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Estado de Minas Minas 300 anos

Artigo por Adriana Romeiro: Uma inf�ncia turbulenta

Adriana � professora de hist�ria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora de livros sobre a hist�ria de Minas e do Brasil


Minas 300 Anos
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Minas 300 Anos
postado em 02/12/2020 10:07 / atualizado em 02/12/2020 12:19

Escritora conta que primeiras notícias sobre ouro na região causaram preocupação entre portugueses (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS - 11/8/17)
Escritora conta que primeiras not�cias sobre ouro na regi�o causaram preocupa��o entre portugueses (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS - 11/8/17)

 
“Quando as primeiras not�cias sobre a descoberta do ouro nos sert�es dos Cataguases chegaram a Lisboa, a rea��o das autoridades portuguesas foi de medo e apreens�o. Al�m de desconfiar da qualidade e quantidade do metal ali encontrado – “ralo ouro de aluvi�o” –, tinham o receio de que aquela regi�o distante, encravada no interior do continente americano, jamais pudesse ser incorporada aos dom�nios de Portugal. Afinal, o afluxo de uma multid�o formada por “gente vaga e tumultu�ria”– como se dizia � �poca – poderia dar origem a uma rep�blica independente, governada pelos paulistas, os respons�veis pelos primeiros achados.

N�o gozavam os ‘homens de S�o Paulo’ de uma p�ssima fama, tidos por implac�veis ca�adores de �ndios, capazes de cometer todo tipo de crime, ignorando mesmo a autoridade do pr�prio rei? Tantos eram os temores que a descoberta do ouro suscitou que um ministro chegou mesmo a sugerir que se ignorasse a sua exist�ncia, recomendando que, como ‘uma lebre em seu covil’, o metal precioso permanecesse escondido e intocado. 

O fato � que a not�cia dos primeiros achados de ouro logo se espalhou, e, em pouco tempo, os sert�es dos Cataguases contavam com uma popula��o, estimada por Garcia Rodrigues Pais, no ano de 1705, em torno de 40 mil almas. Por tr�s desse n�mero, havia uma realidade perturbadora: no curto intervalo de oito anos, um imenso contingente demogr�fico havia se deslocado para um territ�rio in�spito, desprovido das m�nimas condi��es de sobreviv�ncia.

Mata densa e fechada, serras altas e inating�veis, corredeiras volumosas e amea�adoras. N�o � dif�cil entender as grandes ondas de fome que assolaram os moradores rec�m-chegados, obrigando-os a ca�ar toda esp�cie de animal, a tal ponto que n�o demorou muito para que a fauna fosse completamente dizimada. Uma testemunha contou que n�o se ouvia mais o som das aves, pois todas haviam sido devoradas por homens e mulheres famintos.

Se os relatos sobre as grandes fomes entre os �ltimos anos do s�culo 17 e os primeiros do 18 impressionam pelo sofrimento que evocam, muito mais dram�ticas s�o, por�m, as descri��es da viol�ncia que se instalou na vida cotidiana. Ali se matava mais gente do que boi nos a�ougues – contou outra testemunha, horrorizada com o alto �ndice de homic�dios entre os moradores. Minas foi, durante os seus primeiros anos, uma terra de ningu�m, entregue � pr�pria sorte, onde vigorava a lei do mais forte.

A multid�o heterog�nea de forasteiros que a cada dia inundava as minas s� contava, a princ�pio, com a autoridade do guarda-mor e, depois, do superintendente, ambos respons�veis pela administra��o das atividades de minera��o e arrecada��o dos quintos. Na aus�ncia de um aparato institucional, o controle pol�tico estava na m�os dos poderosos – os chamados ‘potentados’, isto �, homens enriquecidos que gozavam de grande influ�ncia sobre seus redutos.

Eram eles que mandavam e desmandavam em toda a regi�o: organizados em bandos e fac��es, lutavam ferozmente entre si para ampliar o pr�prio poder e conquistar novos seguidores. Um mundo sanguin�rio e turbulento, alicer�ado em torno de valores como fama e valentia, com exibi��es p�blicas de for�a f�sica e vingan�as espetaculares.

O primeiro golpe sofrido pelos potentados veio em 1709, quando o governador Ant�nio de Albuquerque p�e fim � Guerra dos Emboabas. �quela altura, a Coroa portuguesa j� havia se convencido da necessidade de dar in�cio � tarefa de coloniza��o dos sert�es dos Cataguases. Albuquerque lan�a ent�o os primeiros alicerces do governo: funda as tr�s primeiras vilas – Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de Sabar� –, com as suas respectivas C�maras, e instala uma estrutura administrativa, judici�ria e fiscal, num esfor�o para domar um mundo que se encontrava � margem do poder metropolitano.

Apesar disso, os potentados continuaram a dominar a cena mineira ao longo de toda a d�cada seguinte. Por todos os lados, colonos descontentes invocaram seus direitos e privil�gios, lan�ando m�o da viol�ncia como estrat�gia de resist�ncia contra o avan�o da Coroa portuguesa. E por todos os lados eclodiram rebeli�es e motins: Vila Rica, Pitangui, Catas Altas, Barra do Rio das Velhas...

O ano de 1720 � um marco decisivo na implanta��o do poder em Minas Gerais. Com a repress�o da Revolta de Vila Rica, encerra-se, finalmente, a era dos potentados e inaugura-se um novo ordenamento pol�tico na regi�o. A separa��o da capitania de S�o Paulo e Minas do Ouro e a cria��o da Capitania de Minas Gerais – com Vila Rica como sede do governo – v�m culminar o processo de imposi��o do poder metropolitano iniciado em 1709. Ao longo de todo o s�culo 18, por�m, as revoltas fariam parte do cotidiano mineiro, desafiando a autoridade de ministros e governadores. Minas Gerais, nascida, como dizia Diogo de Vasconcelos, sob o signo de Marte, o deus da guerra, estava fadada a ser n�o s� a joia mais rica, mas tamb�m a mais explosiva de todo o Imp�rio Portugu�s.”




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