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Estado de Minas PREMIA��O

Alessandra Korap: ind�gena brasileira que ganhou o 'Nobel' do ambientalismo

A ativista se tornou uma lideran�a do povo munduruku e conseguiu evitar a a��o de mineradoras no territ�rio que ela mora, que ainda n�o foi demarcado pelo governo brasileiro. Ao longo dos �ltimos anos, ela conviveu com amea�as e ataques.


24/04/2023 06:39 - atualizado 24/04/2023 10:24

Alessandra Korap
Alessandra Korap � uma das vencedoras do Pr�mio Goldman de 2023 (foto: Goldman Environmental Prize)

As mem�rias de inf�ncia de Alessandra Korap est�o intimamente ligadas com a sensa��o de liberdade.

"Tenho a lembran�a de ser livre para tomar banho no rio, acompanhar os mais velhos na ro�a, colher as frutas e tirar cip� para fazer as roupas", relata.

 

"A minha sensa��o � a de que pod�amos usufruir e brincar no rio, na floresta e at� dentro de casa", diz ela.

Hoje, aos 38 anos, Korap � reconhecida nacional e internacionalmente como uma das principais lideran�as ind�genas da regi�o que compreende a bacia do rio Tapaj�s, no Par�.

 

Atualmente, ela � a presidente da Associa��o Ind�gena Pariri, que d� suporte �s comunidades que vivem nesse local.

 

Gra�as ao trabalho dela e de v�rios grupos, grandes empresas de minera��o — como a Anglo American e a Vale — desistiram de projetos para explora��o neste territ�rio ind�gena, que ainda n�o � oficialmente demarcado e reconhecido pelas autoridades brasileiras.

 

Entre tantas reuni�es e protestos, Korap sofreu uma s�rie de ataques e amea�as de morte. Num dos piores epis�dios, a casa dela foi invadida e vandalizada.

 

A atua��o em prol do meio ambiente rendeu a ela o Pr�mio Goldman de 2023, considerado um "Nobel verde", por homenagear e celebrar a hist�ria de pessoas que atuam em prol do meio ambiente e da preserva��o de recursos naturais.

 

Oferecido desde 1989 por uma funda��o sediada em S�o Francisco, nos Estados Unidos, o reconhecimento s� havia sido dado a outros tr�s brasileiros at� o momento: Carlos Alberto Ricardo (1992), Marina Silva (1996) e Tarc�sio Feitosa da Silva (2006).

 

 

O despertar

Korap, que trabalhava como professora, diz que a destrui��o de rios e florestas come�ou a incomod�-la com mais intensidade a partir de 2014 e 2015.

 

"O principal impacto aconteceu com a chegada de grandes empresas na regi�o em que vivemos. Ali come�ou o loteamento de terras e o desmatamento", conta.

 

"Muitas vezes, �amos a um local onde costum�vamos ca�ar ou colher frutas e, de repente, todo o terreno tinha sido limpado pelas m�quinas. Da� nos pergunt�vamos: cad� o lago onde costum�vamos pescar e brincar? Ele simplesmente n�o existia mais."

 

Korap nasceu no munic�pio de Itaituba, no Estado do Par�. A cidade � um dos principais centros do territ�rio ind�gena Sawr� Muybu do povo munduruku, que possui 178 mil hectares ao longo do trecho central do rio Tapaj�s.

 

Esse territ�rio ainda n�o foi formalmente reconhecido e demarcado pelo Estado brasileiro — o que aumenta as vulnerabilidades, a possibilidade de invas�es ou a a��o de madeireiros e garimpeiros.

 

"Em 2015 eu decidi que acompanharia os caciques na luta pela nossa terra. At� porque quando o povo munduruku sai do territ�rio, ele nunca vai sozinho. As lideran�as s�o acompanhadas por crian�as, e gr�vidas. Com isso, mostramos que h� toda uma gera��o voltada para o futuro que vive aqui", diz Korap.

Alessandra Korap em canoa
Alessandra Korap � uma das lideran�as entre os munduruku que habitam partes do Par� (foto: Goldman Environmental Prize)

Primeiras barreiras

A ativista admite que n�o foi f�cil conquistar uma posi��o de lideran�a logo de in�cio.

 

"Eu enfrentei muitas resist�ncias porque sou mulher, tenho marido e filhos", comenta.

 

"Muitas vezes, quando aconteciam as reuni�es, eu sempre ia para a frente. As mulheres me diziam: 'Alessandra, esse � o lugar dos homens'. E eu respondia: 'S� estou aqui para escutar melhor'... Sempre fui muito teimosa", brinca.

 

Korap alega ter questionado os motivos de s� os homens poderem falar ou liderar as atividades.

 

"O papel da mulher sempre foi o de fazer ro�a, cuidar dos filhos e do marido. Elas n�o iam para as reuni�es", observa.

 

Com o passar do tempo, por�m, a atua��o dela foi ganhando a aceita��o — e os convites para participar de encontros e coordenar atividades se tornaram mais frequentes.

 

"E isso � um grande privil�gio. Se eu tivesse desistido naquela �poca, hoje n�o estaria aqui", raciocina.

 

"� claro que eu pessoalmente n�o tenho mais a liberdade de antigamente. Mas a liberdade do meu povo, de poder ver as crian�as brincando e as mulheres felizes, � o maior pr�mio que eu posso receber", complementa.

Uma advogada entre n�s

Korap tamb�m percebeu aos poucos que precisava buscar uma forma��o acad�mica.

 

"Parecia que n�s sempre depend�amos dos brancos. Precisamos aprender as leis, a falar e a escrever bem em portugu�s, para que assim possamos dizer �s empresas que n�o aceitamos os projetos que elas tinham dentro de nossos territ�rios", diz.

 

Foi assim que a ativista come�ou a cursar Direito em 2018 na Universidade Federal do Oeste do Par�, localizada na cidade de Santar�m.

 

A ideia dela era a de poder representar o povo munduruku em a��es legais contra garimpeiros e outras empresas interessadas em explorar os recursos da regi�o.

 

"Eu fui toda feliz conversar com os caciques, mas eles disseram que eu n�o deveria estudar, que eles precisavam de mim ali", lembra.

"Mas depois eles foram convencidos de que precis�vamos de uma advogada munduruku", completa.

 

Os planos acad�micos de Korap, por�m, foram interrompidos em 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) � Presid�ncia da Rep�blica.

Durante a campanha, o ex-presidente repetiu diversas vezes que n�o demarcaria nenhum territ�rio ind�gena enquanto estivesse no cargo — promessa que ele de fato cumpriu.

 

"Esse foi o momento em que eu cursava a faculdade e pensava que n�o era hora de estar dentro de uma sala de aula. N�o podia ficar trancada em quatro paredes, ouvindo os professores falarem coisas que n�o serviriam para mim", diz a ativista.

 

Depois de pausar o sonho de virar advogada, Korap se viu diante de um novo dilema. "Eu tinha sa�do do territ�rio ind�gena e n�o sabia mais se podia exercer o papel de lideran�a ou falar por aquelas pessoas", resume.

 

"Os caciques me disseram: Alessandra, voc� saiu para estudar e pode, sim, seguir falando pela gente. Foi a� que eu comecei a organizar todo o movimento."

Garimpo de fora

Uma das principais conquistas do grupo do qual Korap faz parte foi a de conseguir barrar a a��o de mineradoras no territ�rio Sawr� Muybu.

Segundo informa��es compiladas pela organiza��o do Pr�mio Goldman, entre 2011 e 2020, 97 pedidos de minera��o nessa regi�o foram realizados por empresas ao governo.

 

S� a Anglo American, uma companhia de origem brit�nica, tinha 13 solicita��es para avaliar a explora��o de cobre na terra munduruku — e cinco desses pedidos foram protocolados entre 2017 e 2019.

 

Em reuni�es, Korap alertou sobre esses projetos e o que eles poderiam representar para a comunidade. Ela tamb�m organizou as estrat�gias para transformar o assunto numa pauta priorit�ria e liderou os esfor�os para arrecadar fundos.

 

Em dezembro de 2020, a ativista tamb�m esteve numa assembleia com 45 lideran�as e 200 participantes, que assinaram uma declara��o oficial contra o garimpo e o desmatamento em toda a Amaz�nia.

 

Ap�s uma intensa campanha, em maio de 2021 a Anglo American desistiu oficialmente de fazer 27 pesquisas explorat�rias que j� estavam aprovadas em territ�rios ind�genas da Amaz�nia. A lista inclui os 13 pedidos que aconteceriam em �reas Sawr� Muybu.

 

Os organizadores do Pr�mio Goldman tamb�m destacam que, ap�s a decis�o da Anglo American, outra gigante do setor tomou uma decis�o parecida: a Vale anunciou que retiraria todos os pedidos de investiga��o sobre min�rios em terras ind�genas do Brasil.

 

No ano passado, um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Minera��o (Ibram) revelou que, pela primeira vez em d�cadas, nenhuma das 130 empresas filiadas tinha protocolado pedidos para explorar min�rios em territ�rios ind�genas do pa�s.


Alessandra Korap em foto frontal
Korap decidiu estudar Direito para poder representar o povo munduruku (foto: Goldman Environmental Prize)

Amea�as constantes

O trabalho de ativismo de Korap veio acompanhado de alguns epis�dios de persegui��o e constrangimentos.

 

"Comecei a ser seguida na rua, vinha gente de fora pedir informa��es sobre mim e at� recebi mensagens de �udio em que as pessoas diziam: 'Precisamos dar um jeito naquela �ndia de Itaituba porque, se ela j� est� dando trabalho agora, imagina quando virar advogada'", relata.

 

A ativista disse que esses foram sinais claros de que o trabalho dela come�ava a incomodar.

 

Em novembro de 2021, Korap participava da Confer�ncia do Clima das Na��es Unidas (COP 26) em Glasgow,

na Esc�cia, quando foi abordada por um sujeito n�o identificado, que disse para ela "deixar de misturar pol�tica e meio ambiente".

 

Naquele mesmo m�s, a ativista descobriu que sua casa havia sido invadida e vandalizada. Documentos e equipamentos eletr�nicos foram roubados.

 

Certa noite, a eletricidade da resid�ncia foi subitamente cortada, o que deixou ela pr�pria e todos os familiares ainda mais alarmados — e todos precisaram passar um tempo na casa de amigos.

 

Esses eventos levaram at� a publica��o de uma manifesta��o oficial da ONU sobre o caso. No texto, a entidade mostra-se preocupada com os fatos e pede que o Estado brasileiro tome provid�ncias para proteger Korap.

 

"Quando invadiram o meu terreno em Santar�m, meu filho mais novo me abra�ou e disse: 'M�e, eu n�o quero que eles te matem'."

 

"Eu fiquei em p�nico e fui para a aldeia fazer uma reuni�o. As mulheres choravam e ficaram preocupadas, achando que eu iria desistir. Mas eu disse que n�o deixaria de falar, at� porque a minha voz vai muito al�m ao representar a luta de um povo e a defesa de nosso territ�rio", diz.

 

"E � isso o que acontece em v�rios outros lugares da Amaz�nia. S� que a gente � uma sementinha, que cresce cada vez mais. N�s somos um projeto de vida, de caciques e de mulheres que querem construir o futuro para seus filhos junto com a floresta e os animais", completa.

O que vem por a�?

Questionada pela BBC News Brasil sobre o que espera do novo governo Lula, Korap adota um tom de cautela e cobran�a.

"O presidente anterior [Jair Bolsonaro] deixava muito claro o que queria: ele falava diretamente em n�o demarcar e explorar os territ�rios ind�genas", avalia.

 

"Mas, com o novo governo, precisamos continuar a nossa luta. Porque sabemos que eles tamb�m est�o conversando com as empresas [interessadas na explora��o da Amaz�nia]", diferencia.

 

Para a ativista, os povos ind�genas n�o devem ficar satisfeitos com a concess�o de cargos de alto escal�o, ou a cria��o de um minist�rio pr�prio, liderado por S�nia Guajajara (PSOL).

 

"Isso n�o significa que ficaremos calados e achando que est� tudo bem. N�o est� tudo bem se o nosso territ�rio n�o foi demarcado e est� cheio de invasores, se os rios est�o contaminados com merc�rio, se h� projetos para legalizar o garimpo…", lista.

 

"Precisamos lembrar que os ataques n�o acontecem s� com as armas. Alguns s�o feitos com canetas. E as canetas que assinam leis em Bras�lia podem ser a principal causa de morte do nosso povo", complementa.

 

"Ser�o mais quatro anos em que continuaremos a resistir para proteger o nosso territ�rio", conclui Korap.


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