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Estado de Minas

Romance de Betty Milan conta o drama de um patriarca obrigado a sair do seu pa�s

Baal - Um romance da imigra��o, lan�ado pela Record, nomeia o pa�s em que a hist�ria se passa


postado em 18/10/2019 06:00 / atualizado em 18/10/2019 08:03

Ruínas exuberantes do sítio arqueológico de Baalbek, no Líbano, que, muito antes do domínio romano, quando fenícios se impunham na região, foi importante centro de peregrinação ao deus Baal (foto: BERTHA MAAKAROUN/EM/D.A. PRESS )
Ru�nas exuberantes do s�tio arqueol�gico de Baalbek, no L�bano, que, muito antes do dom�nio romano, quando fen�cios se impunham na regi�o, foi importante centro de peregrina��o ao deus Baal (foto: BERTHA MAAKAROUN/EM/D.A. PRESS )
Amrika. “O imperador dos tr�picos havia convidado a todos, independentemente do credo e cor.” Esperan�a. Uma oportunidade, uma t�bua lan�ada ao n�ufrago, que requeria a longa insalubre e arriscada travessia pelo Mediterr�neo e pelo Atl�ntico. Era lan�ar-se ao desconhecido ou permanecer na aldeia, onde o declinante Imp�rio Turco-Otomano impunha mais terror �s fam�lias, quando n�o promovia o recrutamento for�ado de homens �s fileiras de um ex�rcito pressionado por intensas e peri�dicas guerras, n�o apenas externas, entre as quais contra o Imp�rio Russo, mas tamb�m, por constantes revoltas internas. Desesperadas, m�es empurravam os filhos homens para a emigra��o. “Vai embora, a m�e me disse com os olhos incendiados pela determina��o.” As palavras n�o ditas saem em cascata: v� j�, como der, a p�, com o burro, p�e a sela e vai. E se argumento em contr�rio houver, ela arremata: “Se voc� n�o for embora, Omar, eu me mato”.

Em momento algum de sua narrativa, a escritora e psicanalista Betty Milan, autora de Baal – Um romance da imigra��o, lan�ado pela Record, nomeia o pa�s em que a hist�ria se passa. Tampouco faz registro cronol�gico de datas. E o faz para assinalar o direito fundamental e universal do ser humano � partida e � chegada, em busca de sobreviv�ncia ou que sejam melhores condi��es de vida. Para isso, joga-se a um abismo de adversidades de uma travessia in�spita. “O nome do pa�s, n�o digo de prop�sito. O que importa n�o � ser deste ou daquele, e sim o fato de voc� ser obrigado a deixar o lugar onde vive, fazer depois a travessia, correndo o risco de n�o sobreviver.”

Betty Milan n�o diz. Mas d�vida n�o h�. Estamos falando do L�bano, pa�s de nossos ancestrais, mais especificamente de alguma das pequenas aldeias encravadas no Vale do Bekaa, acalentado a Oeste pelo Monte L�bano e, a Leste, pelas montanhas Anti-L�bano. O relato que se constr�i da boca do morto Omar retrocede �s duas �ltimas d�cadas do s�culo 19, quando o Brasil, confrontado pela press�o brit�nica para p�r fim � escravid�o – que s� seria abolida em 1888 –, incentiva a entrada de imigrantes para atender � demanda por m�o de obra nos cafezais pujantes. Se europeus fossem, a imigra��o tamb�m atendia �s teses eugenistas – racistas – de gradual “branqueamento” de uma popula��o com grande presen�a de pretos, mulatos e �ndios.

“A mem�ria � a condi��o da paz”, diz a autora. E � assim que o morto Omar cercou a fam�lia de luxo e riqueza, poupando-a dos horrores e dificuldades de sua travessia de 34 dias na cozinha de um navio insalubre, cheio de ratos, em que a comida � feita com �gua do mar. Entre os passageiros amontoados, um morre de doen�a contagiosa e outro se suicida. � uma trajet�ria de abandonos: seja � pr�pria sorte, seja de afetos. Para alcan�ar Amrika, nesse caso o Brasil, Omar deixa a m�e, a tia e a mulher que ama. N�o tem dinheiro, assiste ao companheiro de jornada Amin adoecer na nova terra – possivelmente S�o Paulo, onde se choca com a brutalidade com que os escravos s�o tratados. Ao mesmo tempo, encanta-se com as frutas tropicais, as florestas, a vegeta��o, e entrega-se a belas mulheres, h�bito que possivelmente manteve ao longo de sua vida, mesmo quando, j� estabelecido e bem de vida, traz a m�e, a tia e a mulher que ama ao Brasil. Em decorr�ncia da s�filis, Omar s� teria uma filha.


'JOIA DO ORIENTE E DO OCIDENTE'


Quando Aixa nasce, Omar, que come�ara como mascate, j� se tornara um homem rico. Para a fam�lia, constr�i um palacete, verdadeira “joia do Oriente no Ocidente”, onde a vida se desdobra cercada de luxo, abund�ncia e generosidade aos necessitados. Muitas das festas s�o organizadas para recepcionar imigrantes. O pal�cio chama-se Baal – nome do romance –, refer�ncia impl�cita ao deus de origem sem�tica, associado aos fen�cios, � fertilidade, mas tamb�m � destrui��o. E Aixa, a “embaixatriz” do Baal, por ser mulher, educada n�o para suceder e comandar a fortuna do pai, mas para assumir o papel de esposa e m�e, se casa com um homem sem escr�pulos. Com a morte do pai e depois, do marido, idosa, demente, tem o pr�prio destino nas m�os dos filhos. O mais velho, ganancioso e perdul�rio, xen�fobo – nega a pr�pria ascend�ncia – ludibria a m�e for�ando-a assinar a doa��o do palacete, que ele pretende demolir.

Aixa � removida � for�a de Baal e encarcerada num cub�culo, onde tem del�rios. Seja Omar, narrador da hist�ria, um fantasma em dimens�o qualquer; ou mesmo seja ele uma abstra��o ou mem�ria afetiva daqueles que o conheceram, a quest�o � que a amn�sia assombra. Empurra uma vida “ao fundo negro do esquecimento”, ao vazio, ao nada. � ainda mais profundo o tormento de Omar face � situa��o de abandono em que se encontra a j� desmemoriada Aixa, que tem por �nica companhia a fiel N�dia, tamb�m imigrante, e um c�o. Aixa poderia bem chamar-se Aida: em �rabe, “aquela que retorna” e ressurge da �pera de Giuseppe Verdi, composi��o de 1870, em refer�ncia � princesa et�ope mantida em cativeiro no Egito.

“A hist�ria da fam�lia teria sido diferente se eu tivesse falado da travessia para os meus, do custo do ber�o de ouro que proporcionei. Mas sempre me comportei como se a vida fosse um mar de rosas”, raciocina Omar, em revis�o e autocr�tica de sua vida e do memorial da imigra��o, que desejara ter legado com o Baal. E � assim que o morto, que paira sobre o mundo dos vivos, sem encontrar a paz – sem hist�ria e com o palacete em ru�nas – decide registrar a sua trajet�ria. Busca, dessa forma, se reconciliar com a mem�ria. E grafar, entre vivos, a sua passagem.

O t�tulo da obra de Betty Milan remete a Baalbek, que assim como Zahle e o vilarejo de Monte L�bano s�o as localidades do Vale do Bekaa, no L�bano, de onde partiram os av�s maternos e paternos da autora. Em meio a paisagens que descortinam brutal contraste entre montanhas e plan�cies, elevam-se as ru�nas exuberantes do s�tio arqueol�gico da antiga Acr�pole de Baalbek, que, muito antes do dom�nio romano, foi importante centro de peregrina��o fen�cia. Ali se venerava o Deus-C�u Baal, a sua consorte Astarte, Rainha do C�u, e o seu filho Adon. Da� a deriva��o do nome da cidade: Baalbek significaria “Deus Baal do Vale do Beqaa”.

Assim como o morto narrador de Baal, os av�s de Betty Milan iniciaram a vida no Brasil como mascates e prosperaram. O palacete constru�do por seus av�s no Bairro Bela Vista, em S�o Paulo, foi igualmente demolido. Nesse sentido, a mem�ria se ergue sobre os escombros do esquecimento, em forte contraposi��o ao s�tio arqueol�gico de Baalbek, que altivo, integra o patrim�nio hist�rico da humanidade. Betty estudou medicina, mas se dedicou � psican�lise. � autora de mais de duas dezenas de obras, entre as quais O papagaio e o doutor (1998), em que aborda o tema da di�spora, Paris n�o acaba nunca mais (1996), Carta ao filho (2013), e A m�e eterna (2016).

“A minha obra diz respeito � imigra��o e � xenofobia, que � a raz�o pela qual os povos s�o recha�ados. Baal mostra que sem direito de asilo n�o existe civiliza��o. Ouso citar um fragmento em que isso fica claro: se n�o fosse a guerra, eu n�o teria sa�do do meu pa�s. O nome do pa�s, n�o digo de prop�sito. O que importa n�o � ser deste ou daquele, e sim o fato de voc� ser obrigado a deixar o lugar onde vive, fazer depois a travessia, correndo o risco de n�o sobreviver. Uma desgra�a atr�s da outra!”, disse Betty Milan ao Estado de Minas. “Tive que tomar a decis�o mais dr�stica … a largada ou a morte. Antes de largar, eu n�o imaginava o que podia ser o mar aberto, o medo de ser devorada pela �gua ou mesmo assassinada no navio. Sai… este lugar � meu. Sai ou eu te jogo. A lei do mais forte no navio e na terra de chegada. Volta para onde voc� nasceu. Como se o homem fosse obrigado a viver no pa�s natal. A terra aqui � nossa. O mar � seu. Uma barb�rie… sem direito de asilo n�o existe civiliza��o”, completa.


TRECHO DO LIVRO

“Henrique Salem... pente fino/pente grosso/colarinho pro pesco�o... E o pau do Henrique � fino ou grosso?
Quatro meninos deitaram o infeliz no ch�o do p�tio e um quinto tirou a cal�a dele gritando Henrique Salem...O bedel ouviu e socorreu. Depois, sem dar explica��o, Henrique se recusou a voltar para a escola. N�o vou, n�o vou...Quando ele enfim se abriu comigo, sem contar o fato, eu convenci meu genro a transferir o filho para outra escola. Henrique exigiu que fosse a dos mais ricos da cidade. Quis evitar assim a inveja dos colegas menos afortunados. Desde que foi agredido, ficou desconfiado e arrogante. S� anda com as pessoas do seu pequeno c�rculo de amigos ricos.
O pior � que ele agora n�o atende a m�e. Pode Aixa insistir. 


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