
Resistir � solid�o (do isolamento), � opress�o, ao medo, � amargura, � falta da presen�a do outro e at� de si pr�prio, a incompletude? “Estou sozinho no banco da pra�a, na sala de casa, no que resta das horas. A solid�o justifica a demora e a falta sentida assim, caminhando a meu lado, na beleza que o mundo empresta, � a presen�a que me resta”, diz o jovem poeta de BH, nos belos versos finais de A falta.
Vende-se um elefante triste re�ne 25 poemas, boa parte escrita durante a pandemia, e os t�tulos da maioria j� permitem ao leitor imaginar o que vem: Dos brutos, Paci�ncia, O poema do amor derradeiro, Era uma vez..., Entre homens covardes, Pobre Diabo, Manual para arrancar a dor do peito, Ode do tempo perdido, Ral�, A falta, Dia do ju�zo, Corpo fechado... Todos parecem ter a ver com a peste do coronav�rus. E t�m, de uma forma ou de outra.
Fernando Pessoa declamou ao mundo: “O poeta � um fingidor, finge t�o completamente, que finge que � dor a dor que deveras sente”. Jo�o Gabriel n�o finge, depura a solid�o, o sofrimento e a ang�stia dos seres mortais assombrados pela dor e pela morte destes tempos sombrios. Mas sofrimento tamb�m � supera��o: “O verso em cima da mesa � que aponta o bonito em meio a tanta tristeza, cura o cora��o machucado, o peito rasgado nos cacos da delicadeza, deste esp�rito condenado a vibrar indelicado”, como diz o poema Corpo fechado.
Tamb�m � preciso at� rir de si mesmo e tamb�m encarar a tristeza. O poema Meu elefante fala de um paquiderme posto no telhado e da necessidade de tir�-lo de l� para acabar com sua tristeza. No ch�o, homem e elefante poder�o rir juntos na suposta solidez do solo. “� um poema sobre tristeza, sobre, ao inv�s de fugir da tristeza, como � costume nos tempos atuais, se colocar ao seu lado,” conta Jo�o Gabriel.
E o que dizer do encontro com o Pobre Diabo? Os desatinos do ser humano sobre a face da Terra s�o t�o absurdos que at� mesmo o diabo est� impressionado e nem quer saber de pacto. Flagrado em sua tristeza, ele j� adianta: “N�o tenho culpa de nada”. N�o �? Parece que o homem j� n�o pode contar com o diabo para maldades terrenas porque as suas j� bastam para atrair a morte.
Como diz Jo�o Gabriel, parafraseando Manuel Bandeira, uma de suas fontes de inspira��o: “O que nos resta � dan�ar um tango argentino”, ou, melhor ainda, comprar um elefante triste.
VERSOS FALADOS
Diante do confinamento obrigat�rio causado pela pandemia, Vende-se um elefante triste n�o teve lan�amento presencial, mas chega em grande estilo ao mercado com uma �tima sacada: declamado pelas redes sociais. Pelo Instagram (@osapoeta), os poemas de Jo�o Gabriel s�o lidos por pessoas diversas, entre elas o ator Ant�nio Fagundes, que declama Ral�: “Daqui do meu canto, as coisas nunca foram t�o bonitas. e n�o que falte beleza ou outra coisa nas coisas, mas as horas passam, malcriadas por mim e de demoras disfar�adas, sem que eu saiba enfeiti��-las. se houvesse deit�-las em uma rede de estrelas talvez – e s� talvez –, chegasse o tempo em que discriminar�amos os porqu�s. daqui, da ral� do momento, se muito respiro fundo. tento achar a beleza escondida das vidas de que n�o me lembro”.O projeto gr�fico-editorial � outro forte atrativo do livro, com versos ilustrados pela artista pl�stica Bia Pessoa. “Conseguimos um ajuntamento perfeito entre desenho e palavra”, explica Jo�o Gabriel para apresentar seus versos, que entrega aos leitores, cada qual com sua vis�o dos seus belos poemas.
Como diria a portuguesa Florbela Espanca, com seu poema Poetas: “Ai, as almas dos poetas/N�o as entende ningu�m/S�o almas de violetas/Que s�o poetas tamb�m/Andam perdidas na vida/Como as estrelas no ar/Sentem o vento gemer/Ouvem as rosas chorar/S� quem embala no peito/Dores amargas e secretas/� que em noites de luar/Pode entender os poetas/E eu que arrasto amarguras/Que nunca arrastou ningu�m/Tenho alma pra sentir/A dos poetas tamb�m!”
Corpo fechado
Se notares, um dia,
meu medo, meu segredo,
e meu corpo fechado
no quarto,
perdoa o meu peito
por bater indelicado.
E ao me achares
perdido, dando ares
de louco
saiba que, aos poucos,
vou inventando meu lado,
da porta fechada
que guarda
meu cora��o indelicado.
O verso em cima
da mesa
� que aponta o bonito
em meio a tanta tristeza,
cura o cora��o machucado,
o peito rasgado
nos cacos da delicadeza,
deste esp�rito condenado
a vibrar indelicado.
Pobre Diabo
Encontrei o Diabo
e ele estava triste.
N�o foi um encontro marcado,
o Diabo vinha passando
sem sequer olhar pro lado
e distra�do, o Coitado,
trope�ou no pr�prio rabo.
Estendi-lhe minhas m�os
mas seus olhos n�o
fizeram festa –
ajudei o pobre diabo
a recuperar-se da queda.
J� de p�, agradeceu-me
com algumas
palavras tranquilas e
comentou alguma coisa
sobre o clima, os fatos do dia,
soltou um suspiro profundo
e j� ia dando no p�.
Mas, eu me aprumei e
lhe disse,
“O sr. � o Diabo, n�o �?”
N�o tinha certeza, de fato,
mas segui
“Tive d�vida quando n�o vi
os chifres, o sr. est� de chap�u,
mas logo notei pelo rabo.”
Ele me olhou assustado,
p�lido, com os olhos vermelhos
marejados de l�grimas.
Pobre Diabo,
parecia um fantasma.
Fez men��o de ir embora,
mas colocou
o dedo e me disse
– Eu n�o tenho culpa de nada!
Era de se notar
o quanto estava triste.
Entrevista/Jo�o Gabriel
“Se eu fosse o diabo, teria pavor do ser humano”
Os poemas do seu novo livro parecem unir sentimentos de fracasso e de resist�ncia diante de um mundo doente. Poesia � resist�ncia ou resigna��o?
Escrever, em momentos hist�ricos, � um grande desafio: guerras, pandemias, ascens�es fascistas, fatos que atingem grande popula��es s�o paralisantes porque acabam viciando as conversas, os acontecimentos, tornam a realidade monocrom�tica. Mas a cria��o n�o passa s� por escrever, � tamb�m reunir, dar forma, analisar o que j� foi feito, pra assim dizer destes tempos. Escrever, pra mim, � deixar o poema, ou qualquer texto, crescer num ponto em que eu n�o possa mais cont�-lo.
Esses momentos de escrita me agitam, me fazem andar de um lado pro outro, mas me deixam alheio do resto � minha volta, como se fosse uma esp�cie diferente de concentra��o. O fracasso, nessa obra, n�o � um fim em si mesmo, aparece, na verdade, como circunst�ncia, fio condutor: a poesia – e a arte, de forma geral –, em tempos hipercapitalistas como os nossos, s� pode servir pra resistir, dizer o que a opini�o oficial n�o diz. Sen�o, � hor�scopo do dia.
Esses momentos de escrita me agitam, me fazem andar de um lado pro outro, mas me deixam alheio do resto � minha volta, como se fosse uma esp�cie diferente de concentra��o. O fracasso, nessa obra, n�o � um fim em si mesmo, aparece, na verdade, como circunst�ncia, fio condutor: a poesia – e a arte, de forma geral –, em tempos hipercapitalistas como os nossos, s� pode servir pra resistir, dizer o que a opini�o oficial n�o diz. Sen�o, � hor�scopo do dia.
A met�fora do elefante triste no telhado seria o imponder�vel da vida nestes momentos dif�ceis? O elefante e o homem que riem s�o os que t�m os p�s no ch�o?
Tenho tr�s sensa��es ao pensar num elefante no telhado. A primeira delas me vem como uma pergunta: quem colocou ele ali?. A segunda � a certeza de que ele n�o vai ficar ali pra sempre, e a partir dessas duas, sinto que tenho um problema. Escrever esse poema foi responder a esses est�mulos a partir dessa imagem. Para mim, o elefante � uma maneira de olhar pra si mesmo. E o homem e o elefante, rindo juntos, s�o uma esp�cie de reencontro, funcionam como um espelho: ao olhar um pro outro, gostam do que veem. � um poema sobre tristeza, sobre, ao inv�s de fugir da tristeza, como � costume nos tempos atuais, se colocar ao seu lado.
“A falta � a presen�a que me resta.” Assim termina o poema A falta, que fala de solid�o e desencontro. Cabe ao leitor interpretar que presen�a � essa. Seria a do reencontro consigo mesmo e com o mundo?
O leitor � sempre senhor na interpreta��o, mas penso que o poema quer dizer dos momentos de muita solid�o, como os que vivemos agora, em que, al�m da puls�o de morte daqueles com pouca vida interior, � poss�vel reconectar-se com o passado e, assim, consigo mesmo, revivendo e refazendo experi�ncias. Apesar de o poema dizer muito sobre os dias atuais, ele foi escrito em uma fase em que me isolei e passei por momentos muito solit�rios, mesmo acompanhado.
A falta, caminhando ao meu lado, � tudo que a vida me deu e eu n�o posso carregar na mochila; ainda assim, por um momento ela era, tamb�m, tudo que eu tinha. Essa falta, a incompletude, � uma realidade de todos e dev�amos andar com ela do nosso lado, conversar com ela e fazer esfor�o para entend�-la, como se fosse um animal de estima��o.
A falta, caminhando ao meu lado, � tudo que a vida me deu e eu n�o posso carregar na mochila; ainda assim, por um momento ela era, tamb�m, tudo que eu tinha. Essa falta, a incompletude, � uma realidade de todos e dev�amos andar com ela do nosso lado, conversar com ela e fazer esfor�o para entend�-la, como se fosse um animal de estima��o.
A tenta��o do diabo, inclusive a b�blica, atravessa a literatura ocidental, passando por Mefist�sfeles em Fausto (Goethe), Doutor Fausto (Thomas Mann), Grande sert�o: veredas (Guimar�es Rosa) e outras obras. No caso do poema Pobre diabo, entretanto, em vez de pacto, ele diz que n�o tem culpa de nada. O que dizer disso? N�o h� mais a quem o ser humano culpar por suas desgra�as?
Sempre pensei muito no encontro do Eduardo, personagem de Encontro marcado, de Fernando Sabino, com o diabo – se n�o me engano, na Lagoa da Pampulha. � um dos meus livros preferidos desde a adolesc�ncia e esse encontro – apesar dos desencontros do livro – � muito marcante. Ali, o personagem sente muito medo da figura diab�lica, mas a verdade � que, se eu fosse o diabo e visse o mundo como est�, cheio de desinforma��o, antici�ncia e fascismos expl�citos, teria pavor do ser humano.

VENDE-SE UM
ELEFANTE TRISTE
• De Jo�o Gabriel
• Produ��es do �
• 83 p�ginas
• R$ 40
• Vendas: WhatsApp: (31) 99535 7566
• Instagram: @osapoeta
• E-mail: joaogabrielfurbino @gmail.com
Jo�o Gabriel estudou letras na UFMG e lan�ou No meio da rua, seu primeiro livro, em 2015