
Dois anos. Esse foi o tempo que o analista de pricing Vinicius Villas Boas, 37, ficou preso em regime fechado no Centro de Deten��o Provis�ria de S�o Jos� do Rio Preto (SP) ap�s ser condenado por roubo a uma resid�ncia em 2016.
No entanto, no �ltimo dia 21 de mar�o, a Justi�a reconheceu que Villas Boas foi preso injustamente e que ele n�o era um dos autores do crime, decidindo pela sua absolvi��o. O reconhecimento da inoc�ncia do analista de pricing s� veio depois que um detento, que cumpria pena no mesmo local, escreveu uma carta � m�o apontando os verdadeiros culpados pelo assalto.
A reviravolta no caso trouxe al�vio para Villas Boas e para o advogado Nugri Campos, que j� tinha esgotado todos os argumentos para tentar convencer a Justi�a de que as provas do inqu�rito eram fr�geis e n�o comprovavam a participa��o do analista no crime.

Segundo o processo, que foi transitado e julgado, no dia 17 de fevereiro de 2016, um homem de 51 anos foi feito ref�m por tr�s assaltantes ao chegar em sua resid�ncia, em Jos� Bonif�cio, interior de S�o Paulo, e flagrar o trio furtando diversos objetos do local.
No boletim de ocorr�ncia, o morador relatou que foi amarrado e trancado no banheiro, enquanto os bandidos fugiram levando R$ 1,2 mil em dinheiro, um cord�o de ouro, um celular e dois perfumes avaliados em R$ 1,4 mil. Na ocasi�o, a v�tima relatou � pol�cia ter visto um ve�culo Gol cinza perto da casa dele.
Dias depois, outra resid�ncia nas proximidades foi furtada. Imagens das c�meras de seguran�a do local flagraram que os bandidos usaram um carro Gol cinza, com as mesmas caracter�sticas, durante o crime. A semelhan�a fez com que a Pol�cia Civil acreditasse que os crimes foram cometidos pelo mesmo grupo e passasse a investig�-los em conjunto.
As investiga��es apontaram que o ve�culo pertencia a um morador de Mendon�a, cidade com pouco mais de 5 mil habitantes, a 22 quil�metros de onde os crimes foram cometidos, e um dos suspeitos seria Villas Boas – que havia se mudado de S�o Paulo para a cidade com a esposa e o filho pequeno.
A foto de Villas Boas foi apresentada para a v�tima do assalto e o homem teria o reconhecido como um dos homens que invadiram a sua casa e praticado o roubo.
Outra prova da suposta participa��o de Villas Boas usada pela Justi�a foram as imagens das c�meras de seguran�a da casa onde foi registrado o segundo crime. Nelas era poss�vel ver um homem pardo caminhando do outro lado da rua um dia antes do crime. Para a pol�cia, esse homem era o analista de pricing.

"As imagens s�o de qualidade ruim e n�o � poss�vel identificar o homem que aparece nelas. Al�m disso, t�nhamos um �libi, no dia e hora dos crimes, o Vinicius estava trabalhando como pintor em uma obra, inclusive o patr�o dele da ocasi�o foi ouvido na audi�ncia e confirmou que Vinicius estava trabalhando com ele. Tamb�m pedimos a quebra do sigilo telef�nico para mostrar a geolocaliza��o do Vinicius no dia do crime, mas o pedido foi negado pela Justi�a", detalha o advogado.
Villas Boas foi ent�o condenado a cumprir nove anos de pris�o. Ap�s recorrer em todas as inst�ncias tentando provar a sua inoc�ncia e a inconsist�ncia das acusa��es, a pena foi reduzida para sete anos.
Novas provas
Foi trabalhando no Centro de Deten��o Provis�ria (CDP) servindo comida aos demais presos e ajudando na limpeza do local que Villas Boas conheceu um detento que tamb�m era de Mendon�a, conhecia os verdadeiros autores dos crimes e sabia que o analista havia sido preso injustamente.
"Um dia esse detento me chamou e perguntou a minha hist�ria, o porqu� de eu estar preso. Ap�s contar, ele disse que sabia da minha inoc�ncia e que havia pedido para os verdadeiros autores se entregarem, porque na lei do crime eles n�o admitem que um pai de fam�lia levasse a culpa, mas como isso n�o aconteceu, ele iria me ajudar", recorda o analista.
Para provar a inoc�ncia de Villas Boas, o detento escreveu uma carta � m�o relatando tudo o que sabia sobre o caso e apontando quem seriam os autores dos crimes.
"Eles falaram que foram eles que fizeram o roubo e que eles nem sabem como que o Vinicius foi enquadrado nesse BO. Eles falaram que n�o iam assumir nada, mas eles assumiram o BO perante eu, pessoalmente", diz um trecho da carta.
Ap�s anexar a carta ao processo, o detento foi ouvido formalmente em uma audi�ncia online e confirmou que o analista havia sido confundido com o verdadeiro criminoso.

"Foi aquela luz no fim do t�nel porque todos os nossos recursos j� haviam se esgotado. Mas com o surgimento de uma nova prova, o processo foi reaberto para uma nova an�lise", diz Villas Boas.
As novas provas foram analisadas pelo Tribunal de Justi�a de S�o Paulo, que reconheceu a inoc�ncia de Villas Boas.
"Inexistindo provas produzidas em ju�zo para afian�ar a autoria do fato, estando a condena��o do peticion�rio fiada em prova nula e vazia e havendo prova de sua inoc�ncia, resta a esta Relatoria deferir o pedido revisional para absolver Vin�cius Silva Villas Boas", diz trecho do ac�rd�o.
O analista ainda responde ao processo sobre o furto ocorrido uma semana depois do roubo. A primeira audi�ncia para reavaliar o caso est� marcada para o dia 16 de maio e ser� realizada virtualmente.
"Eu jamais imaginei que um dia estaria em uma cadeia. Estar em meio a criminosos, em uma cela, ouvir o barulho dos cadeados e port�es batendo, foi um pesadelo em vida", recorda Villas Boas.
Vida tranquila no interior
Villas Boas e a esposa, na �poca gr�vida do primeiro filho do casal, moravam em S�o Paulo e se mudaram para o interior do Estado, em 2013, em busca de fugir da viol�ncia dos grandes centros.
Na �poca em que foi preso, o analista estava prestes a inaugurar uma pizzaria na cidade e os planos foram interrompidos.
"Hav�amos vendido nossa casa em S�o Paulo e comprado uma resid�ncia no interior. T�nhamos feito um curso de pizzaiolo, investido parte do nosso dinheiro em um forno e equipamentos para dar in�cio ao nosso neg�cio. Mas assim que recebi a liberdade condicional j� voltamos para a capital, tive muito medo de continuar no interior", relata.

"Voc� receber uma condena��o sem ter feito nada, sem dever, � horr�vel. Ali caiu meu mundo, foi muito doloroso, ali eu pensei que estava tudo perdido. � um sentimento de dor, incapacidade e injusti�a", acrescenta.
H� tr�s anos Villas Boas trabalha como analista de pricing em uma startup e tenta recome�ar a vida.
"� realmente recome�ar do zero porque todo o dinheiro que t�nhamos foi gasto tentando provar a minha inoc�ncia. Agora, com a absolvi��o � vida nova, porque � muito triste voc� ser culpado por algo que n�o fez, isso atrapalha em todos os campos da vida. S� quero continuar trabalhando", diz.
Os verdadeiros culpados
Segundo o advogado Nugri Campos, o homem apontado na carta como sendo o verdadeiro autor do roubo com quem Villas Boas teria sido confundido ainda n�o foi investigado. Outros dois suspeitos citados foram absolvidos em primeira inst�ncia por insufici�ncia de provas e um terceiro foi condenado na mesma �poca de Villas Boas.
A reportagem da BBC News Brasil questionou a Secretaria de Seguran�a P�blica do Estado de S�o Paulo sobre o erro envolvendo a pris�o indevida de Villas Boas, que explicou que os procedimentos adotados pela Pol�cia Civil obedeceram �s regras processuais.
"O caso foi investigado pela Delegacia de Jos� Bonif�cio, que analisou todos os elementos apresentados para fundamentar a sua decis�o pelo indiciamento e pris�o do suspeito, tanto que o homem foi denunciado pelo Minist�rio P�blico e condenado pela Justi�a, em primeira inst�ncia. O inqu�rito policial foi conclu�do e relatado em julho de 2017 para an�lise do Poder Judici�rio, e n�o retornou mais � delegacia", disse o �rg�o em nota.
A SSP n�o deu detalhes de como est� a investiga��o do caso ap�s a absolvi��o de Villas Boas.
J� o Tribunal de Justi�a de S�o Paulo disse que n�o se manifesta sobre quest�es jurisdicionais.
"Os magistrados t�m independ�ncia funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independ�ncia � uma garantia do pr�prio Estado de Direito. Quando h� discord�ncia da decis�o, cabe �s partes a interposi��o dos recursos previstos na legisla��o vigente", diz a nota.