
Uma lenda – ou uma hist�ria? – bem curiosa ultrapassa os s�culos e desperta a aten��o no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas. O le�o pintado no coro da Matriz Nossa Senhora de Nazar� pelo portugu�s Ant�nio Rodrigues Bello teria as fei��es desse artista, que chegou � regi�o, provavelmente, vindo da cidade do Porto, e foi o primeiro aqui na pintura em perspectiva.
“Dizem que alguns pintores ‘se colocam’ nas figuras que criam, ent�o podemos ter, no le�o, o rosto de Bello, de quem n�o h� qualquer registro f�sico”, conta o professor de hist�ria da arte Alex Fernandes Bohrer, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto.
A partir da sua tese de doutorado, “O estilo nacional portugu�s em Minas”, defendida em 2015 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bohrer partiu para estudos sobre Bello e mais tr�s artistas – Manuel de Mattos e Mestre Cachoeira, escultores, e Manuel Francisco Lisboa, arquiteto. Pioneiros gabaritados nos seus of�cios, podem ser considerados tamb�m testemunhas do nascimento de Minas.“ Em 1720, ano da cria��o da Capitania de Minas e da Sedi��o de Vila Rica, com a morte de Filipe dos Santos, preso no adro da Matriz Nossa Senhora de Nazar�, eles estavam certamente trabalhando no templo, datado do in�cio do s�culo 18.”

Com pesquisas em documenta��o existente na Matriz Nossa Senhora de Nazar� e na Arquidiocese de Mariana, principalmente recibos assinados pelos artistas, Bohrer destaca como fundamental no trabalho a transcri��o dos manuscritos pela professora de cultura e arte barroca Maria do Carmo Pires, da Universidade Federal de Ouro Preto(Ufop). Com todo o material transcrito, foi poss�vel cruzar os dados e estudar a vida e a obra de cada um.
As investiga��es mostram que o escultor portugu�s Manuel de Mattos nasceu provavelmente no Norte de Portugal, embora n�o haja informa��es mais detalhadas sobre sua trajet�ria ap�s trabalhar em Cachoeira do Campo, no ret�bulo da igreja matriz, e no distrito de Fidalgo, em Pedro Leopoldo, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, que tem como atra��o a casa do bandeirante Fern�o Dias (1608-1681), o famoso“Ca�ador de esmeraldas”. Em Fidalgo, Mattos empregou sua arte no altar da Capela Nossa Senhora do Ros�rio.
Quarteto fant�stico
Conhe�a caracter�sticas dos primeiros grandes artistas de origem portuguesa do estado, que testemunharam o nascimento de Minas:
Manuel de Mattos, escultor
Nasceu provavelmente no Norte de Portugal. Em Minas, trabalhou em Cachoeira do Campo, nos ret�bulos da nave da Matriz Nossa Senhora de Nazar�, e na Capela Nossa Senhora do Ros�rio, no distrito de Fidalgo, em Pedro Leopoldo, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte.
Ant�nio Rodrigues Bello, pintor
Chegou muito novo a Minas, vindo do Porto, e teve destaque, pois ocupou cargo importante na Irmandade do Sant�ssimo Sacramento. Foi o pioneiro, aqui, na pintura em perspectiva, que usa colunas e outros recursos para dar a impress�o de arquitetura. Trabalhou em Cachoeira do Campo, S�o Bartolomeu e Glaura, al�m de ter feito obras no Centro Hist�rico de Ouro Preto, conforme defende o mestrando e arquiteto Tiago da Cunha Rosa.
Mestre Cachoeira, escultor
N�o se sabe ainda se era um artista ou um grupo que atuava numa oficina. S�o da autoria dessa escola as talhas do altar-mor e dos dois altares do arco-cruzeiro da Matriz Nossa Senhora de Nazar�, assim como o altar da Capela Nossa Senhora do �, em Sabar�.
Manuel Francisco Lisboa, arquiteto
Mais conhecido dos quatro, o portugu�s Manuel foi respons�vel pelo tra�ado de muitas igrejas mineiras. Em Cachoeira do Campo, trabalhou na estrutura e cobertura do Pal�cio dos Governadores, do qual restam paredes integradas ao Col�gio Nossa Senhora Auxiliadora. Morreu em 1767.
Refinamento
Bohrer explica que os quatro foram os primeiros grandes artistas a chegar a Minas: “Outros vieram antes, mas eram mais simples, sem tal refinamento e especializa��o profissional”. Manuel Francisco Lisboa, por exemplo, era arquiteto, na �poca chamado de “riscador”, e � o pai de Ant�nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738- 1814). Mattos, Bello, Mestre Cachoeira e Manuel trabalharam juntos na igreja matriz de Cachoeira do Campo, uma das maiores obras conduzidas na regi�o das minas, contratados pelas irmandades locais, entre elas a do Sant�ssimo Sacramento.
Sobre o pintor Ant�nio Rodrigues Bello, o pesquisador encontrou mais informa��es. Natural do Porto, ele chegou muito novo a Minas e teve destaque, pois ocupou cargo importante na Irmandade do Sant�ssimo Sacramento. “Foi o pioneiro, aqui, na pintura em perspectiva, que usa colunas e outros recursos para dar a impress�o de arquitetura. Foi ‘o pai art�stico’ do Mestre Ata�de, que fez o forro da Igreja S�o Francisco, em Ouro Preto, nos moldes da pintura em perspectiva”, ressalta o professor,em refer�ncia ao pintor Manuel da Costa Ata�de (1762-1830), nascido em Mariana. Eleita uma das sete maravilhas do mundo colonial portugu�s, a Igreja S�o Francisco, no Centro Hist�rico, atrai visitantes do mundo inteiro e encanta os olhos pelo esplendor da arte barroca.
Bello esteve tamb�m no distrito de Glaura, onde se encontra em restauro a Igreja Santo Ant�nio. “Com certeza, a policromia, de autoria dele, vai aparecer, sob camadas de tinta branca, durante a restaura��o”, acredita o especialista, observando que o aluno Tiago da Cunha Rosa, do IFMG e da UFMG, est� fazendo a disserta��o de mestrado sobre o artista. Mas vale lembrar que nem tudo s�o flores nessa trajet�ria. Em 1738, Bello foi preso no distrito de S�o Bartolomeu ao participar de uma “arrua�a”.
Mist�rio
No trabalho em andamento, ainda intriga os pesquisadores aquele que denominam Mestre Cachoeira – pelos estudos feitos, trata-se na verdade de um conjunto de artistas que atuavam numa oficina. “Chamamos de Mestre Cachoeira por n�o ter informa��es precisas sobre a identidade do artista respons�vel pelas talhas do altar-mor e dos dois altares do arco-cruzeiro da Matriz Nossa Senhora de Nazar�”, explica o professor.
Em Sabar�, na Grande BH, foi obra dessa escola o altar da Capela Nossa Senhora do �, conhecida como Capelinha do �, e famosa pelas chinesices. Derivada da palavra francesa chinoiserie, chinesice � o conjunto de pinturas que recriaram, no s�culo 18, em igrejas e capelas de Minas, os pagodes ou pagodas (tipo de torre com fins religiosos comum na China e em outros pa�ses da �sia), animais e paisagens.
O “quarteto fant�stico” das origens da arte mineira se completa como mais conhecido, Manuel Francisco Lisboa, arquiteto e pai de Aleijadinho, ambos sepultados no interior da Matriz Nossa Senhora da Concei��o de Ant�nio Dias, no Centro Hist�rico de Ouro Preto. Aleijadinho era filho da escrava alforriada Isabel.
Falecido em 1767, o portugu�s Manuel foi respons�vel pelo tra�ado de muitas igrejas de Ouro Preto. Em Cachoeira do Campo, um dos mais antigos povoamentos do munic�pio, trabalhou na estrutura e cobertura do Pal�cio dos Governadores (de veraneio, conhecido como Pal�cio de Cachoeira ou Pal�cio de Campo), do qual restam paredes integradas ao Col�gio Nossa Senhora Auxiliadora.
Frutos
Neste ano de celebra��o do tricenten�rio da Capitania de Minas, e a partir do pr�ximo, Bohrer considera fundamental ir mais fundo nas pesquisas. “Ainda h� muito para ser descoberto. Nossos estudos geram frutos, a exemplo da disserta��o do aluno Tiago Rosa sobre um nome praticamente desconhecido. Os estudos e o conhecimento abrem caminhos para sabermos cada vez mais e valorizar nossa hist�ria.”