Tradicional e revolucion�rio, conservador e rebelde, hospitaleiro e desconfiado. Esses s�o todos adjetivos usados para responder � pergunta “Quem � o mineiro?”. Dependendo da �poca e do contexto, essa identidade regional muda, mas sem perder a carga de ingredientes que foram incorporadas pelas pessoas ao longo dos 300 anos de Minas Gerais.
Ser mineiro significa tamb�m ter destaque na gastronomia, na arte, na ci�ncia, no empreendedorismo e em v�rias outras �reas da vida do pa�s, com uma diversidade digna de comemora��o no anivers�rio de tr�s s�culos.
Definir a mineiridade, ou uma identidade regional do mineiro, como um conjunto de caracter�sticas fixas que fazem o povo ser o que ele �, seria um erro, segundo Walderez Ramalho, doutorando em hist�ria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ele entende que essa identidade � o que se fala do mineiro, o que muda constantemente.
“Os discursos s�o t�o antigos quanto a capitania de Minas Gerais. E eles n�o passam disso, discursos”, explica. Em sua pesquisa, Ramalho chegou � conclus�o que esses discursos est�o historicamente ligados a interesses pol�ticos.
Um exemplo � um documento enviado por Dom Pedro de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar, ao Rei de Portugal, em 1720. “O Conde tenta justificar as medidas severas tomadas depois da Revolta de Felipe dos Santos. Ele atribui uma s�rie de caracter�sticas aos mineiros: um povo muito rebelde e muito insubmisso", conta Ramalho. Segundo ele, essa vis�o tem base no lema da bandeira do estado, “Liberdade ainda que tardia”, por exemplo.
Por outro lado, o historiador aponta que pol�ticos conservadores criaram uma identidade pac�fica do mineiro. “A ideia que o mineiro � disposto � ordem, � hospitaleiro e pac�fico”, descreve. “Quando a gente se depara com os usos da mineiridade, temos que nos perguntar quem � que est� falando. A meu ver essa aten��o para interpretar esses discursos � relevante para evitar que as tradi��es n�o sejam apropriadas e manipuladas para fins pol�ticos”, argumenta o historiador.

“A nossa maior sofistica��o est� na simplicidade das coisas”, afirma o chef Fl�vio Trombino, dono do Restaurante Xapuri, em Belo Horizonte. Ele acredita que a hospitalidade do mineiro e a tradi��o de saber fazer e receber se reflete na cultura de Minas Gerais e na sua gastronomia. “Os 300 anos s�o um momento importante para lembrar da import�ncia de preservar o nosso patrim�nio gastron�mico, o queijo canastra, o pastel de angu. Eu me considero um guardi�o desse patrim�nio”, diz o chef.
Al�m da arte de cozinhar, Trombino se dedica a pesquisar e documentar a hist�ria da gastronomia mineira e a cultura alimentar do estado. H� oito anos, desde que assumiu o restaurante, ele tem viajado e estudado essas manifesta��es. Pretende lan�ar um livro e um document�rio. “Eu me deparei com a necessidade de me aprofundar no tema”, justifica. Ao lado desse projeto pessoal, Trombino tem orgulho de participar de iniciativas de divulga��o dos produtos da Serra da Canastra, das jabuticabas de Sabar�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, e das cacha�as mineiras, entre outros itens t�picos.
Esse trabalho d� continuidade ao da m�e, – Nelsa Trombino, que fundou o Xapuri –, de divulgar a culin�ria mineira no Brasil e no mundo, segundo o chef. “A gastronomia na minha vida vem de ber�o. Tanto de parte de pai, fam�lia de fazendeiros, como de parte de m�e, italianos”, conta Trombino. “Nessas culturas, comer � muito mais que suprir as necessidades do corpo, � o momento de conversa, reuni�o, � um momento sagrado”, afirma, inspirado, ainda, na cozinheira que � considerada a embaixadora da cozinha mineira, Dona Lucinha, falecida em 2019.
Mistura
Na cultura, um dos artistas mais reconhecidos como embaixador de Minas � o ator, compositor, cantor, multi-instrumentista, diretor musical e capit�o de congado Maur�cio Tizumba. “Minas s�o v�rias e as maneiras tamb�m. � barroco e sertanejo ao mesmo tempo, conservador e moderno, na Sagarana de Guimar�es Rosa ou na pedra no caminho de Carlos Drummond de Andrade”, diz, ao ser questionado sobre o que caracteriza o mineiro.

Tizumba j� atuou em 28 espet�culos, participou da cria��o da Companhia Burlantins, faz trabalhos no cinema e na TV. Como m�sico, excursionou pela Am�rica do Norte e Europa, e tem S� Rainha e Maurice a Paris como composi��es mais conhecidas. Ele diz que n�o escolheu a arte, j� que nasceu nos terreiros de candombl�, umbanda e congado.
“Acredito que minha contribui��o � a de continuar o legado que minha m�e e minha av�, benzedeira de m�o cheia, deixaram”, conta. “Trilhar pelo caminho da arte negra � muito mais �rduo, por�m cada trabalho de sucesso, � prazer dobrado e uma alegria sem fim”, observa. Ao falar sobre a cultura de Minas, Tizumba v� “uma grande mistura na m�sica, na culin�ria, na dan�a, teatro, cinema, poesia e tudo mais que vem do povo, o poder de fazer uma cultura diferenciada.”
Sem holofotes

Ao fazer ci�ncia, o mineiro trabalha discretamente, sem procurar holofotes, mas contribui muito para o desenvolvimento cient�fico do pa�s. Essa � a vis�o do professor Fl�vio Guimar�es da Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB) da UFMG. O pesquisador, que assumiu recentemente a presid�ncia da Sociedade Brasileira de Virologia (SBI), afirma que a ci�ncia produzida em Minas Gerais � forte e de ponta, mesmo sem contar com os recursos necess�rios para isso.
“Desde crian�a gostava de livro de bicho”, relembra Fonseca ao falar da aptid�o para a biologia. O primeiro est�gio foi realizado na �rea de ornitologia, o estudo das aves, mas logo apareceu outra oportunidade na �rea da microbiologia. “Desenvolvi uma paix�o muito grande”, conta. O sentimento o levou a se dedicar � �rea pelo resto da carreira. Depois de formado, Fonseca fez p�s-gradua��o com �nfase em virologia, p�s-doutorado em parte no Instituto Nacional de Sa�de dos EUA, trabalhou na Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), at� come�ar a lecionar na UFMG.
O pesquisador estudou o v�rus que causava a var�ola, a �nica doen�a erradicada pela humanidade, e trabalhou no desenvolvimento de uma vacina contra a dengue. Por causa da expertise nessa �rea, integra o CT-Vacinas, centro de pesquisa de imunizantes da UFMG e o comit� de enfrentamento ao coronav�rus da universidade.
Empreender
Nos neg�cios, o empres�rio mineiro tem costume de lidar apenas com quem j� conhece. A opini�o � do respons�vel por um dos com�rcios mais antigos de Belo Horizonte, a Casa Falci, fundada em 1908, de materiais de constru��o. “O mineiro � muito fechado, conservador. A gente prefere fazer neg�cio com pessoas indicadas. N�o � sem saber de quem ele � filho, de onde ele veio. O mineiro leva muito a s�rio essa parte relacional”, afirma o empres�rio Bruno Falci.

O bisav� de Bruno, o italiano Aleixo Falci, fundou a Casa Falci no Rio de Janeiro, e depois transferiu a empresa para a ent�o rec�m-inaugurada capital de Minas Gerais. Bruno � o segundo mais novo dos 10 filhos do neto de Aleixo, Renato. “Na cultura italiana quem manda � o homem primog�nito. Sempre tive essa veia de empreendedor, mas tinha quase certeza que n�o seria na Casa Falci, porque meus irm�os tocavam a empresa”, conta.
Por�m, em 1990, ele e um irm�o compraram o controle acion�rio da empresa do pai e dos outros irm�os, e em 1993 Bruno comprou a loja integralmente. “� um amor que voc� acaba tomando por ela, uma tradi��o. � o nome da empresa e o nome da fam�lia ao mesmo tempo”, afirma.
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