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AS RA�ZES PROFUNDAS DO AUTORITARISMO

Novo livro da historiadora e antrop�loga Lilia Schwarcz p�e abaixo a narrativa do Brasil como para�so tropical e aponta oito eixos que impedem democracia plena: escravid�o, mandonismo, patrimonialismo, corrup��o, desigualdade social, viol�ncia, racismo e intoler�ncia


postado em 31/05/2019 04:10 / atualizado em 31/05/2019 16:24

 

“A despeito de vivenciarmos, desde 1988, e com a promulga��o da Constitui��o Cidad�, o mais extenso per�odo de vig�ncia de um Estado de direito e de uma democracia no Brasil republicano, n�o logramos diminuir nossa desigualdade, combater o racismo institucional e estrutural contra negros e ind�genas, erradicar as pr�ticas de viol�ncia de g�nero. Nosso presente anda, mesmo, cheio de passado, e a hist�ria n�o serve como pr�mio de consola��o. No entanto, � importante enfrentar o tempo presente, at� porque n�o � de hoje que voltamos ao passado acompanhados das perguntas que forjamos na nossa atualidade. Portanto, a quem n�o entende por que vivemos, nos dias de hoje, um per�odo t�o intolerante e violento; a quem recebe com surpresa tantas manifesta��es autorit�rias ou a divulga��o, sem peias, de discursos que desfazem abertamente de um cat�logo de direitos civis que parecia consolidado; a quem assiste da arquibancada ao crescimento de uma pol�tica de �dios e que transforma advers�rios em inimigos, convido para uma viagem rumo � nossa pr�pria hist�ria, nosso passado e nosso presente.”

Esta � Lilia Moritz Schwarcz, historiadora, antrop�loga, professora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de S�o Paulo (USP), professora visitante na Universidade de Princeton (EUA) e curadora do Museu de Arte de S�o Paulo (Masp). Em sua mais recente obra, Sobre o autoritarismo brasileiro, lan�ada pela Companhia das Letras, cai por terra a narrativa do para�so tropical, aben�oado por Deus, de democracia plena, livre de �dios raciais, religiosos e de g�nero, al�m de pautado em generosas rela��es de igualdade e informalidade. Desde o Brasil colonial pratica-se no pa�s uma cidadania incompleta e falha, marcada, ao contr�rio do “mito”, por pol�ticas de mandonismo, patrimonialismo, corrup��o, v�rias formas de racismo, sexismo, discrimina��o e viol�ncia, assinala a autora. Segundo Schwarcz, esse quadro se agrava com a intoler�ncia de nossos dias, al�m de sa�das e propostas autorit�rias que atropelam direitos civis e civilizat�rios, que at� ent�o pareciam consolidados.

De forma did�tica e apresentando muitos dados estat�sticos e informa��es adicionais que demonstram os seus argumentos, Schwarcz disseca, na obra, as ra�zes hist�ricas do autoritarismo brasileiro, resgatadas � cena e destrinchadas em oito eixos, alguns dos quais em intera��o m�tua e em desdobramento um do outro: a escravid�o, a desigualdade social, os marcadores sociais de ra�a e g�nero – que apontam para o racismo e o feminic�dio –, a viol�ncia, a intoler�ncia, o mandonismo, o patrimonialismo e a corrup��o.
Para a autora, tais elementos, entranhados na cultura pol�tica e social, explicam a ades�o e r�pida assimila��o de determinados segmentos da popula��o brasileira �s novas narrativas autorit�rias e populistas, que grassam mundo afora, mas que, no Brasil, com caracter�sticas e especificidades pr�prias, lan�aram �ncora sobretudo a partir das elei��es presidenciais de 2018. H� muito em comum entre o discurso autorit�rio que aflora no Brasil e o de outras “democraduras”, termo cunhado pelo cientista pol�tico e historiador Jos� Murilo de Carvalho – como na Turquia de Recep Tayyip Erdogan; na Pol�nia, de Andrzej Duda; na Hungria; de Viktor Orb�n; na It�lia; de Matteo Salvini; na Venezuela; de Nicol�s Maduro; nas Filipinas de Filipe Duterte; nos Estados Unidos de Donald Trump e em Israel de Benjamin Netanyahu.

“Vem se tornando cada vez mais f�cil encontrar diversos governos que, sem ser diretamente orquestrados entre si, acabam por dialogar atrav�s de seus modelos an�logos: uma sorte de populismo autorit�rio, que vem testando a resili�ncia institucional das democracias em seus respectivos pa�ses”, registra a autora, apontando uma base comum no ultranacionalismo religioso, cultural, �tnico e a caracter�stica de delegar o poder e a representa��o pol�tica a um l�der supremo, convertido em mito, “aquele que fala no lugar de todos e por todos”.

‘INIMIGOS INTERNOS’


No Brasil, a express�o deste fen�meno autorit�rio est� na sistem�tica narrativa que estimula ataques � ci�ncia, aos intelectuais, aos professores, �s universidades, aos jornalistas, entre outras categorias que desenvolvem pensamento cr�tico e, por isso, s�o elevadas � condi��o de “inimigos internos”. Segundo Lilia Schwarcz, no �mbito dos costumes, prega-se um retorno � sociedade patriarcal – em seus conceitos de hierarquia e ordem. No campo da pol�tica, torna-se frequente o est�mulo ao uso da pol�cia do estado ou, se preciso, de mil�cias para, se preciso, reprimir advers�rios pol�ticos transformados em inimigos. Ao mesmo tempo, o passado se reconstr�i nas novas narrativas e no est�mulo �quilo que ela pontua como “histeria sexual”, que responsabiliza mulheres, gays, travestis e outras minorias pela “degenera��o moral”.

N�o fosse suficiente a pr�pria evolu��o hist�rica do Brasil Col�nia escravocrata �s profundas desigualdades da Nova Rep�blica, a autora denuncia o mito do brasileiro tolerante, pac�fico e da democracia racial, t�o propalado como forma de naturalizar desigualdades, reduzir a capacidade cr�tica, manter as estruturas de mando e obedi�ncia facilitando a manuten��o de uma ordem hier�rquica e de poder. E ela segue mostrando, como, no atual contexto da pol�tica brasileira, elementos desse cruel passado continuam a ser reconstru�dos neste presente de forma n�o pac�fica e violenta. Lilian Schwarcz diz que, no Brasil de hoje, que surfa na mar� conservadora, quest�es de g�nero s�o demonizadas e minorias sociais s�o atacadas. Ao mesmo tempo, h� est�mulo � descren�a em institui��es e em partidos. E � precisamente com intuito de compreender o autoritarismo que irrompe � cena presente, que a autora constr�i pontes ao passado. “Hist�ria n�o � bula de rem�dio nem produz efeitos r�pidos de curta ou longa dura��o. Ajuda, por�m, a tirar o v�u do espanto e a produzir uma discuss�o mais cr�tica sobre nosso passado, nosso presente e sonho de futuro”, argumenta.

1 - ESCRAVID�O
�ltimo pa�s das Am�ricas a abolir o trabalho escravo, entre os s�culos 16 e 19, o Brasil recebeu 4,8 milh�es de escravos desembarcados e vivos, segundo dados levantados por Lilia Schwarcz, o equivalente a cerca de 45% dos 10,7 milh�es sobreviventes que integraram a “di�spora atl�ntica”. Ao todo foram 12,52 milh�es de pessoas sequestradas ou embarcadas compulsoriamente da �frica para as Am�ricas. Segundo a autora, sem qualquer legisla��o que vetasse ou regulasse o sistema, a escravid�o foi amparada pela “legalidade” e representou, no Brasil, muito al�m de um sistema econ�mico: moldou condutas e definiu desigualdades sociais. A autora desmistifica a ideia difundida de que o Brasil teria tido “escravid�o mais branda”, apontando as duras jornadas de 18 horas de trabalho brutal e expectativa de vida m�dia de apenas 25 anos dos homens negros, contra 35 anos nos Estados Unidos. Da chibata em pra�a p�blica � palmat�ria, entre outros castigos humilhantes, houve forte resist�ncia de escravos ao sistema. O fim da escravatura, entretanto, n�o representou igualdade social. “A liberdade � negra, mas a igualdade � branca”, assinala o dito popular recuperado pela autora que, ap�s a emancipa��o dos escravos, circulou pelas ruas do Rio de Janeiro. A aboli��o da escravatura chegara, mas estamos at� hoje, longe da igualdade racial, e a autora demonstra o dito, com um sem n�mero de estat�sticas relacionadas, entre outros, aos homic�dios, expectativa de vida, renda, escolaridade e desemprego de brancos e pretos.

2 - MANDONISMO
Lilia Schwarcz recupera a raiz cultural do mandonismo. O etos patriarcal e masculino foi transplantado dos per�odos colonial e imperial � Rep�blica Velha e Nova. A hierarquia e o poder de mando local dos antigos senhores de engenho passaram � batuta dos senhores de terra e coron�is, que acumularam influ�ncia pol�tica, controlando os processos eleitorais por meio de fraudes e do voto de cabresto. O perfil olig�rquico da na��o persistiu na Primeira Rep�blica, com a manuten��o do reduzido n�mero de eleitores e cidad�os eleg�veis. E ela registra: ainda que no Brasil de hoje a participa��o pol�tica eleitoral tenha conquistado a universalidade e a respeitabilidade global como um dos sistemas mais eficazes e seguros do mundo, a Nova Rep�blica continua falha, com ampla concentra��o de latif�ndios e poderes em m�os de fam�lias. Exemplo disso � a bancada federal eleita em 2018, que, segundo levantamento preliminar, registra entre os 567 parlamentares da C�mara e Senado, 138 integrantes de cl�s pol�ticos, um aumento de 22% em rela��o ao pleito de 2014. A autora chama aten��o para o fato de “mandonismo pol�tico, cultural e social” se expressar em todos os quesitos que discriminam a igualdade social, de renda e de propriedade.

3 - PATRIMONIALISMO
O Brasil foi uma col�nia de explora��o, com territ�rio dividido em grandes propriedades monocultoras, que concentravam no senhor de terra o poder de mando e de viol�ncia, bem como o monop�lio econ�mico e pol�tico. Segundo Lilia Schwarcz, a despeito da intensa urbaniza��o do pa�s, ainda aqui persiste e l�gica dos latif�ndios, cujos senhores viraram os coron�is da Primeira Rep�blica, que, em seus estados, atuam como caciques pol�ticos e eleitorais. Segundo ela, diante desses grandes poderes personalizados e localizados, surgem as pr�ticas patrimonialistas. Para a autora, embora o conceito do patrimonialismo – rela��o viciada que se estabelece entre a sociedade e o estado, quando o bem p�blico � apropriado privadamente – pare�a velho, nunca se mostrou t�o atual. “A pr�tica atravessa diferentes classes, n�o sendo monop�lio de um grupo ou estrato social. Para ela, se o patrimonialismo constitui o primeiro inimigo da Rep�blica, o segundo principal advers�rio � a corrup��o, que degrada a confian�a entre cidad�os e desagrega o espa�o p�blico.


4 - CORRUP��O
A corrup��o sempre esteve presente na hist�ria nacional e se manifestou, segundo Lilia Schwarcz, em todas as �pocas, com significado amplo, sem linha �nica de continuidade, tendo, em maior ou menor escala, integrado o cotidiano do pa�s desde os tempos da col�nia. Na condi��o de col�nia de explora��o, dedicada � exporta��o de bens e produtos agr�colas complementares �s economias europeias, Schwarcz explica a dissemina��o da corrup��o face ao fr�gil dom�nio da metr�pole, estimulando os brasileiros a desenvolver artif�cios e estrat�gias para burlar o pacto colonial com Portugal. A autora recupera, desde fins do s�culo 16 – e ao longo de nossa hist�ria –, s�tiras, serm�es, poemas e centenas de casos e pr�ticas de favorecimento como tr�fico de influ�ncias, nepotismo e abuso de autoridade. Com diferentes formatos, essas condutas continuaram e perseveraram em tempos de Reino Unido, de Imp�rio e na Rep�blica Velha e Nova. Ap�s citar ampla gama de exemplos em mais cinco s�culos de hist�ria, Lilia Schwarcz conclui: “A prop�sito, no tempo que for, passado ou presente, a corrup��o s� pode existir se estiver disseminada na pr�pria sociedade, a qual, de alguma forma, a acoberta ou redime”.


5 - DESIGUALDADE SOCIAL

Embora herdada do passado, a desigualdade social � apontada por Lilia Schwarcz como problema crucial da agenda republicana, porque tamb�m � produzida e reproduzida no presente: o fen�meno est� enraizado na sociedade brasileira e se apresenta tamb�m sob a face da desigualdade de renda, de oportunidades, racial, regional, de g�nero, de gera��o e a desigualdade social, presente nas diferen�as de possibilidades de acessos � sa�de, educa��o, moradia, transporte e lazer. “M�o de obra escrava, divis�o latifundi�ria da terra, corrup��o e patrimonialismo, em grandes doses, explicam os motivos que fizeram do pa�s uma realidade desigual”, afirma a autora. Mas n�o explicam, contudo, a sua persist�ncia. Entre outros fatores, Schwarcz aponta as pol�ticas educacionais insuficientes como gatilho de reprodu��o das desigualdades.

6 - VIOL�NCIA

Segundo Lilia Schwarcz, a hist�ria da viol�ncia, na origem do estado brasileiro – com o brutal sistema escravocrata e o genoc�dio de �ndios – n�o consegue responder pela viol�ncia epid�mica que atravessa a sociedade brasileira. Entretanto, diz a autora, a hist�ria denuncia os padr�es de sua continuidade. No Brasil de hoje, afirma Schwarcz, o n�mero de homic�dios equivale aos dos mortos na queda di�ria de um Boeing 737-800 lotado, o que coloca o pa�s entre os mais violentos do mundo. Se no campo a disputa pela posse de terras � uma das maiores causas de mortes no pa�s, a autora assinala serem v�rias e complexas as circunst�ncias que sustentam o quadro da viol�ncia urbana, vinculando �s desigualdades sociais, a brutalidade policial – express�o da falta de preparo e de condi��es de trabalho –, a a��o do crime organizado, a coopta��o de jovens e a a��o das mil�cias, todos elementos que elevam a demanda do eleitor por seguran�a ao topo da agenda eleitoral. Em sua obra, Schwarcz considera que se trata de um quadro que n�o ser� solucionado com o incentivo ao armamento de cidad�os. Ao mesmo tempo, ela aponta a fragilidade do eleitor que busca receitas imediatas e de forte potencial autorit�rio, que, na pr�tica, nem sequer tangenciam o problema.

7 - RA�A E G�NERO

Valendo-se de um conjunto de estat�sticas, a autora demonstra como os marcadores sociais de ra�a e g�nero t�m capacidade de produzir diversas formas de hierarquia e subordina��o na sociedade brasileira. “O uso perverso de tais categorias tem gerado todo tipo de manifesta��o de racismo, levado ao feminic�dio, produzido muito misoginia e homofobia, bem como justificado uma disseminada cultura do estupro”, assinala Lilia Schwarcz. Ela demonstra que as desigualdades socioecon�micas e a viol�ncia est�o aglutinadas em torno da ra�a, do g�nero, gera��o e da regi�o. Segundo ela, esses dados provam a exist�ncia consentida de pr�ticas sociais de exclus�o que s�o particularmente perniciosas quando naturalizam a viol�ncia cotidiana.

8 - INTOLER�NCIA
A longa conviv�ncia com a escravid�o, extensos dom�nios rurais em que prevaleceram mandonismos, preserva no Brasil de hoje, segundo Lilia Schwarcz, uma pr�tica cotidiana que reitera dist�ncias sociais, de g�nero, de religi�o, de ra�a. Se no passado, havia o que Schwarcz denomina uma esp�cie de ritual nacional com ret�rica destinada a negar tais hierarquias e dist�ncias sociais; na sociedade de hoje, ela aponta, a l�gica inversa se afirma. “Em lugar do ritual da toler�ncia, passamos a praticar o oposto; o confronto e a express�o aberta da polaridade que, como vimos mostrando, sempre existiu na nossa hist�ria, mas andava silenciada. Talvez por isso, hoje em dia, muitos brasileiros n�o se preocupem mais em se definir como pac�ficos; preferem desfilar sua intoler�ncia”, afirma ela. Para a autora, essa mudan�a de comportamento tende a se tornar mais vis�vel em tempos de crise econ�mica, social e cultural, viol�ncia e polariza��o pol�tica, tendo se alastrado em redes sociais e sido potencializadas em narrativas eleitorais autorit�rias que exploram a avers�o ao estado de coisas, aos pol�ticos, �s institui��es, ao diferente.

ENTREVISTA

LILIA MORITZ SCHWARCZ
Historiadora, antrop�loga e professora
“� um mito a democracia racial”


Qual foi a sua motiva��o para, neste momento da vida pol�tica brasileira, escrever esta obra, que procura tra�ar as origens do autoritarismo brasileiro?

A ideia do livro foi a pedido da editora, algo ao estilo de How democracies die (Como as democracias morrem), de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, e On tyranny (Sobre a tirania), de Timothy Snyder. Usando a hist�ria, os instrumentos com os quais me formei e aprendi a usar, procurei retornar ao passado, n�o para dizer que a hist�ria explica todo o presente, mas porque o presente est� cheio do passado. � um pouco esse jogo.

Qual � a import�ncia desse tema no atual contexto da pol�tica brasileira, em que circulam tantas narrativas que buscam um revisionismo de fatos hist�ricos comprovados e tentam desconstruir a hist�ria?
Governos autorit�rios tendem a narrativas para naturalizar a desigualdade e estruturas de mando e obedi�ncia, evadir-se do passado, criar mitos, como forma de reduzir a capacidade cr�tica, promover o estado e facilitar a manuten��o do poder. Acredit�vamos enganosamente que havia fatos que estavam estabelecidos. Por exemplo, a quest�o da escravid�o: pens�vamos que esse revisionismo n�o teria nenhum lastro, pois podemos comprovar que 12 milh�es de africanos e africanas sa�ram compulsoriamente de seu continente, destes 10 milh�es desembarcaram nas Am�ricas, entre os quais 4,8 milh�es permaneceram no Brasil. Outro exemplo � como trato da ditadura militar, que tirou direitos b�sicos dos brasileiros – matou, assassinou, torturou, censurou. A minha narrativa se sustenta em dados para comprovar e demonstrar que � um mito, por exemplo, a assim chamada democracia racial.

Como atuou a academia brasileira face ao avan�o do emprego das redes sociais para instrumentaliza��o de comunica��o estrat�gica que preparou o terreno ideol�gico para a difus�o desse revisionismo e das narrativas autorit�rias, que tamb�m aportaram em outros pa�ses?
Se combinarmos e falarmos em termos de setores progressistas, que querem Brasil mais inclusivo, mais justo, educa��o farta e de qualidade, esses setores talvez tenham, numa esp�cie de ingenuidade ou cegueira, achado que a democracia tinha se instalado e que esse era o nome do mundo. A minha gera��o chega a este contexto de 2019 muito frustrada, porque talvez n�o tenhamos notado que, nas jornadas de 2013, havia duas avenidas contrapostas e sem bifurca��o. N�o notamos o recrudescimento da polaridade pol�tica. Essas t�cnicas de comunica��o e de circula��o de narrativas nas redes sociais estavam sendo amplamente empregadas nos EUA. E pod�amos ter visto que esse populismo j� estava se realizando nas redes sociais em outros governos. Como diz Snyder em seu livro On tyranny, n�o somos mais s�bios do que as pessoas que viveram na �poca do nazismo. S� temos a experi�ncia do passado. T�nhamos a experi�ncia do passado e n�o vimos. Temos de agir no sentido de, com nossos instrumentos, sem banalizar, explicar, mostrar os dados. � uma janela de oportunidade, para abrirmos e chegarmos a esses espa�os polarizados. � um di�logo muito dif�cil, di�logo muitas vezes surdo, mas precisamos faz�-lo.

Em sua avalia��o, como se manifestam nas rotinas de vida dos cidad�os a heran�a lusitana do patrimonialismo e da corrup��o?

Num estado t�o permissivo, se voltarmos para o per�odo colonial, como a administra��o lusitana, e tamb�m constru�do durante a Rep�blica, e no nosso momento atual, criamos uma m�quina de governar a corrup��o. E nessa conta de somar n�o separamos os indiv�duos da sociedade: a corrup��o � capilar porque envolve o estado, mas � importante tamb�m cuidar dos corruptores. E vale a pena refletirmos sobre as nossas pr�ticas corruptas do dia a dia.

Que futuro prev� para a democracia no Brasil?

Temos um desafio. Se democracia � de fato projeto inconcluso e que direitos ganhos n�o s�o conquistados, temos desafio � sociedade brasileira progressista que h� de se opor a essa perspectiva e modelo autorit�rio. Estou vendo a sociedade civil brasileira se organizando, como considero o grande sintoma as manifesta��es pela educa��o. Vimos que a primeira foi marcada sem agenda do estado. Foi da sociedade civil. Vamos usar as armas da democracia, o bom debate, a educa��o no melhor sentido que o termo pode ter, n�o aceitar provoca��o barata. A palavra crise quer dizer decis�o. Estamos em momento de decis�o. A atitude de ceticismo absoluto, vou desistir, n�o � democr�tica.

 

 

Sobre o autoritarismo brasileiro
De Lilia Moritz Schwarcz
Companhia das Letras
380 p�ginas
R$ 49,90
R$ 34,90 (e-book)
 


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