
Dizer que pescou um pirarucu nos rios do interior de S�o Paulo n�o � hist�ria exagerada de pescador. Com comprimento maior que uma pessoa adulta, a esp�cie t�pica da Bacia Amaz�nica � capturada com frequ�ncia no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha, na divisa entre S�o Paulo e Minas Gerais.
Conhecido por ser um dos maiores peixes de �gua doce do mundo, o pirarucu -Arapaima gigas -, popularmente conhecido como "bacalhau do Norte", pode ultrapassar os 3 metros de comprimento e pesar at� 220 quilos. No interior de S�o Paulo, exemplares de at� 150 quilos j� foram pescados.
Acostumada a pescar peixes de at� 30 quilos, Maria Jos� Melo da Concei��o, 59 anos, se assustou quando pegou pela primeira vez o maior peixe de �gua doce com escamas da Amaz�nia no rio Grande.
"Lembro que no come�o achava que era sucuri pelo tamanho e for�a. Somente fui saber que tinha pirarucu no rio Grande quando peguei um filhote pesando 33 quilos."
Natural da regi�o da Amaz�nia, o pirarucu pescado por Izael em outubro de 2022 foi encontrado no trecho do rio Grande, pr�ximo do distrito de S�o Jo�o do Marinheiro, em Cardoso (SP). "Depois desse de 113 quilos, peguei um de 90 quilos e outro de 50 quilos. � um peixe que est� se reproduzindo de maneira extremamente r�pida pelo rio."
Segundo Rogerio Machado, ec�logo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conserva��o de Peixes Continentais (CEPTA), �rg�o ligado ao Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio), o rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares, �s margens do rio Grande, possibilitou que os primeiros peixes da esp�cie pirarucu tivessem acesso ao rio Grande. "Foi quando a esp�cie encontrou ambiente favor�vel para se reproduzir, pois n�o tem predadores naturais", explicou Machado.
Lilian Casatti, pesquisadora do Laborat�rio de Ictiologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de S�o Jos� do Rio Preto, � uma das cientistas brasileiras que estuda os impactos do pirarucu nos rios do interior de S�o Paulo.
Ela aponta que a esp�cie encontrou no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha e a Usina Hidrel�trica de Marimbondo, um ecossistema muito parecido com seu habitat natural na Amaz�nia, principalmente por conta das �guas sem correnteza.
"Os rios dessa regi�o est�o muito modificados e para pior. Assim, enquanto as esp�cies nativas demonstram ser mais sens�veis a essas altera��es e por isso est�o em decl�nio; as esp�cies n�o nativas, como o pirarucu, s�o mais resistentes, n�o demonstram muitas exig�ncias e conseguem aproveitar os poucos recursos que ainda existem", elencou Casatti.
Os primeiros pirarucus foram avistados no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e a Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha, na divisa entre S�o Paulo e Minas Gerais, em 2010. Por�m, foi apenas em 2015 que pesquisadores conseguiram fazer o primeiro registro cient�fico da introdu��o da esp�cie no local.
"Mesmo sendo um peixe da Bacia Amaz�nica, o pirarucu se adaptou bem a Bacia Paran�, consequentemente a cada ano que passa est�o sendo mais comuns de serem pescados. Inclusive, temos relatos de pescadores que j� est�o encontrando exemplares pesando at� 150 quilos", disse Emerson Mioransi, capit�o da Pol�cia Ambiental da regi�o de S�o Jos� do Rio Preto.

Impactos ambientais
A introdu��o de uma esp�cie n�o nativa que se alimenta de outros animais aqu�ticos � a grande preocupa��o dos pesquisadores que estudam os impactos da reprodu��o do pirarucu no rio Grande.
"Estamos falando de uma esp�cie predadora de topo de cadeia alimentar, e um animal de grande porte, que consome outras esp�cies de peixes de menor porte", apontou Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira.
Para Lidiane Franceschini, pesquisadora colaboradora do Laborat�rio de Ecologia de Peixes da Unesp de Ilha Solteira, a reprodu��o r�pida da esp�cie pode desestruturar as comunidades aqu�ticas. "O pirarucu no rio Grande pode causar a diminui��o de esp�cies nativas importantes da pesca regional."
Estudos apontam que, at� o momento, o pirarucu apenas habita o trecho entre a Usina Hidrel�trica de Marimbondo e da Usina Hidrel�trica de �gua Vermelha – duas barragens constru�das na d�cada de 1970 para a produ��o de eletricidade - que corresponde a uma dist�ncia de aproximadamente 120 quil�metros em que o rio Grande divide os territ�rios de S�o Paulo e Minas Gerais.
Contudo, o receio � que nos pr�ximos anos a esp�cie ganhe os afluentes do rio Grande e comprometa as rela��es ecol�gicas de outros rios do interior de S�o Paulo.
"A introdu��o do pirarucu, al�m de poder causar a extin��o local de esp�cies de peixes e invertebrados que s�o utilizados como alimento por meio da preda��o, tamb�m pode ajudar na introdu��o de parasitas que podem parasitar as pr�prias esp�cies de peixes nativas", apontou Lidiane.

Pirarucu aquece turismo
Ao mesmo tempo que o pirarucu representa um perigo para o ecossistema aqu�tico do rio Grande, tamb�m impulsiona o turismo de pesca de cidades do interior de S�o Paulo.
Desde que pescou o primeiro pirarucu, em 2018, o guia de pesca Odair Camargo viu crescer a procura de pescadores interessados em pescar no trecho do rio Grande entre Cardoso (SP) e Mira Estrela (SP). "Muita gente v� os v�deos na internet e vem tentar pescar. Al�m disso, quando voc� consegue pegar um pirarucu, consegue garantir o sustento da fam�lia. Recentemente, peguei um de 107 quilos que me rendeu R$ 2,5 mil. Mas � dif�cil tirar ele da �gua."
Dificuldade que n�o impediu o pescador Lucio Omar Pereira, 49 anos, de pescar tr�s exemplares nos �ltimos meses. "O primeiro que pesquei pesou 110 quilos. Estava em um barranco, ele puxava o anzol t�o forte que digo que foi Deus me ajudou a tirar ele do rio."
O termo pirarucu adv�m da sua colora��o, sendo "pira" de peixe e "urucu" em refer�ncia a sua colora��o vermelha. O gigante da Amaz�nia tamb�m � conhecido por suas grossas escamas que s�o capazes de impedir a penetra��o de mordidas de piranha.
Segundo Levi Francisco dos Santos, diretor do departamento do meio ambiente de Cardoso (SP), o munic�pio projeta nos pr�ximos meses realizar um campeonato para incentivar a pesca da esp�cie. "� uma forma de conseguirmos diminuir a incid�ncia de pirarucu no rio e incentivar o turismo local."
Em Mira Estrela, munic�pio do interior de S�o Paulo que tamb�m � banhado pelo rio Grande, o diretor do departamento de meio ambiente, Ant�nio Cesar Zanzarin, diz que pescadores j� relatam o desaparecimento de algumas esp�cies de peixes a partir da reprodu��o massiva do pirarucu. "� um peixe carn�voro que est� causando a diminui��o do n�mero de peixes nativos e consequentemente o ganho de pescadores."

Poss�veis solu��es
Est�mulo � pesca, manejo da esp�cie e novas pesquisas cient�ficas s�o apontados por especialistas como poss�veis solu��es para remediar os problemas que o pirarucu pode gerar no rio Grande nos pr�ximos anos.
Para o ec�logo Rogerio Machado, dificilmente ser� poss�vel acabar com a esp�cie na regi�o. "O que pode ser feito � o manejo da esp�cie e estimular a pesca esportiva para tentar diminuir o n�mero de peixes. � uma forma de ter controle do pirarucu no rio Grande e evitar mais impactos ambientais."
J� Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira, defende uma maior mobiliza��o sobre a import�ncia da educa��o ambiental no Brasil. "Depende de educarmos ambientalmente e sensibilizarmos a sociedade e pol�ticos, sobre os riscos e preju�zos ambientais e econ�micos que a introdu��o de esp�cies n�o-nativas pode causar."
A pesquisadora Lidiane Franceschini ressalta a import�ncia da fiscaliza��o e do monitoramento das comunidades aqu�ticas, para r�pida detec��o de esp�cies n�o-nativas, como forma de evitar novas invas�es nos rios brasileiros. "Contudo, o que temos atualmente s�o leis que protegem essas esp�cies, como por exemplo a limita��o da quantidade de animais n�o-nativos que podem ser capturados e limita��o do tamanho. Do ponto de vista de controle dessas esp�cies n�o-nativas, essas medidas s�o equivocadas."
Por ser uma esp�cie n�o-nativa, mesmo durante o per�odo da piracema o pirarucu pode ser pescador no rio Grande. "Por ser um peixe invasor, a pesca dele � liberada, mas o pescador precisa ficar atento se n�o est� descumprindo outras normas", afirmou Emerson Mioransi, capit�o da Pol�cia Ambiental da regi�o de S�o Jos� do Rio Preto.
Al�m do pirarucu, outros peixes como a til�pia tamb�m foram introduzidos nos rios do interior de S�o Paulo por meio do escape de tanques de psicultura. A til�pia - Oreochromis niloticus -, por exemplo, chegou ao Brasil para ser criada em cativeiro, mas atualmente � frequentemente encontrada em rios brasileiros.
"Mas com o pirarucu o problema � maior, pois � um peixe que consome a maioria dos peixes. Talvez daqui 15 anos, as pr�prias esp�cies nativas mostrem os primeiros sinais de adapta��o de viv�ncia com o pirarucu no rio Grande, mas at� l� � necess�rio um manejo e controle do n�mero de exemplares", afirmou Rogerio.
Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckmd4pd4d6ko