(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CASAMENTEIRO E MAIS

Santo Ant�nio: o frade portugu�s que se tornou o santo mais popular do Brasil

Para muitos, ele � casamenteiro. Para os mais devotos cat�licos, � milagroso. Para a Igreja, � a figura que det�m o recorde da canoniza��o mais r�pida da hist�ria. Conhe�a a vida e a obra desse intelectual not�vel que circulou por parte consider�vel da Europa do s�culo 13 consolidando o papel dos franciscanos, cuja ordem havia acabado de ser fundada.


13/06/2023 06:20 - atualizado 13/06/2023 07:35
438


Santo Antônio
A reconstitui��o facial revelou um Santo Ant�nio mais rechonchudo do que normalmente se imagina e com sintomas da hidropisia (foto: ARC-TEAM/ CENTRO STUDI ANTONIANI/ CICERO MORAES)

Para muitos, � santo casamenteiro — folclore e tradi��es populares s�o pr�digos em reservar a ele toda sorte de simpatias para trazer, para sempre enquanto dure, aquele amor perfeito. Para os devotos cat�licos, � um santo milagroso, daqueles mais eficientes na intercess�o junto a Deus. Para a Igreja, � a figura que det�m o recorde da canoniza��o mais r�pida da hist�ria. Para a historiografia, foi um homem not�vel do seu tempo: intelectual, o frade circulou por parte consider�vel da Europa do s�culo 13 e ajudou a consolidar o papel dos franciscanos, cuja ordem havia acabado de ser fundada.

Este personagem � Santo Ant�nio de P�dua — assim chamado por aqueles que preferem enfatizar o auge de sua vida. Ou Santo Ant�nio de Lisboa — como preferem sobretudo os portugueses, enaltecendo suas ra�zes.

Se muito de sua vida, oito s�culos mais tarde, se mistura com lendas, relatos extraordin�rios e f� religiosa, fato certo e comprovado � que o frade franciscano morreu em uma sexta-feira, no dia 13 de junho de 1231.

"Ele era um homem bastante erudito mas, mesmo assim, mesmo muito ortodoxo em sua postura de combate �s heresias, ele foi acometido dessa aura de um taumaturgo, algu�m que tinha habilidade de manipular os poderes da natureza", contextualiza � BBC News Brasil o historiador, fil�sofo e te�logo Gerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Com o passar do tempo, v�rias camadas narrativas foram sendo colocadas neste homem. A hist�ria dos santos � muito recheada dessas narrativas que v�o sendo acrescentadas, somadas, transformando aquilo num �cone."

Em terras brasileiras, a devo��o antoniana ganhou seu pr�prio sotaque. O sincretismo fez dele uma figura simp�tica a outras religi�es fora do catolicismo. E o folclore garantiu ao santo lugar de honra, seja na hora de pendurar sua imagem de cabe�a para baixo at� que um namorado dos sonhos apare�a, seja em formatos de ora��es caracter�sticas, como a trezena — treze dias de rezas dedicadas a ele ou no considerado infal�vel "responso", cujo texto original � atribu�do a um frade italiano chamado Giuliano da Spira, que viveu no s�culo 13 e teria escrito a ora��o dois anos ap�s a morte do santo.


Papa Gregorio 9
Papa Greg�rio 9� foi respons�vel pelas canoniza��es de Santo Ant�nio e de S�o Francisco de Assis (foto: DOM�NIO P�BLICO)

No Dicion�rio do Folclore Brasileiro, o soci�logo, antrop�logo e historiador Lu�s da C�mara Cascudo (1898-1986) registrou uma das tantas vers�es da ora��o, originalmente em latim, no portugu�s coloquial. "Quem milhares quer achar/ Contra os males e o dem�nio/ Busque logo a Santo Ant�nio/ Que s� o h� de encontrar", dizem os primeiros versos.

"Seu nome batiza igrejas, ruas e continua sendo um dos mais escolhidos para menino, em Portugal e Brasil", aponta Cascudo. "Rara ser� a cidade, vila ou povoado sem uma rua de Santo Ant�nio ou uma igreja de Santo Ant�nio, em todas as terras do idioma portugu�s."

Em 2019, um sacerdote italiano que atuava na cidade de P�dua comentou informalmente com este rep�rter que a fama de Ant�nio junto aos fi�is, em especial os brasileiros, adv�m desta maneira simples e brejeira como se desenvolveu a rela��o de f� com ele — entre simpatias que mais parecem travessuras. "Essas coisas, para quem v� de fora, podem parecer heresia ou falta de respeito. Mas, na verdade, aproximam o santo do povo. � como se ele n�o estivesse no altar, inacess�vel e distante, mas preferisse se sentar no banco da igreja, ao lado do fiel, como um amigo, um companheiro, algu�m de confian�a", filosofou o religioso.

"No Brasil, a religi�o nunca foi austera, sempre foi uma religiosidade com caracter�sticas populares", completa Moraes. "A religi�o no Brasil se desenvolveu muito nessa coisa da proximidade, da rela��o quase desrespeitosa com o sagrado, mas ao mesmo tempo muito �ntima."

Autor do livro Santo Ant�nio: Por Onde Passa, Entusiasma, o vaticanista italiano Domenico Agasso Jr. concorda que chama a aten��o o fato de a figura de Santo Ant�nio, ainda no s�culo 21, conservar grande relev�ncia. "A primeira raz�o reside sobretudo no fato de ele n�o ter sido um menino 'santo', mas sim ter passado por uma transforma��o interior e exterior na juventude — e isso o coloca como uma mostra de que Deus � acess�vel a todos os homens e mulheres de todos os tempos e lugares", comenta ele, � BBC News Brasil.

"S�o muitos os que contam que, gra�as a Ant�nio, compreenderam uma coisa fundamental: s� por meio da caridade podemos viver verdadeiramente na alegria", prossegue ele. "� por isso que Antonio ainda � muito amado. � uma presen�a que continua a gerar alegria. As pessoas sentem que ele � um pai, uma refer�ncia acolhedora e encorajadora, uma fonte inesgot�vel de esperan�a contra a resigna��o, o desespero, os medos."

A seguir, cinco curiosidades sobre este religioso cuja fama transcende o catolicismo.

1. Ele n�o morreu em P�dua, mas em Capo di Ponte


Basílica de Santo Antônio em Pádua
H� uma bas�lica para Santo Ant�nio em P�dua (foto: MARIANA VEIGA)

De acordo com relatos de seus contempor�neos, Ant�nio sofria de um quadro de hidropisia, ou seja, ac�mulo de fluidos corporais. Na antiguidade, costumavam serem diagnosticados assim muitos dist�rbios de circula��o sangu�nea — e o quadro, sabe-se hoje, � causa de edemas generalizados e pode acarretar insufici�ncia card�aca congestiva.

Ant�nio era um homem na faixa dos 40 anos — h� d�vidas sobre sua data de nascimento —, mas a condi��o de sa�de associada � rotina de peregrina��es, jejuns e penit�ncia faziam-no parecer mais velho. Cansado depois de uma intensa quaresma naquele ano, ele havia solicitado, em maio, um per�odo de descanso a seus superiores.

Em 19 de maio de 1231, recolheu-se ent�o na propriedade de um nobre da regi�o, conde Tiso VI (?-1234), em Camposampiero, a 20 quil�metros de P�dua, no norte da It�lia, onde vivia.

Conforme conta a primeira cr�nica biogr�fica sobre o santo, publicada pela Ordem dos Frades Menores em 1232, Beati Antonii Vita Prima, ele parecia muito fraco naquela manh� de 13 de junho e desmaiou. Foi acomodado em uma cama rudimentar, de palha. Quando recobrou a consci�ncia, pediu que o levassem de volta a P�dua, onde teria a assist�ncia de irm�os religiosos.

Foi colocado ent�o sobre um carro de boi. No caminho, contudo, com o frade visivelmente agonizando, os que o acompanhavam no traslado decidiram parar em um convento localizado em um pequeno burgo, na �poca chamado de Capo di Ponte — hoje, bairro de Arcella, no sub�rbio de P�dua.

E foi ali, numa cela da pequena casa religiosa, que o santo morreu. S� depois foi levado para a P�dua que se tornaria famosa por conta dele.

Depois de atuar em diversas cidades — h� registros comprovados de sua passagem por 37 localidades, hoje pertencentes a na��es como Portugal, Espanha, Marrocos, It�lia e Fran�a, mas � altamente prov�vel que suas andan�as como pregador tenham chegado a locais nas atuais Alemanha, Su��a, Eslov�nia e �ustria —, foi no ano anterior � sua morte que Ant�nio decidiu resignar ao posto de provincial dos franciscanos em Mil�o e escolheu P�dua para viver.

Mesmo a cidade italiana, hoje com 211 mil habitantes, tendo sido endere�o em algum momento in�meros personalidades de vulto, como Nicolau Cop�rnico (1473-1543), Crist�v�o Colombo (1451-1506) e Galileu Galilei (1564-1506), � ineg�vel que a maior parte dos turistas que a visitam atualmente est�o em busca de Santo Ant�nio — ou, como se diz por l�, simplesmente Il Santo, "O Santo".

2. Ele n�o nasceu em 1195, como a tradi��o acabou consagrando


Oração de Santo Antônio
A canoniza��o de Santo Ant�nio foi a mais r�pida da hist�ria da Igreja Cat�lica (foto: REPRODU��O)

N�o h� um consenso sobre a data exata de nascimento de Santo Ant�nio. A tradi��o cat�lica havia consagrado o dia 15 de agosto de 1195. Hoje, especialistas concordam que o dia tenha sido inventado em algum momento, intencionalmente no mesmo 15 de agosto que a Igreja celebra a festa da Assun��o de Nossa Senhora.

No seu livro Santo Ant�nio: Vida, Milagres, Culto, Frei Bas�lio — cujo nome civil era Hugo R�wer (1877-1958) — escreveu que "a circunst�ncia de ter nascido no dia festivo da Assun��o de Nossa Senhora foi o press�gio de sua terna devo��o � Maria Sant�ssima, cuja Assun��o gloriosa ao c�u iria mais tarde pregar nos seus serm�es e com cujo hino nos l�bios iria transportar o limiar da eternidade". J� o frade portugu�s Fernando F�lix Lopes, em seu Santo Ant�nio de Lisboa: Doutor Evang�lico, adota o ceticismo mais compat�vel com o que se entende como verdade atualmente: "eu diria que foi o povo quem imaginou a data de modo t�o preciso", pontuou, consciente da prec�ria documenta��o existente.

Em 1981, durante as celebra��es pelos 750 anos de sua morte, o Vaticano autorizou que seus restos mortais, sepultados na bas�lica a ele dedicada em P�dua, fossem exumados para an�lise cient�fica. Exames antropom�tricos foram ent�o realizados, por uma junta de pesquisadores, alguns ligados � Santa S�, outros vinculados � Universidade de P�dua. A principal conclus�o: o material era compat�vel com um homem de mais de 40 anos.

Seus bi�grafos passaram ent�o a situar seu nascimento como tendo sido provavelmente em 1188. Isto tornaria compat�veis com a realidade diversas datas sobre as quais h� registros em sua vida, como seus ingressos �s ordens religiosas — primeiro, ele foi agostiniano; depois, franciscano — e sua ordena��o sacerdotal. Se for admitido o nascimento em 1195, � preciso crer nele um prod�gio capaz de ter abreviado etapas de estudo, galgando degraus em idade inferior ao usual para a �poca.

As incertezas, contudo, persistem at� em locais onde essas informa��es poderiam dirimir d�vidas. Inaugurado em 2014 no centro de Lisboa, o Museu de Lisboa: Santo Ant�nio afirma, no site, que o religioso nasceu em 1195, embora admita que o 15 de agosto tenha sido uma tradi��o, possivelmente criada no s�culo 17. Em letreiro afixado no memorial, por outro lado, a institui��o diz que Ant�nio veio ao mundo em 1191.

Em 2014, novos estudos cient�ficos foram realizados nos restos mortais de Ant�nio, por pesquisadores do Museu de Antropologia da Universidade de P�dua, em parceria com o Centro de Estudos Antonianos e com o grupo Arc-Team Open Research. O designer brasileiro C�cero Moraes foi encarregado de fazer, por computa��o gr�fica, a reconstitui��o facial tridimensional fidedigna do santo. Mais uma vez, a confirma��o: tratava-se de um homem de mais de 40 anos.

O que n�o h� d�vidas, contudo, � que seu nome de batismo era Fernando, e n�o Ant�nio. Muito provavelmente, a julgar inclusive por ter tido acesso a estudos b�sicos em uma �poca de parcos escolarizados, filho de uma fam�lia importante da sociedade lisboeta da �poca. Diversos pesquisadores concordam que seu nome completo era Fernando Martins de Bulh�es e Taveira de Azevedo.

Quando decidiu ingressar para a vida religiosa, Fernando buscou o Mosteiro de S�o Vicente de Fora, mantido pelos c�negos regrantes de Santo Agostinho. Sua entrada para o convento est� nos registros hist�ricos da institui��o devidamente preservados pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo. "Em 1210, professou em S�o Vicente aquele que viria a ser Santo Ant�nio de Lisboa", afirma o verbete.

A vida junto aos agostinianos foi o que conferiu erudi��o ao jovem religioso. Teve acessos a livros e ensino n�o s� de teologia e doutrina cat�lica, mas tamb�m de hist�ria, astronomia, medicina, matem�tica, ret�rica e letras jur�dicas.

Insatisfeito com as limita��es do convento, Fernando solicitou transfer�ncia para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra — o que aconteceu entre o fim de 1211 e in�cio de 1212. Trata-se da mais antiga casa agostiniana de Portugal, fundada em 1131. E ficava na cidade que era ent�o a capital de Portugal.

"Ele era de origem nobre, e [tornou-se] um intelectual bem preparado. Era professor de teologia. Vivia como Fernando em um mosteiro […] onde o estudo e a ci�ncia eram prioridades. Mas ficou impressionado com a vida dos seguidores de Francisco de Assis, e ao se tornar franciscano, atra�do pela simplicidade, revelou-se em uma tal humildade que, no come�o, nem os confrades desconfiaram do grande intelectual que estava no meio deles", conta � BBC News Brasil o te�logo Luiz Carlos Susin, professor na Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana.

Esta mudan�a para a Ordem dos Frades Menores, ou seja, a transforma��o de agostiniano em franciscano, ocorreu em algum momento entre junho e agosto de 1220. Em um sinal de que deixava a vida pregressa para tr�s, Fernando assumiu nova identidade. Escolheu Ant�nio.

O nome tinha motivos, � claro. O eremit�rio franciscano em Coimbra, local hoje ocupado pela Igreja de Santo Ant�nio dos Olivais, era chamado de Santo Ant�o — em sua forma latina, Antonius. Santo Ant�o do Deserto (251-356), conhecido como "pai de todos os monges", foi um religioso considerado pela Igreja como o precursor da vida mon�stica. Assim, Ant�nio homenageava tamb�m, de certa forma, os agostinianos que deixava para tr�s, j� que Santo Agostinho bebeu na fonte de Ant�o ao criar sua regra mon�stica.

O relato Beati Antonii Vita Prima explica de forma po�tica esse momento. "Assim foi o pr�prio Ant�nio em pessoa, que, substitu�do o voc�bulo, se imp�s o nome e com ele, por um feliz press�gio, designou qual havia de ser o arauto da palavra de Deus", afirma o texto. "Ant�nio, pois significa por assim dizer aquele que atroa os ares. E na realidade a sua voz, qual trombeta portentosa, quando expressava entre os doutos a Sabedoria oculta no mist�rio de Deus, proclamava com �nfase tais e t�o profundas verdades das Escrituras, que mesmo, e nem sempre, o exegeta poderia compreender a eloqu�ncia da sua prega��o."

3. Nenhum dos 53 milagres de sua canoniza��o tem a ver com casamento


Afresco atribuído ao pintor Filippo da Verona e provavelmente feito em 1510
Afresco atribu�do ao pintor Filippo da Verona e provavelmente feito em 1510 mostra Santo Ant�nio em apari��o a seu confrade e seguidor Luca Belludi. (foto: DOM�NIO P�BLICO)

Nem bem foi sepultado em P�dua, no dia 17 de junho de 1231, come�aram a pipocar pela regi�o relatos de milagres atribu�dos � intercess�o daquele que j� era chamado de santo ainda em vida. Seu t�mulo come�ou a atrair devotos e pagadores de promessa.

Menos de um m�s ap�s sua morte, o bispo Jacopo Corrado (?-1239) solicitou ao papa Gregorio IX (1170-1241) que abrisse um processo para canonizar o frade. Admirador dos franciscanos, o sumo pont�fice, que havia conhecido Ant�nio em vida, aceitou. Mas houve uma resist�ncia na c�pula da Igreja.

O maior problema seria canonizar, quase que sequencialmente, dois frades franciscanos — al�m de tudo, uma ordem fundada h� t�o pouco tempo, em 1209. Francisco de Assis (1181 ou 1182-1226) havia sido oficializado santo, pelo mesmo papa Greg�rio IX, em 1228.

A celeuma pol�tico-clerical foi contornada com um apelo popular materializado em enxurrada de hist�rias de milagres. Em uma �poca em que os processos de canoniza��o careciam das padroniza��es metodol�gicas hoje existentes, o papa mandou criar duas comiss�es: em P�dua, conferiu poderes ao bispo Corrado e aos superiores dos beneditinos e dos dominicanos para que reunissem casos milagrosos e examinassem as pessoas que se diziam curadas; em Roma, designou dois cardeais para analisarem os relat�rios.

A esses esfor�os foram juntados documentos produzidos por dois cardeais que, em visita � regi�o de Mil�o, tamb�m coletaram narrativas de prod�gios ocorridos, de acordo com a f� popular, gra�as a Ant�nio.

O documento que serviu para justificar sua canoniza��o acabou reunindo, depois desses crivos, 53 milagres atribu�dos a sua intercess�o. A grande maioria dizia respeito a problemas de sa�de, de paralisias a surdez, passando pela fant�stica hist�ria de uma menina que teria morrido afogada e voltado a viver. Alguns dos casos listados, contudo, s�o mais prosaicos — como o de uma ta�a de vidro atirada contra a parede — apenas para testar o poder do santo — que n�o teria se quebrado e de tripulantes de um barco � deriva que, em meio a uma tempestade, fiaram-se em Santo Ant�nio para reencontrar o caminho de volta.

Em 30 de maio de 1232, menos de um ano ap�s a morte do franciscano, papa Greg�rio IX anunciou que Ant�nio j� podia ser eternizado no rol dos santos da Igreja. "Em honra e louvor � Sant�ssima Trindade e para exalta��o da santa Igreja, inscrevemos o servo de Deus, Frei Ant�nio, confessor da Ordem dos Frades Menores, no cat�logo dos santos, e ordenamos que a sua festa seja celebrada todos os anos em 13 de junho", declarou o pont�fice.

Em 13 de junho daquele ano, a missa do primeiro anivers�rio da morte dele foi especial para a cidade de P�dua: n�o s� ele podia ser chamado de santo, como foi lan�ada ali a pedra fundamental da constru��o do santu�rio a ele dedicado: � a base da mesma constru��o atual, oficialmente Pontif�cia Bas�lica Menor de Santo Ant�nio de P�dua — que seria conclu�da apenas em 1310 e, com o passar dos s�culos, passou por v�rias reformas e modifica��es.

Mas se nenhum dos milagres compilados pelo Vaticano tratava de casamento, de onde veio essa fama? Para hagi�grafos, h� algumas explica��es. A primeira � que, ainda em vida, ele teria sido um grande opositor dos casamentos combinados por interesse entre fam�lias, o que ele chamava de mercantiliza��o do sacramento — defendia que os casais fossem formados por amor.

H� ainda uma vers�o, com contornos de lenda, de que ele teria desviado, certa vez, donativos recebidos pela Igreja, para ajudar uma mo�a a conseguir dinheiro suficiente para o dote que era necess�rio ao seu casamento.

"Ele � arranjador de bons casamentos somente em alguns pa�ses. Na maior parte dos pa�ses europeus e nos Estados Unidos, o santo dos namorados � S�o Valentim", lembra o te�logo Susin. "Na biografia de Santo Ant�nio e nas lendas medievais n�o h� nada que sugira esse t�tulo. Mais tarde, por�m, o santo de Lisboa e P�dua substituiu, nas lendas populares, o deus romano Merc�rio como o mensageiro de boas not�cias, o portador e o int�rprete de boas encomendas."

"Na It�lia e em alguns pa�ses latinos esta permanece sua qualidade especial", prossegue. "Talvez o fato de Ant�nio levar a Palavra de Deus para o povo como boa not�cia, e o povo procurar sua palavra, seja a origem do santo que acha o que foi perdido, que acha o que � dif�cil, e acerta no amor."

4. Embora fosse contra as armas, acabou virando militar — postumamente


Santo Antônio militar
Santo Ant�nio militar, em ilustra��o de autor desconhecido (foto: BBC)

Desde as mais antigas biografias, h� �nfase no fato de que Ant�nio era contr�rio �s armas e qualquer postura b�lica. Quando jovem, seu pai teria tentado demov�-lo da ideia de se tornar padre — e a alternativa era que o filho se tornasse militar.

Aos 15 anos, por ordens paternas, o ent�o menino Fernando teria estudado cavalaria e esgrima, mas nunca demonstrou muita aptid�o para isso. J� como sacerdote, em diversos serm�es defendeu que as Cruzadas ocorrem pelo di�logo, que o convencimento e a convers�o fossem resultantes da argumenta��o, nunca das armas.

Contudo, como em casos de guerra � o santo de casa que faz milagre, � o santo de casa que luta do lado nacional, nos s�culos seguintes � sua morte, Ant�nio passou a ser requisitado por soldados portugueses. As primeiras refer�ncias do santo sendo considerado militar no ex�rcito portugu�s datam de 1623. Durante o reinado de Afonso 6º (1643-1683), em batalhas contra o dom�nio de Castela, ficou determinado que Ant�nio fosse "alistado no ex�rcito, como seu patrono" e "assentasse pra�a como soldado".

A ideia era dar �nimo aos soldados de carne e osso. E, ao mesmo tempo, esses sal�rios funcionavam como verba oficial para algum convento — que ficava com o dinheiro. A partir de ent�o, Ant�nio passou a galgar posi��es dentro das for�as portuguesas, com direito a novos postos e sucessivos aumentos de sal�rio.

Em 1777, o ent�o comandante do Regimento de Lagos escreveu � rainha Maria 1ª (1734-1816) uma carta bastante curiosa pedindo melhor patente ao santo. "Durante todo o tempo em que tem sido capit�o, vai para quase cem anos, constantemente cumpriu seu dever com maior prazer � frente de sua companhia, em todas as ocasi�es, em paz e em guerra, e tal que tem sido visto por seus soldados vezes sem-n�mero, como eles todos est�o pontos para testemunhar: e em tudo o mais tem-se comportado sempre como fidalgo e oficial", argumentou ele, dizendo que o capit�o Ant�nio era "muito digno e merecedor do posto de major", ressaltando que n�o havia nos registros nada relativo a "mau comportamento ou irregularidade praticada por ele".

No Brasil, o santo teve cargos em diversas corpora��es desde os tempos coloniais. Em 1595, seu primeiro posto foi como soldado, na Bahia. A explica��o � contada pelo historiador Jos� Carlos de Macedo Soares, no livro Santo Antonio de Lisboa, Militar no Brasil: uma imagem do santo teria protegido portugueses em um epis�dio envolvendo uma frota holandesa que pretendia invadir a costa brasileira. A partir de ent�o, o santo passou a ganhar sal�rio de soldado naquela regi�o.

Hist�rias do tipo foram se somando. H� ind�cios de que s� na Bahia tenham sido quatro sal�rios simult�neos. Quando assumiu a capitania de Pernambuco, em 1685, Jo�o da Cunha Souto Maior tamb�m determinou que Santo Ant�nio se tornasse soldado — o convento de Olinda tornou-se benefici�rio dos vencimentos.

H� relatos de Santo Ant�nio militar na Para�ba, no Rio e no Esp�rito Santo. Em S�o Paulo chegou a coronel, maior patente de sua carreira no pa�s, conforme est� manuscrito na p�gina 154 o livro 17 do Arquivo do Estado. O texto, assinado pelo ent�o governador Lu�s Ant�nio de Sousa Botelho Mour�o (1722-1798) em 5 de janeiro de 1767 justifica que o gesto � "para aumento da devo��o do mesmo santo e � imita��o do que se tem praticado nas mais capitanias deste Brasil".

Com a transfer�ncia da fam�lia real portuguesa para o Brasil, em 1808, essas nomea��es passaram a se tornar mais abrangentes. Em 1810, o ent�o pr�ncipe-regente Jo�o 6º (1767-1826) fez do religioso sargento-mor de todo o ex�rcito luso-brasileiro. Em 1813, o santo foi promovido para tenente-coronel de infantaria — os sal�rios eram repassados aos franciscanos do convento de Santo Ant�nio do Rio de Janeiro.

A proclama��o da Rep�blica, em 1889, com a oficial separa��o entre Igreja e Estado, seria o ponto final na bem-sucedida carreira antoniana no ex�rcito nacional. Mas o processo n�o foi imediato. Conforme jornais da �poca, a legitimidade do holerite de Santo Ant�nio foi discutida ainda na primeira gest�o. Em outubro de 1890, o ent�o ministro da Guerra, Floriano Peixoto (1839-1895), determinou que n�o fosse anulado o decreto de 1814. "Deferindo a reclama��o pelo provincial dos franciscanos, […], vos declaro, enquanto por ato especial n�o for anulado, o decreto de 26 de julho de 1814, que conferiu a patente de tenente-coronel de infantaria � imagem de Santo Ant�nio do Rio de Janeiro, deve continuar a pagar-se o soldo a que tem direito", diz trecho do documento.

Em 1907, o delegado fiscal do Tesouro Nacional, que por um capricho do destino se chamava Ant�nio de P�dua Mamede, finalmente retirou Santo Ant�nio das folhas de pagamento. "N�o � l�cito que a na��o continue a pagar aquele soldo […] concorrendo-se, assim, para conservar a crendice que teve o pr�ncipe regente ao expedir aquelas patentes", justificou.

Mesmo assim, foram cinco anos de idas e vindas at� que essa decis�o fosse aprovada pelo minist�rio da Fazenda. A identidade do ministro, ali�s, tamb�m guardava ir�nica coincid�ncia: coube a Francisco Ant�nio de Sales (1863-1933) registrar, na folha 21 do livro 486 da ent�o Diretoria de Contabilidade da Guerra a extin��o dos holerites antonianos.

S� que suas patentes n�o foram revogadas, mesmo sem sal�rio. Em 1924, o presidente Artur Bernardes (1875-1955) cobrou provid�ncias ao ministro da Guerra. "O coronel Ant�nio de P�dua vai quase em tr�s s�culos de servi�o. Nomeio-o general e ponha-o na reserva", escreveu, em carta. A partir de ent�o, Santo Ant�nio passou para a reserva.

5. Ele foi 'adotado' pelos brasileiros, por causa dos franciscanos portugueses

Muitos apontam Santo Ant�nio como o mais populares entre os altares brasileiros. Em 1995, a institui��o Associa��o do Senhor Jesus realizou pesquisa entre cat�licos praticantes para saber quais s�o os de maior predile��o. Ant�nio apareceu no topo do ranking, com 20% das respostas — 4 mil pessoas foram ouvidas.

Entre pesquisadores, � un�nime a explica��o de que a devo��o ao santo ganhou popularidade no Brasil por conta da coloniza��o portuguesa. E � altamente prov�vel que a primeira imagem de Ant�nio tenha sido trazida j� pela frota de Pedro �lvares Cabral (1467-1520), em 22 de abril de 1500. Na esquadra, estavam oito frades franciscanos, entre eles Henrique Soares de Coimbra (1465-1532), celebrante da primeira missa em solo brasileiro.

Eram franciscanos como Santo Ant�nio. Eram portugueses como Santo Ant�nio. Eram devotos de Santo Ant�nio. Nas d�cadas seguintes, conventos franciscanos come�aram a se espalhar pela col�nia. "De certo modo, todo este hist�rico contribuiu para a difus�o do Santo. Independentemente dos religiosos que nos catequizaram, tem o fato de Santo Ant�nio ser portugu�s e isto era muito motivo de orgulho ao colonizador", diz � BBC News Brasil o pesquisador Jos� Lu�s Lira, presidente da Academia Brasileira de Hagiologia.

E sua fama acabou se difundindo pelo Brasil. "A figura do santo casamenteiro, do santo das coisas perdidas, suas prega��es", prossegue Lira. "Somando-se a tudo isso, vieram as festas juninas que, embora trazidas pelo colonizador, aqui assumiram conota��o pr�pria. Todos esses fatores, mais a presen�a ininterrupta dos franciscanos no Brasil, contribu�ram, em muito, para que Santo Ant�nio se tornasse um dos santos mais amados e populares."

"Os franciscanos sempre foram muito importantes no Brasil. Depois da expuls�o dos jesu�tas, no s�culo 18, se tornaram a ordem religiosa mais influente no pa�s. Era natural que difundissem a devo��o a um dos seus maiores santos, que al�m de tudo era portugu�s", acrescenta � BBC News Brasil o soci�logo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do N�cleo F� e Cultura da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP). "Por outro lado, Ant�nio, mesmo entre os franciscanos, � um santo particularmente pr�ximo a S�o Francisco de Assis. Ambos se voltam para os pobres e desvalidos, falam com animais, s�o modelos de vida na pobreza."

"O povo procura santos que sejam pr�ximos �s pessoas e a humildade e o apego � pobreza s�o considerados sinais inconfund�veis dessa proximidade. Sua fama de casamenteiro ilumina essa devo��o. A jovem aflita pede ao santo aquilo que � a defini��o mais importante de sua vida", diz o soci�logo. "Para os adultos pragm�ticos, trata-se de um pedido e de uma inseguran�a at� pueril. A jovem casamenteira � at� ridicularizada na tradi��o popular. Santo Ant�nio �, portanto, o santo suficientemente poderoso para interceder pelo desejo mais importante da vida, e suficientemente humilde e atencioso para receber aquele pedido que pode parecer pueril e at� envergonhado."

"No Brasil, tornou-se um santo muito popular, muito amado, muito aclamado. Veja a quantidade de pessoas no Brasil que se chamam Ant�nio e a quantidade de cidades que t�m o nome de Santo Ant�nio", atenta Moraes.

Trinta e oito munic�pios brasileiros t�m seus nomes em alus�o ao santo. H� a cidade de Santo Ant�nio, no Rio Grande do Norte, ou varia��es como Santo Ant�nio do I��, no Amazonas, ou Santo Ant�nio do Pinhal, em S�o Paulo. E duas Novo Santo Ant�nio, uma no Mato Grosso, outra no Piau�.

Para o frade franciscano Diogo Lu�s Fuitem, diretor da revista Mensageiro de S. Ant�nio e autor do livro Ant�nio: O Santo do Povo, o santo caiu no "gosto popular" do Brasil porque sua mensagem conseguiu "cativar a todos". "'Santo casamenteiro', 'santo milagreiro', 'restituidor de coisas perdidas'…", elenca ele, � BBC News Brasil. "Esses t�tulos mostram que ele conseguiu se identificar com o povo necessitado de orienta��o e de amparo. [Ant�nio,] em sua breve vida, foi um reflexo da presen�a de Deus."

*O jornalista � autor do livro-reportagem 'Santo Ant�nio: A hist�ria do intelectual portugu�s que se chamava Fernando, quase morreu na �frica, pregou por toda a It�lia, ganhou fama de casamenteiro e se tornou o santo mais querido do Brasil' (Editora Planeta, 2021).


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)