�ncia atribu�dos �s quadrilhas, como assassinatos em s�rie, al�m de ataques a �nibus e a pr�dios p�blicos.

Segundo Luiz F�bio Paiva, coordenador do Laborat�rio de Estudos da Viol�ncia da Universidade Federal do Cear� (UFC), as fac��es atuam em diversas frentes no Estado: tr�fico de drogas e de armas, roubos de carga, assaltos a bancos, venda de servi�os em bairros da periferia e extors�o de comerciantes.

"J� tivemos per�odos de enfrentamento entre essas fac��es, gerando viol�ncia e assassinatos. Mas hoje h� consolida��o dos grupos nacionais, pois a fac��o local, a GDE, n�o teve for�a e estrutura para se tornar hegem�nica como pretendia", diz.

Ele explica que h� diferentes n�veis de vincula��o �s organiza��es — pessoas de fato envolvidas com a��es criminosas e outros que "vestem a camisa" por prote��o ou proximidade geogr�fica.

"H� pessoas que se dizem do PCC porque moram em um bairro controlado por ele, mas isso n�o significa que elas tenham uma liga��o estreita com o grupo, e que participam ou planejam atividades criminosas. Funciona mais ou menos como vestir a camisa de uma torcida organizada", diz.

"H� outros que entram para se proteger na cadeia ou mesmo no territ�rio onde vive. �s vezes a pessoa se filia para n�o ser assassinado por membros da pr�pria fac��o. Ou seja, elas vendem prote��o contra elas mesmas", afirma.

Em nota � reportagem, a Pol�cia Civil cearense disse que, nos �ltimos quatro anos, "um total de R$ 187 milh�es em bens pertencentes a organiza��es criminosas foram confiscados, o que fortalece o trabalho de descapitaliza��o desses grupos, por meio das a��es de intelig�ncias e de investiga��o."

Segundo a pasta da Seguran�a P�blica, o n�mero de homic�dios diminuiu 18,3% no Cear� no ano passado em rela��o a 2020. Ao todo, 3.299 pessoas foram assassinadas no Estado em 2021.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62654177

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