Maria A. Consentino
Ju�za de direito
O fen�meno do stalking consiste no ato de uma pessoa perseguir a v�tima de forma persistente, invadindo sua privacidade, por meio de telefone, mensagens, presen�a f�sica e redes sociais. Quando atrav�s de redes sociais, denomina-se cyberstalking, porque realizado de maneira assustadora via internet. A origem da palavra � inglesa, vem do verbo to stalk, que significa perseguir, e stalker � a denomina��o do perseguidor. A conduta do stalker � sempre amea�adora e muito comum nas redes sociais, especialmente agora, no isolamento social, em raz�o da COVID-19.
A quarentena pode ser um instrumento muito eficaz para proteger a sociedade de um v�rus, por outro lado, agiganta-se o n�mero de pr�ticas violentas pelo mundo, entre as mais graves aquelas praticadas contra a mulher. Mesmo que homens e mulheres possam ser v�timas do stalking, sem d�vida, a maioria das v�timas ainda � do sexo feminino. Nos Estados Unidos, onde a discuss�o desse tema � mais avan�ada, o CDC (Centro de Controle e Preven��o de Doen�as), ag�ncia do Departamento de Sa�de e Servi�os Humanos do pa�s, afirma que uma em cada seis mulheres e um em cada 17 homens j� foram alvos de stalking em algum momento de suas vidas.
Um caso muito emblem�tico no Brasil foi o da apresentadora Ana Hickmann, em que o agressor, n�o satisfeito em monitorar e perseguir sua vida nas redes sociais, invadiu seu quarto de hotel e atirou contra ela, acertando sua assessora. O desfecho da trag�dia se deu com a morte do f� obsessivo pelo cunhado da apresentadora.
Casos como esse n�o s�o exclusividade dos famosos. Mensagens de �dio e ass�dio pela internet circulam com muita frequ�ncia e, principalmente nesses tempos de quarentena, com o aumento exponencial do n�mero de usu�rios das redes sociais. Segundo dados informados pela ONG SaferNet, as den�ncias de discrimina��o on-line contra as mulheres cresceram 21,27% em abril de 2020, em rela��o a igual per�odo do ano anterior.
A ONG Safernet aponta que as mulheres correspondem a 65% dos casos de cyberbulling e 67% dos casos de mensagens de conte�do �ntimo e sexual. A situa��o � t�o preocupante que motivou a aprova��o de um projeto de lei que institui a Lei 13.642/2018, a qual transferiu para a Pol�cia Federal a atribui��o de investigar quaisquer crimes virtuais cometidos especificamente contra mulheres.
No entanto, o cyberstalking ainda n�o est� tipificado como crime no nosso ordenamento jur�dico. A conduta que mais se aproxima da pr�tica � a prevista na Lei de Contraven��o Penal, artigo 65, Perturba��o da Tranquilidade, cuja pena � �nfima, de 15 dias a dois meses! J� nos casos mais graves, em que se constata efetivamente uma amea�a "por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simb�lico, de causar" � v�tima "mal injusto e grave", o autor poder� responder ao delito previsto pelo artigo 147 do C�digo Penal, cuja compet�ncia para julgamento � do Juizado Especial Criminal, com todos os benef�cios ao infrator previstos neste instituto.
A falta de uma repress�o penal rigorosa por parte do Estado, infelizmente, d� margem ao sentimento de impunidade e a que as mulheres se sintam desprotegidas, principalmente devido � "cultura do estupro", termo usado pelo ONU para fazer refer�ncia �s maneiras utilizadas pela sociedade para culpar as v�timas de ass�dio sexual e normalizar o comportamento sexual violento dos homens. Os padr�es do patriarcado incutidos no inconsciente coletivo sempre indicam que a mulher se coloca como "dispon�vel" quando adota determinados comportamentos na internet, normalizando o fen�meno do cyberstalking, o que causa graves danos a milhares de mulheres pelo mundo. Mulheres se sentem violadas em sua dignidade, com a paz e liberdade destru�das e com consequ�ncias traum�ticas irrevers�veis para sua imagem e honra.
Felizmente, tramitam dois projetos de lei no Congresso Nacional, PL 1.414/2019 e PL 1.369/2019, nos quais h� previs�o da conduta de stalking com penas muito mais severas, que passar�o para dois a tr�s anos, sem possibilidade de convers�o em multa, consequentemente, sem os benef�cios previstos no Juizado Especial Criminal.