(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Como o maior peixe da Amaz�nia foi parar nos rios do interior de S�o Paulo

Peixe que viveu com dinossauros e com comprimento maior que uma pessoa adulta invade rios do interior de S�o Paulo e se torna amea�a


18/02/2023 06:22 - atualizado 18/02/2023 07:04


Izael com pirarucu de 113 quilos
Izael com pirarucu de 113 quilos (foto: Arquivo pessoal)

Dizer que pescou um pirarucu nos rios do interior de S�o Paulo n�o � hist�ria exagerada de pescador. Com comprimento maior que uma pessoa adulta, a esp�cie t�pica da Bacia Amaz�nica � capturada com frequ�ncia no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha, na divisa entre S�o Paulo e Minas Gerais.

Conhecido por ser um dos maiores peixes de �gua doce do mundo, o pirarucu -Arapaima gigas -, popularmente conhecido como "bacalhau do Norte", pode ultrapassar os 3 metros de comprimento e pesar at� 220 quilos. No interior de S�o Paulo, exemplares de at� 150 quilos j� foram pescados.

Acostumada a pescar peixes de at� 30 quilos, Maria Jos� Melo da Concei��o, 59 anos, se assustou quando pegou pela primeira vez o maior peixe de �gua doce com escamas da Amaz�nia no rio Grande.

"Lembro que no come�o achava que era sucuri pelo tamanho e for�a. Somente fui saber que tinha pirarucu no rio Grande quando peguei um filhote pesando 33 quilos."

O tamanho do on�voro tamb�m chamou a aten��o de Izael Gon�alves de Moraes, 41 anos, que pescou um exemplar da esp�cie com 2,2 metros de comprimento, pesando 113 quilos, justamente no dia do seu anivers�rio. "Foi a primeira vez que pesquei um peixe desse tamanho. Fiquei at� emocionado, pois levei quase uma hora para conseguir tirar da �gua."

Natural da regi�o da Amaz�nia, o pirarucu pescado por Izael em outubro de 2022 foi encontrado no trecho do rio Grande, pr�ximo do distrito de S�o Jo�o do Marinheiro, em Cardoso (SP). "Depois desse de 113 quilos, peguei um de 90 quilos e outro de 50 quilos. � um peixe que est� se reproduzindo de maneira extremamente r�pida pelo rio."

Segundo Rogerio Machado, ec�logo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conserva��o de Peixes Continentais (CEPTA), �rg�o ligado ao Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio), o rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares, �s margens do rio Grande, possibilitou que os primeiros peixes da esp�cie pirarucu tivessem acesso ao rio Grande. "Foi quando a esp�cie encontrou ambiente favor�vel para se reproduzir, pois n�o tem predadores naturais", explicou Machado.

Lilian Casatti, pesquisadora do Laborat�rio de Ictiologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de S�o Jos� do Rio Preto, � uma das cientistas brasileiras que estuda os impactos do pirarucu nos rios do interior de S�o Paulo.

Ela aponta que a esp�cie encontrou no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha e a Usina Hidrel�trica de Marimbondo, um ecossistema muito parecido com seu habitat natural na Amaz�nia, principalmente por conta das �guas sem correnteza.

"Os rios dessa regi�o est�o muito modificados e para pior. Assim, enquanto as esp�cies nativas demonstram ser mais sens�veis a essas altera��es e por isso est�o em decl�nio; as esp�cies n�o nativas, como o pirarucu, s�o mais resistentes, n�o demonstram muitas exig�ncias e conseguem aproveitar os poucos recursos que ainda existem", elencou Casatti.

Os primeiros pirarucus foram avistados no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha, na divisa entre S�o Paulo e Minas Gerais, em 2010. Por�m, foi apenas em 2015 que pesquisadores conseguiram fazer o primeiro registro cient�fico da introdu��o da esp�cie no local.

"Mesmo sendo um peixe da Bacia Amaz�nica, o pirarucu se adaptou bem a Bacia Paran�, consequentemente a cada ano que passa est�o sendo mais comuns de serem pescados. Inclusive, temos relatos de pescadores que j� est�o encontrando exemplares pesando at� 150 quilos", disse Emerson Mioransi, capit�o da Pol�cia Ambiental da regi�o de S�o Jos� do Rio Preto.


Izael Gonçaves e a esposa Cintia Moraes com o pirarucu pescado no rio Grande
Izael Gon�aves e a esposa Cintia Moraes com o pirarucu pescado no rio Grande (foto: Arquivo pessoal)

Impactos ambientais

A introdu��o de uma esp�cie n�o nativa que se alimenta de outros animais aqu�ticos � a grande preocupa��o dos pesquisadores que estudam os impactos da reprodu��o do pirarucu no rio Grande.

"Estamos falando de uma esp�cie predadora de topo de cadeia alimentar, e um animal de grande porte, que consome outras esp�cies de peixes de menor porte", apontou Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira.

Para Lidiane Franceschini, pesquisadora colaboradora do Laborat�rio de Ecologia de Peixes da Unesp de Ilha Solteira, a reprodu��o r�pida da esp�cie pode desestruturar as comunidades aqu�ticas. "O pirarucu no rio Grande pode causar a diminui��o de esp�cies nativas importantes da pesca regional."

Estudos apontam que, at� o momento, o pirarucu apenas habita o trecho entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e da Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha – duas barragens constru�das na d�cada de 1970 para a produ��o de eletricidade - que corresponde a uma dist�ncia de aproximadamente 120 quil�metros em que o rio Grande divide os territ�rios de S�o Paulo e Minas Gerais.

Contudo, o receio � que nos pr�ximos anos a esp�cie ganhe os afluentes do rio Grande e comprometa as rela��es ecol�gicas de outros rios do interior de S�o Paulo.

"A introdu��o do pirarucu, al�m de poder causar a extin��o local de esp�cies de peixes e invertebrados que s�o utilizados como alimento por meio da preda��o, tamb�m pode ajudar na introdu��o de parasitas que podem parasitar as pr�prias esp�cies de peixes nativas", apontou Lidiane.


Lucio Omar Pereira com pirarucu de 110 quilos pescado no rio Grande em 2019
Lucio Omar Pereira com pirarucu de 110 quilos pescado no rio Grande em 2019 (foto: Arquivo pessoal)

Pirarucu aquece turismo

Ao mesmo tempo que o pirarucu representa um perigo para o ecossistema aqu�tico do rio Grande, tamb�m impulsiona o turismo de pesca de cidades do interior de S�o Paulo.

Desde que pescou o primeiro pirarucu, em 2018, o guia de pesca Odair Camargo viu crescer a procura de pescadores interessados em pescar no trecho do rio Grande entre Cardoso (SP) e Mira Estrela (SP). "Muita gente v� os v�deos na internet e vem tentar pescar. Al�m disso, quando voc� consegue pegar um pirarucu, consegue garantir o sustento da fam�lia. Recentemente, peguei um de 107 quilos que me rendeu R$ 2,5 mil. Mas � dif�cil tirar ele da �gua."

Dificuldade que n�o impediu o pescador Lucio Omar Pereira, 49 anos, de pescar tr�s exemplares nos �ltimos meses. "O primeiro que pesquei pesou 110 quilos. Estava em um barranco, ele puxava o anzol t�o forte que digo que foi Deus me ajudou a tirar ele do rio."

O termo pirarucu adv�m da sua colora��o, sendo "pira" de peixe e "urucu" em refer�ncia a sua colora��o vermelha. O gigante da Amaz�nia tamb�m � conhecido por suas grossas escamas que s�o capazes de impedir a penetra��o de mordidas de piranha.

Segundo Levi Francisco dos Santos, diretor do departamento do meio ambiente de Cardoso (SP), o munic�pio projeta nos pr�ximos meses realizar um campeonato para incentivar a pesca da esp�cie. "� uma forma de conseguirmos diminuir a incid�ncia de pirarucu no rio e incentivar o turismo local."

Em Mira Estrela, munic�pio do interior de S�o Paulo que tamb�m � banhado pelo rio Grande, o diretor do departamento de meio ambiente, Ant�nio Cesar Zanzarin, diz que pescadores j� relatam o desaparecimento de algumas esp�cies de peixes a partir da reprodu��o massiva do pirarucu. "� um peixe carn�voro que est� causando a diminui��o do n�mero de peixes nativos e consequentemente o ganho de pescadores."


Izael Gonçalves com pirarucu pescado no rio Grande
Izael Gon�alves com pirarucu pescado no rio Grande (foto: Arquivo pessoal)

Poss�veis solu��es

Est�mulo � pesca, manejo da esp�cie e novas pesquisas cient�ficas s�o apontados por especialistas como poss�veis solu��es para remediar os problemas que o pirarucu pode gerar no rio Grande nos pr�ximos anos.

Para o ec�logo Rogerio Machado, dificilmente ser� poss�vel acabar com a esp�cie na regi�o. "O que pode ser feito � o manejo da esp�cie e estimular a pesca esportiva para tentar diminuir o n�mero de peixes. � uma forma de ter controle do pirarucu no rio Grande e evitar mais impactos ambientais."

J� Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira, defende uma maior mobiliza��o sobre a import�ncia da educa��o ambiental no Brasil. "Depende de educarmos ambientalmente e sensibilizarmos a sociedade e pol�ticos, sobre os riscos e preju�zos ambientais e econ�micos que a introdu��o de esp�cies n�o-nativas pode causar."

A pesquisadora Lidiane Franceschini ressalta a import�ncia da fiscaliza��o e do monitoramento das comunidades aqu�ticas, para r�pida detec��o de esp�cies n�o-nativas, como forma de evitar novas invas�es nos rios brasileiros. "Contudo, o que temos atualmente s�o leis que protegem essas esp�cies, como por exemplo a limita��o da quantidade de animais n�o-nativos que podem ser capturados e limita��o do tamanho. Do ponto de vista de controle dessas esp�cies n�o-nativas, essas medidas s�o equivocadas."

Por ser uma esp�cie n�o-nativa, mesmo durante o per�odo da piracema o pirarucu pode ser pescador no rio Grande. "Por ser um peixe invasor, a pesca dele � liberada, mas o pescador precisa ficar atento se n�o est� descumprindo outras normas", afirmou Emerson Mioransi, capit�o da Pol�cia Ambiental da regi�o de S�o Jos� do Rio Preto.

Al�m do pirarucu, outros peixes como a til�pia tamb�m foram introduzidos nos rios do interior de S�o Paulo por meio do escape de tanques de psicultura. A til�pia - Oreochromis niloticus -, por exemplo, chegou ao Brasil para ser criada em cativeiro, mas atualmente � frequentemente encontrada em rios brasileiros.

"Mas com o pirarucu o problema � maior, pois � um peixe que consome a maioria dos peixes. Talvez daqui 15 anos, as pr�prias esp�cies nativas mostrem os primeiros sinais de adapta��o de viv�ncia com o pirarucu no rio Grande, mas at� l� � necess�rio um manejo e controle do n�mero de exemplares", afirmou Rogerio.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckmd4pd4d6ko

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)